A Bosch mira no intraempreendedorismo e no ecossistema de startups para inovar com agilidade

Giovanna Riato - 9 mar 2017Há cinco anos, Bruno Bragazza ganhou o desafio de inovar em novas áreas de atuação da Bosch.
Há cinco anos, Bruno Bragazza ganhou o desafio de inovar em novas áreas de atuação da Bosch.
Giovanna Riato - 9 mar 2017
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Uma empresa com mais de um século de trajetória tem uma bagagem importante, mas também um enorme peso para carregar. No lugar de confiar que seus 131 anos de história garantiriam sucesso futuro, a alemã Bosch, decidiu olhar ao redor. Enquanto toca o que sabe fazer – soluções e sistemas para veículos, eletrodomésticos, além de tecnologia predial e industrial – a companhia criou um núcleo capaz de inovar internamente e identificar novas oportunidades de negócio fora dessas quatro áreas principais em que já atua.

Bruno Bragazza, 49, gerente de inovação e responsável pela área de novos negócios da organização no Brasil, diz que o esforço pavimenta o caminho de transformação que a companhia pretende percorrer: “O objetivo é deixar de ser uma empresa do setor metal-mecânico para ser uma companhia de Internet das Coisas“. A meta, segundo ele, é sair do hardware e ir para o software, mudar o modelo de negócio globalmente e manter o foco em mobilidade e indústria conectadas, além de cidades inteligentes.

É um passo ousado para uma empresa que tem 56 mil funcionários apenas na área de pesquisa – de um total de 390 mil. São 120 centros e laboratórios dedicados a isso no mundo, todos conectados por uma rede. “Se tenho uma demanda por solução em uma área específica, indico isso e um especialista da China, por exemplo, pode responder e me ajudar a encontrar o caminho”, conta. Com isso, Bruno diz que a engrenagem funciona bem, sendo responsável por uma série de avanços tecnológicos. Entre os exemplos estão a tecnologia de combustível flex, criada no Brasil no começo dos anos 2000, e avanços recentes para tornar o carro autônomo uma realidade.

O olhar além do horizonte, ao longo dos anos, passou a ser obrigatório na empresa, segundo Bruno: “O mindset de inovação está na veia da companhia, mas o conceito de fazer mais rápido, de usar Design Thinking e User Experience ainda não. Fazemos muito bem a inovação que chamo de ‘clássica'”. Ou seja, as novas metodologias são algumas das apostas para ganhar agilidade. “Essa postura mais tradicional nos ajuda a trabalhar melhor naquelas áreas de atuação já saturadas de soluções e de concorrentes. Mas só às vezes nos leva a um mercado ainda não explorado”.

O gerente diz que, historicamente, a Bosch sempre esteve muito ligada à inovação. “Investimos 6,6 bilhões de euros em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) globalmente em 2015, 155 milhões de reais só no Brasil. De oito a 10 anos para cá, começamos a olhar para inovação de forma diferente, não tão ligada à tecnologia, mas ao negócio”, conta. Com isso em mente, a sede da companhia, na Alemanha, passou a trabalhar em ações para acessar novos segmentos, olhar para fora daquelas quatro áreas principais e, enfim, inovar além do avanço tecnológico.

FOI PRECISO OLHAR PARA FORA PARA INOVAR INTERNAMENTE

Globalmente, uma das grandes ações foi a criação da Robert Bosch Venture Capital (RBVC), focada em mapear a atuação de startups no mercado e investir nos negócios promissores. A iniciativa, de 2008, já aplicou 430 milhões de euros em jovens empreendimentos. “O foco está em empresas dos Estados Unidos, Europa, Israel e, desde o fim do ano passado, da China”, conta Bruno. Segundo ele, o Brasil fica fora da lista por ser um mercado pequeno para o capital de risco da perspectiva global.

A visão, no entanto, não é tão restrita. A empresa está disposta a abrir exceção se for o caso. “Entendemos que seria melhor começar outro tipo de trabalho com o ecossistema local, mas se eu encontrar um negócio muito interessante, posso bater na porta da RBVC na Alemanha e recomendar que a gente invista naquela startup”, conta. Com isso, no Brasil a trilha de inovação da empresa é diferente.

Aqui, o desdobramento dessa visão global foi a criação da área de Novos Negócios há cinco anos, que passou para o comando de Bruno quase automaticamente. Na empresa há 32 anos, ele cuidava da área de inovação e patentes há nove anos. Lidava com governo, universidades e recebia inventores independentes que queriam apresentar soluções à companhia. “Sempre tive a cabeça muito aberta. Adoro o desafio de enxergar novas oportunidade, linkar soluções e resolver dores”, conta, revelando que a parte subjetiva do currículo tornou ele apto para o cargo.

É no coworking Weme, em Carmpinas, que a companhia dá os primeiros passos no relacionamento com startups.

É na aceleradora Weme, em Campinas, que a companhia dá os primeiros passos no relacionamento com startups.

A área segue acompanhando o esforço global de buscar oportunidades de negócios fora do escopo tradicional da Bosch. “Temos de encontrar e propor soluções tecnológicas para desafios locais, mas precisa ser algo que a empresa ainda não faz em nenhum outro lugar do mundo e que possa ser escalável, que a gente consiga, no futuro, levar a outros mercados se for interessante”, conta. Desafio dos bons.

GRANDES EMPRESAS NÃO ESTÃO LIVRES DE ALGUNS TROPEÇOS

Logo de cara, foram definidas quatro áreas estratégicas para as quais a Bosch priorizaria o desenvolvimento de soluções: agronegócio, saúde, logística e mobilidade duas rodas. O trabalho começou a ser feito por times internos no processo que Bruno chama de Inside Out. O primeiro passo foi formar equipes de intraempreendedores para mapear estes segmentos, identificar carências e trabalhar “à la startup”: propor solução, fazer modelo de negócio, entender a viabilidade e ir ou não adiante. Bruno conta:

“Chegamos a três projetos que pareciam ter potencial, mas falhamos no conceito e nas negociações”

A sorte, ele diz, é que a verba da área de novos negócios era justamente para isso: tentar, errar e, eventualmente, acertar. Mas a frustração durou pouco. “Tínhamos um projeto para a área agro, de pecuária de precisão, que começou a deslanchar”, diz. Eles bateram em várias portas e conquistaram um cliente de peso. Segundo Bruno, um dos maiores pecuaristas do Brasil comprou a ideia. Bingo! O negócio deu certo.

A empresa não revela detalhes por questões de contrato. “Devemos anunciar em breve”, mas o executivo adianta que o projeto é abrangente. “Envolvemos 40 fornecedores de serviços na iniciativa, que gerou 10 pedidos de patente”, diz. A solução será implementada até meados deste ano.

Para tornar a iniciativa realidade, há 15 pessoas dedicadas no que Bruno chama de uma “startup interna”: “Ainda não sabemos onde isso vai dar, se é um negócio para ser vendido no futuro ou se vai gerar uma nova área na companhia”. Independentemente dos rumos, com essa vitória no portfólio, o time de Novos Negócios ganhou mais força. Agora, há 12 pessoas dedicadas a gerar outras oportunidades. E os alvos também mudaram. Além das áreas agrícola e da saúde, a empresa foca agora em desenvolver negócios nos setores de educação e de segurança.

A TROCA COM STARTUPS PRECISA SER NO MODELO GANHA-GANHA

Com o sucesso do esforço de intraempreendedorismo, Bruno sente que é a hora de olhar para fora, de se relacionar com o ecossistema. “Já me chamaram para fazer palestras sobre open innovation e brinquei que não sou a pessoa certa, porque trabalho na companhia mais close innovation. Vamos mudar isso”, diz. Assim, ele começa a implementar o processo de inovação que chama de Outside In. Por essa lógica, a Bosch mapeia e identifica problemas no mercado e busca nas startups soluções capazes de curar aquelas dores. “Neste momento, há um time de quatro profissionais em incursão por fazendas brasileiras para encontrar carências e demandas do setor que, no futuro, podem virar produtos e soluções”, dá o exemplo.

Para ele, os frutos deste tipo de mapeamento devem ser projetos que combinem a linguagem e agilidade de startups com as tecnologias criadas pela Bosch – que domina a produção de sensores de alta precisão e de software. Bruno conta:

“Enquanto as empresas jovens nos ensinam outras formas de trabalhar, entramos com a parte tecnológica”

Os dois lados ganham no processo, de acordo com ele, mas é preciso ter cautela para que a troca seja realmente mútua. “Para entender as sinergias, estamos muito cuidadosos na abordagem com as startups. O que está claro é que não trabalharemos sozinhos”, ele complementa. O gerente ainda diz que a empresa começa a dar os primeiros passos para se relacionar com o ecossistema: “Estaremos em dois espaços de incubação e cocriação, que serão inaugurados em Campinas, onde fica a nossa fábrica”. Um destes espaços já foi anunciado, é a Weme, que reúne empresas instaladas na região, como a DHL. Bruno cita que a Bosch oferecerá mentorias para startups selecionadas e terá presença fixa ali.

Mesmo confiante, ele diz que o esforço da Bosch para mudar internamente pode assustar. “Temos muita gente com 30 anos de casa e estamos trabalhando para transformar a cultura, para que as pessoas acompanhem a transformação e adaptem o olhar”, diz, citando esforços como a Bosch Innovation Network, rede que reúne os colaboradores interessados em debater inovação. “É uma roda que começa a se movimentar, mas tem uma massa muito grande, que é o tamanho e a história da companhia”, diz, enfatizando que o esforço é permanente.

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