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A gourmetização de um produto não precisa ser vazia. A Rua do Alecrim, especializada em azeite, aposta nisso

Daniela Paiva - 24 fev 2015 O casal Arnaldo Comin e Iris Jönck: paixão pelos sabores virou negócio de luxo (foto: Henrique Manreza).
O casal Iris Jönck e Arnaldo Comin: paixão pelos sabores virou negócio de luxo (foto: Henrique Manreza).
Daniela Paiva - 24 fev 2015
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Alecrim. Alegrim. Alegria.

E assim começa a história da Rua do Alecrim, empório gourmet que hoje atende via e-commerce e loja física, localizada na Vila Mariana, na capital paulista. Há pouco mais de dois anos, a empresa semeia uma ideia com um bom potencial de amadurecimento no segmento de luxo e gastronomia: a cultura do azeite.

Antes, porém, deixemos o negócio em si um pouco de lado. Vamos falar de amor e tempero, até porque tudo isso se mistura na base desse simpático empreendimento. É que a Rua do Alecrim brotou de um convite e regalo de casamento. Quando Arnaldo Comin, 43, jornalista, e Iris Jönck, 35, publicitária, decidiram juntar os trapinhos em 2011 e bolaram uma festa que fosse, acima de tudo, a cara dos dois.

A começar pelo convite, sem aquela frescurada de envelope e papel dourado. Amigos e familiares receberam uma garrafinha, que continha um verbete poético sobre o alecrim, criado por Arnaldo e escrito em um pedaço de tecido, e um raminho da planta em questão. A brincadeira do verbete tinha a ver com o som da palavra – a proximidade entre alecrim e alegria. Daí, contava um pouco da historinha do tempero, e finalizava com algo como “para nós, alecrim quer dizer alegria”.

E teve mais alecrim ao final do festerê. O presentinho de despedida era também uma garrafa, mas esta lotada de temperos – alecrim, claro, sálvia, tomilho, salsa, orégano, tomilho, manjericão, pimenta preta e rosa, gengibre, sal etc. Só que demorou um bocadinho para a dupla perceber que a marca e o futuro negócio já estavam bem plantados no terreno da vida de casal.

Arnaldo sempre foi o que mais gostava de botar a mão na massa nos jantarzinhos. Em 2008, o gosto virou solução para uma temporada de um ano em Barcelona de mestrado (ele fez Jornalismo Econômico, ela estudou Análise de Tendências), com férias de verão em Londres – e sem muita grana.

Ele relembra: “Ir ao supermercado na Espanha era a Disneylândia. Sempre fui fissurado por cogumelos, e aí tinham 200 tipos e baratos. Em Londres, a coisa que a gente mais fazia era comprar queijos, ir nos mercados de rua”.

A ideia quis nascer: “Começou a brincadeira, e eu falava: vamos abrir uma loja de cogumelos quando a gente voltar para o Brasil.” Faltava um pouco de adubo ainda, que só veio com a lua de mel de quase um mês pela Turquia. Aí a coisa pegou fogo. “A gente pirou com aquele mercado de especiarias”, conta Arnaldo.

As degustações explicam as categorias e envolvem ainda mais os clientes (foto: Henrique Manreza).

Bem mais simples do que as de vinhos, as degustações de azeite na Rua do Alecrim os separam em categorias intuitivas (foto: Henrique Manreza).

Foi em meados de 2012 que eles resolveram finalmente investir as economias em um negócio que tivesse a ver com a paixão cultivada junto ao relacionamento.

À época, Arnaldo trabalhava como freelancer. Acumulava carreira sólida como jornalista com passagens pelo Valor Econômico, Meio & Mensagem, Folha de S.Paulo, Brasil Econômico, Terra. Iris passara pelo Banco Itaú, Whirlpool, Young & Rubicam, com larga experiência em planejamento. Trabalhava como consultora.

O modelo inicial do negócio era venda de kits gourmet online com uma espécie de curadoria para produtos interessantes e de qualidade: caixas com azeites, temperos, conservas etc.

Somaram 150 mil reais das economias e foram empreender. Alugaram uma sala perto de casa, na própria Vila Mariana. Iris assumiu a primeira etapa, com a ajuda da irmã, e fez uma intensa pesquisa de campo – buscou os produtos em feiras e fornecedores, estudou as preferências e as dispensas de consumidores.

PARECIA LINDO, MAS COMEÇOU MAL

A estreia aconteceu em novembro de 2012, de olho no Natal. Mas eles logo perceberiam a necessidade de se adaptar aos movimentos apontados no caminho. Nesses primeiros meses, as vendas foram irrisórias, salvo um pedido feito por um cliente corporativo. Eles notaram que seria difícil atrair o target do negócio – o público gourmet – para a internet. Este é um nicho que pesquisa tudo na web e é super curioso (quer saber história, temperos, receitas etc) mas não faz a compra. Sabe o que quer antes, mas só abre o bolso depois de conferir o produtinho ao vivo e a cores.

Duas estratégias foram essenciais para driblar essa dificuldade. O escritório acabou se transformando em um pequeno showroom, quase por um movimento espontâneo, pois muitos clientes pediam para ver os produtos in loco. Logo, as vendas realizadas pessoalmente passaram a corresponder a 20% do negócio.

Além disso, Arnaldo procurou trabalhar fortemente conteúdo de marca. A tática inclui textos sobre receitas, dicas e promoções em uma newsletter com ótimo desempenho, segundo Arnaldo, com taxa alta de adesão e baixíssima desistência. A base de clientes cadastrados do site é de 5 mil. Arnaldo diz:

“O ritmo da internet é lento. Você tem aquela ideia de que vai cliente porque os nossos produtos são lindos, nossa marca é legal e a gente é bacana. Mas não é assim. Há uma guerra de palavras de busca. Sem um investimento consistente de Google Ads, não vai”

Então, 2012 e 2013 foram anos de construção do negócio – de administração, compra e venda, entendimento sobre fluxos e capital de giro, análise. Por exemplo, no início eles contrataram uma empresa de estocagem e logística. Não funcionou. “Na primeira semana, estávamos trocando kits armazenados de forma errada às 11 da noite. Sorte que eram amigos”, recorda Iris.

Na lojinha, que começou como escritório e depois show room, o cliente aprende mais sobre o produto (foto: Henrique Manreza).

Na loja física, que começou como escritório e depois show room, o cliente aprende mais sobre o produto e suas combinações.

Nessa fase, eles também perceberam que apostar no azeite poderia elevar o negócio a outro patamar. “Sabíamos que o azeite era um elemento mais nobre na cadeia alimentar, com uma margem melhor. Agregava mais como produto. No Brasil, esse mundo é literalmente uma azeitona. Tem pouquíssima gente envolvida. Sacamos que o nosso caminho era o azeite porque ninguém está aproveitando esse mercado. O crescimento é grande e as pessoas têm interesse ”, afirma Arnaldo.

A sacada tinha um porém: era preciso promover uma “evangelização” – ensinar como degustar azeite. Assim surgiram cursos para os clientes com ingressos pagos, trazendo uma espécie de sommelier de azeite para explicar como é que se saboreia o óleo, o que continua até hoje.

As turmas chegam a 15 pessoas, e prova-se entre três e quatro tipos de azeite. Eles desenvolveram também uma categorização com três tipos: intenso, médio e suave. Arnaldo diz que, comparada a uma degustação de vinho, a de azeite é bem mais simples e com descrições mais fáceis de serem compreendidas e notadas. Tomate, maçã, ervas, amargo, doce, picante, e por aí vai.

No dia a dia, a loja sempre apresenta exemplares abertos acompanhados de pedacinhos de pão. “É um trabalho diário derrubar os mitos para os clientes”, diz Arnaldo, que planeja escrever um livro-reportagem sobre o tema. “Vai virando uma paixão. Você vai conversando, provando, conhecendo os caras, quem é produtor. A gente meio que embalou.”

Não é por acaso que, em certo ponto da nossa conversa, Arnaldo pergunta se as caixas que chegaram trazem um certo azeite (sim!) e então ele solta um palavreado de empolgação (caralho!). Era o Oro de Cánava, um espanhol sensacional que meu irmão jovencito e não-gourmetizado provou depois da entrevista e, antes de ouvir qualquer coisa sobre aromas e categorias, soltou um: “Hmmm… tomate”. Bingo!

No ano passado, aconteceram alguns movimentos importantes. Focaram os esforços em food service, contratando uma pessoa especializada para firmar parcerias com restaurantes, empórios etc. Também não deu certo. “É uma clientela muito difícil, tem que ter um puta custo”, comenta Arnaldo. Alguns bons clientes ficaram – os restaurantes Skye e Barbacoa, os hotéis Unique e Copacabana Palace. Mas a lição acabou sendo maior:

“O lance da sobrevivência de qualquer negócio é: errou, arruma. Não insista muito no erro porque isso pode te matar”

Em outubro, inauguraram oficialmente a loja na Vila Mariana, em um espaço com salas para o administrativo, cozinha e área externa, perfeito para atender toda a operação – da embalagem dos kits até os eventos gourmets.

A Rua do Alecrim tem cerca de 400 produtos, sendo 50 rótulos de azeite cujos valores variam de 30 a 300 reais. Entre os best-sellers dos artigos, estão o Sal Rosa do Himalaia e a Farinha Caputo (italiana). O e-commerce corresponde a 60%, mas a tendência é esse número diminuir. A meta é alcançar 30% do volume de vendas pela internet, 40% pela loja física e 30% para o mercado corporativo cm kits personalizados – já atenderam Porto Seguro, GNT, MSC Cruzeiros.

A loja de uma variedade grande de sabores (foto: Henrique Manreza).

Há cerca de 50 rótulos, com preços variando de 30 a 300 reais (foto: Henrique Manreza).

Sobre faturamento, a meta de 2014 era 1 milhão de reais, bateram 900 mil, equilibrando os 500 mil reais totais de investimento. Para este ano, os planos são muitos: aumentar o número de rótulo de azeites espanhóis (um buraco no mercado, diz Arnaldo), apostar na produção da América do Sul como um diferencial por conta da ótima relação custo-benefício. Uruguai e Chile são alguns dos que prometem no continente.

Outro objetivo para 2015 é lançar um marca própria de temperos secos, que já está sendo desenvolvida com parceiros. E, no futuro, claro, uma de azeite. Adiante? “Eu espero chegar um dia em que a gente possa vender a loja com conceito de safra – chegou uma tal, e indico para tais clientes que conhecem”, diz Arnaldo.

A verdade é que as ideias não param. “Dá pra conseguir ter uma qualidade de vida legal em cima de um negócio que você mesmo construiu. É a recompensa pelo risco”, avalia Arnaldo. “E os planos e as ideias aparecem todos os dias. Sempre tem uma sacada nova, não dá pra agora, fica para outro momento”.

Iris resume: “Eu me sinto feliz porque você tem bastante poder de realizar. Pode colocar todas as ideias que acredita em prática. Não depende de um chefe, uma equipe, precisa passar pela diretoria, e quando é aprovada, você não quer mais fazer porque aquilo lá já passou. A frustração de estar em uma empresa é que você tem muita ideia que fica no meio do caminho, ou porque não acreditam porque não é mídia, ou uma empresa é tão burocrática que não vai acontecer nunca. Tenho uma cabeça pensante para fazer nada?” Muito melhor fazer com alecrim.

draft card ALECRIM

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