Um ano e um sobrado no bairro de Pinheiros, em São Paulo, separam os dois espaços de coworking do empreendedor Wolfgang Menke, 33. Recém inaugurado, o House of Food tem metade do tamanho do House of Work, empreendimento-mãe, aberto em outubro de 2013, mas ganha pelo estômago: com uma cozinha profissional totalmente equipada, quer atrair de chefes a aspirantes dispostos a pilotar um fogão industrial e criar ali suas receitas.
Mas não é só isso. Wolf, que é designer, reformou o imóvel, que antes funcionava como armazém gourmet, e encomendou à Dlux os balcões e bancos, que ficam na parte da frente da casa e servem de bar para a venda de cervejas e da produção gastronômica local – se assim o cozinheiro desejar. O staff é por conta da casa. O lucro é de quem cozinhou. O objetivo é incentivar a economia colaborativa.
“Vamos vender cerveja a quatro reais. Mais pessoas vão fazer happy hour felizes e mais pessoas vão comprar a produção dos cozinheiros. Quando você tem um propósito ajustado é impossível não ganhar também”, diz o empreendedor.
Oferecendo dois tipos de aluguel, diário (450 reais) e semanal (2 500 reais), Wolf abre a mão para explicar os cinco perfis de pessoas que, acredita, utilizarão a House of Food: num extremo (o dedão), estão chefes que queiram criar pratos que pouco têm a ver com seus estabelecimentos e público tradicionais; no outro (o dedinho), gente que já curte cozinhar em casa e quer ganhar escala. Nos dedos do meio estão cozinheiros de buffets e food trucks, professores de culinária e, por último, iniciantes, como os alunos da Gastromotiva, projeto de gastronomia social que Wolf apoia. “Eu vou ter calhau e eles poderão usar esses dias sem pagar e ainda ficar com o lucro da venda do que produzirem”, diz.
No dia seguinte à entrevista para o Draft, a cozinha industrial seria alugada por uma vizinha do empresário. “Ela nunca cozinhou profissionalmente. Vai fazer um risoto e vender para nossos coworkers, que são 34”, conta Wolf. “Aqui, as pessoas podem experimentar, testar receitas e ver o que tem ou não aceitação no mercado, se esse for o objetivo.”
No fim de outubro, para a pré-inaguração da casa, foram convidadas cerca de 60 pessoas por meio da então recém-criada página no Facebook – compareceram 120. A cozinha ficou a cargo de Raphael Despirite, chef do Marcel e idealizador do Fechado para Jantar, projeto de arte e gastronomia que acontece em variados lugares da cidade – e, a partir de agora, também na House of Food.
A nova casa nasceu mais de uma oportunidade do que de uma escolha de Wolf pela área gastronômica, da qual admite entender pouco. Quando soube que o imóvel vizinho ficaria vago, pensou em expandir a House of Work, que tem fila de espera para locação de baias. O desejo não ficou no vácuo: na parte de cima do sobrado, que tem também uma segunda cozinha (menor e ainda em fase de projeto), montou uma sala de coworking tradicional, com capacidade para 12 pessoas.
FAÇA A IDEIA IR ATÉ VOCÊ
A ideia de um coworking de cozinheiros só surgiu quando Wolf descobriu que o negócio incluía o ponto. “Eu teria que comprar uma cozinha inteira, a portas fechadas. Quando soube, recuei, mas deu uns 20 minutos e pensei: eu posso fazer isso!”, lembra. “Eu tinha acabado de organizar um evento onde tive contato com valores de cozinhas e food trucks, que geralmente precisam preparar as comidas, e topei.”
O evento a que o empresário se refere faz parte de uma de suas metas desde a concepção da primeira House: de tempos em tempos, reunir a comunidade local para festas, banquetes e encontros organizados por ele – o acredita ser seu propósito. “Isso está no meu business plan: criar ambientes em que pessoas trabalhem mais felizes e que esses ambientes sejam, também, influenciadores de cultura. Nos eventos, as pessoas se conectam esse propósito”, diz.
O primeiro foi feito em junho, após o jogo Brasil x Chile na Copa do Mundo. Wolf falou com a prefeitura, fechou a rua Virgílio de Carvalho Pinto, contratou músicos de festa junina, um touro mecânico e combinou com comerciantes locais para que montassem barraquinhas de comida. Já tinha 400 confirmações quando, uma semana antes, o evento foi anunciado no Catraca Livre – e apareceram cerca de 2 300 pessoas. “No dia seguinte as pessoas passavam pra agradecer e já perguntavam quando seria a próxima”, conta. Em setembro foi a vez de tomar novamente a rua para fazer sua versão do Dîner en Blanc, jantar ao ar livre que acontece em várias cidades do mundo.
O plano de espalhar pequenos pólos de cultura pela cidade por meio de casas de coworking ficou mais concreto quando Wolf começou a receber pedidos de franquia. Ele já tem três interessados, que há quatro meses estão buscando imóveis e fazendo pesquisas mercadológicas.
“Mais do que espalhar a casa e ganhar dinheiro, vou ganhar pertinência, ampliar o mercado, conhecer mais pessoas e gerar mais impacto. Meu negócio não é alugar real estate e sim vender lifestyle”
Áreas mais centrais da capital paulista, como o bairro da Liberdade, estão na mira do empreendedor. E também periféricas: a criação de um House of Work em uma favela paulistana está em franca produção, mas fora do esquema de franquias. O projeto, surgido da ideia de Wolf com uma amiga, foi selecionado pelo Yunus Negócios Sociais, incubadora e aceleradora de negócios com sustentabilidade financeira e potencial de impacto social fundada pelo Nobel da Paz Muhammad Yunus.
SAIR DO ABSTRATO PARA A AÇÃO
Há pouco mais de um ano, quando saiu do mercado publicitário, Wolf sabia que queria empreender em algo que acreditasse (“com propósito”, como diz) mas não tinha ainda um foco definido. Andando por Pinheiros, onde mora, viu que a casa onde hoje funciona a House of Work estava aberta. Entrou, olhou, gostou e, no dia seguinte estava com o contrato assinado. “Eu precisava daquilo pra criar um objetivo senão essa coisa de abrir um negócio fica muito abstrata. A partir daí eu tinha um deadline, tinha que fazer funcionar”, conta.
Pensou em juntar alguns amigos e montar um ateliê de arte: ele faria eventos e cada um venderia suas obras. “Mas vi que não daria certo, amigo não paga e eu não saberia cobrar. Eu iria querer pagar para eles”, ri. A ideia de um coworking veio na sequência. Já conhecia, de nome, o The Hub e o Pto de Contato, calculou quanto valeria cada baia e viu que daria para pelo menos pagar as contas.
“Fiz um planejamento mínimo e a única certeza é que teria uma sala de reunião grande, porque sabia, por ter trabalhado com evento, que falta isso em São Paulo. Todo mundo pra quem falei foi contra, disse que seria melhor aproveitar o espaço para fazer novas baias. Mantive a ideia e hoje é o que me dá mais lucro”, diz ele.
A diária da sala de reuniões grande custa 1 150 reais. Pesquisando o mercado, Wolf descobriu que uma sala simples custava pouco acima disso. Calculou 20% a menos, posicionamento que usa em todo o negócio. “A sala mais barata do porte da minha custa 4 000 reais. É fácil ganhar dinheiro assim se você for agressivo, só não sei se é sustentável. Acho abusivo.”
Ele também fatura, claro, com o aluguel das baias. Elas são chamadas assim, mas não há divisórias que separem ou impeçam que as pessoas se vejam. O que divide os postos de trabalho é um vão fino, entre o tampo de cada mesa que, aberto, tem um tipo de baú-locker com espaço para guardar, com segurança,um iMac de 27 polegadas. O móvel foi desenhado por Wolf e tem também luzes individuais, controladas por aplicativo.
A diária da baia sai por 60 reais. O preço baixa se o contrato for mensal mas das 22 existentes ele deixa sempre quatro livres, para quem chega sem marcar a hora. Todos os locatários das baias têm direito a cerveja gratuita – a Heineken patrocina o local. Existe também uma opção mais barata de coworking: pagando 5 reais a hora, usa-se a área do café (bebida quente inclusa no preço) e também o sofá.
O investimento da casa, que Wolf toca sem sócios, foi de 160 mil reais e já se pagou. O faturamento aproximado, entre outubro passado, quando inaugurou, e outubro deste ano, foi de 560 mil reais. Há três meses, ele investiu mais 3.000 reais para dar conta da demanda crescente e montou uma sala de reunião e mais quatro baias no segundo andar de um imóvel vizinho, onde funciona um escritório de arquitetura. “Tenho uma fila gigante de pessoas querendo vir pro coworking e já aconteceu de ter de pedir pra pessoas saírem, por não serem conectadas com a economia colaborativa”, diz.
E SE A ONDA DO COWORKING PASSAR?
Ele próprio diz acreditar que existe um tendência de que coworkings como o seu acabem porque, segundo ele, o que está sendo criada é uma forma nova de reunir pessoas dispostas a fazer algo. “Elas vão começar a se ligar que podem alugar casas e se juntar por si só. Eu estou dando estrutura e por isso é importante cobrar o mais barato possível. Mas não crio nada para ser eterno, a não ser o propósito. E isso já é uma vitória para mim.”
O tino empreendedor de Wolf, por ora, segue concentrado em mais projetos de coworking. O próximo deverá ser um espaço de trabalho compartilhado para artistas plásticos. Ele já vetou o nome House of Arts, pela cacofonia, mas não é difícil apostar que vem coisa bacana por aí.
Quando a Covid fechou a House of Work e suas demais casas, parecia o fim da linha para Wolf Menke na economia criativa. Ele agora dobra a aposta com a House of Coisas, que une bar, espaço de reuniões e terraço para shows.
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