“A inteligência artificial vai se tornar o novo normal”

Luisa Migueres - 26 jan 2017
Palestrante na Campus Party 2017, Carlos R. B. Azevedo é uma autoridade brasileira em IA. Ele fala sobre como veremos o impacto dessa tecnologia na sociedade em pouco tempo. (Imagem: Arquivo pessoal)
Luisa Migueres - 26 jan 2017
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Entre campeonatos de Street Fighter e League Of Legends, hackathons e painéis de Design e Empreendedorismo, o público da Campus Party 2017 poderá conhecer melhor o mundo da inteligência artificial graças a Carlos R. B. Azevedo. Na feira de tecnologia, que acontece de 31 de janeiro a 5 de fevereiro no Pavilhão de Exposições do Anhembi, em São Paulo, o pesquisador vai falar sobre o conceito da AI (ou IA, em português) e discutir o impacto da sua presença, cada vez maior, na sociedade. O Draft é parceiro de mídia da Campus Party 2017.

Carlos, pernambucano de 33 anos, trabalha há um ano e meio na Ericsson Research, braço de pesquisa científica da multinacional de comunicação, e sua missão é pesquisar maneiras de tornar máquinas mais inteligentes. Seu passaporte de entrada no cargo foi um doutorado na Unicamp, onde sua tese (disponível aqui), apresentada em 2014, abordou a Ciência da Antecipação – que busca soluções de engenharia levando em consideração projeções de cenários possíveis – aplicada à inteligência artificial.

“Não sou muito fã do termo ‘inteligência artificial’ porque está muito associado a coisas apocalípticas”, ele diz. De fato, quantos filmes e séries nos fizeram vislumbrar um futuro onde robôs e assistentes pessoais se tornaram mais poderosos que seus próprios criadores? Nem precisamos ir tão longe. O medo de máquinas substituírem humanos em determinados trabalhos é real hoje em dia, assim como o de que carros autônomos ou sistemas domésticos de Internet das Coisas serem hackeados. Mas Carlos diz que essas e outras questões já são amplamente discutidas por quem está envolvido com a AI: “Temos de ser cuidadosos o suficiente para garantir que nada disso se materialize”.

Antes de concluir sua tese de doutorado, o pesquisador esteve em duas ocasiões nos Estados Unidos, em 2010 no Vale do Silício (na Singularity University) e em 2013 em Minnesota. Ao todo, foram seis meses em um ambiente “mais aberto e inovador para pesquisa” do que o Brasil, mas aqui não faltam talentos, ele conta. A indústria nacional, aliás, está de olho em acadêmicos como ele, que em pouco tempo podem trazer para o mundo real uma inteligência artificial cada vez mais sofisticada. “A área de AI e o aprendizado de máquinas na academia está madura o suficiente para ser transformada, em poucos anos, em resultados concretos. A coisa está explodindo”, diz. Leia abaixo os principais tópicos da entrevista para o Draft:

Como a AI surgiu e quem foram seus precursores?
A AI como disciplina surgiu na década de 1940, com Alan Turing, um cientista da computação e matemático britânico, que vislumbrou a possibilidade de simular em um computador a forma como os seres humanos raciocinam. Mas o termo foi cunhado em 1955, numa conferência de profissionais da área, entre eles o matemático John McCarthy, a quem atribuíram a criação do nome.

Para quem ainda não entendeu o que é AI, como é possível explicar esse conceito e sua presença na vida cotidiana das pessoas?
A inteligência artificial nasceu da Ciência da Computação e é uma área extremamente multidisciplinar, que envolve Psicologia, Neurociência, Teoria de Decisão e Economia. Mas eu não sou muito fã do termo, porque está muito associado a coisas apocalípticas – a cultura hollywoodiana despertou esse imaginário popular. Mas a distinção entre natural e artificial é uma linha muito tênue, então eu falo de inteligência humana ou de máquina. A AI é uma definição em aberto, cada um vai ter uma perspectiva, e não necessariamente alguma delas é errada, mas aplicáveis a determinados propósitos.

Automatizar aspectos da inteligência animal e humana é um dos maiores marcos que podemos criar

Aliás, muita gente acredita que esta é a última invenção humana: conseguir criar um sistema que seja autônomo, se comporte de maneira flexível e se adapte a diferentes tarefas e contextos.

Até onde a AI pode chegar? Que parte disso é real e qual é apenas potencial?
Podemos usá-la para criar acompanhantes de idosos, por exemplo – a solidão na velhice é um problema sério na Europa e em culturas como a nossa, que gosta de contato social. Poderemos ver robôs com habilidades conversacionais e alto nível de empatia, capazes de ler as emoções das pessoas. Isso vai mudar completamente a sociedade no futuro. Mas como toda área de pesquisa em que os conceitos não estão muito bem definidos, há muitas linhas de pensamento conflitantes.

Alguns pesquisadores pensam que é possível fazer engenharia reversa do cérebro humano – mapear o cérebro, conexão por conexão. Supostamente, esse cérebro simulado seria capaz de replicar comportamento humano. Mas não acho que vá acontecer, porque a mente humana está muito mais distribuída pelo corpo do que se imagina. Em vez disso, acredito que é possível termos inteligências especializadas aplicadas a diferentes tarefas – um sistema de reconhecimento de voz e imagem pode, ao mesmo tempo, te ajudar com decisões de compra e investimento, por exemplo.

Em que estágio nos encontramos, hoje, no desenvolvimento da inteligência artificial?
Fizemos progressos muito grandes ao longo das últimas décadas, mas sob o ponto de vista da teoria, avançamos pouco. Não temos uma teoria de como medir consciência, por exemplo. A primeira teoria cientificamente testável sobre a inteligência computacional surgiu em 2013, então é muito recente. Já em termos de engenharia, tivemos mais progresso. Se você olhar em volta, pode ver que a AI já é uma tecnologia vitoriosa. Você tem no seu smartphone programas que reconhecem a sua voz, e um sistema já superou a capacidade humana de reconhecer objetos. Considerando que esta é uma tecnologia com apenas 70 anos de vida, isso é enorme.

Quais são as diferenças entre discutir e criar AI no Brasil e no Vale do Silício?
Grande parte das pesquisas em AI foi financiada pelo departamento de defesa americano, então eles estão em outro nível, se comparados com o Brasil. Lá o ambiente é aberto e inovador, que fomenta competições e dá oportunidade para pessoas do mundo todo financiarem suas ideias. Eles têm uma postura de assumir risco e avaliar propostas que estão no papel, mas que ninguém sabe como vão transformar em realidade. Por sua vez, o Brasil tem muitos talentos, principalmente na área de Matemática pura e aplicada.

O que precisamos é de um ambiente que propicie um financiamento mais aberto e inteligente, para realmente apostar nos talentos brasileiros

Do contrário, a maioria deles vai para fora, contribuir em projetos europeus ou norte-americanos. Isso é muito grave.

O foco da sua tese é a Ciência da Antecipação. Você pode explicar esse conceito?
A Ciência da Antecipação também é um princípio multidisciplinar. O que fiz no doutorado foi pensar em formas de construir soluções de engenharia que sejam influenciadas por projeções de cenários futuros. Para construir uma barragem, por exemplo, você tem que considerar cenários climáticos para que um desastre não aconteça. Isso inclui ampliar a capacidade de um sistema de AI se autopreservar, e assim preservar os humanos que dependem dela. Aplicada à indústria, a inteligência artificial consegue maximizar lucro, reduzir custos, minimizar riscos e aumentar segurança.

De que modo você enxerga os argumentos de quem teme o avanço da AI?
Eu não critico. Temos de ser cuidadosos o suficiente para garantir que esses efeitos negativos não se materializem. Mas o medo é muito mais influenciável por certas vozes que estão na mídia. O Stephen Hawking, por exemplo, já falou por diversas vezes que a AI será a melhor ou a pior coisa que a humanidade já inventou. Mas temos que entender que, por mais brilhante que ele seja, ele não é pesquisador de AI. Hoje em dia, há muitos artigos científicos falando sobre aspectos éticos e de segurança, e no fim de 2016 foi criada uma organização nos Estados Unidos para discutir o impacto econômico e social da inteligência artificial. Toda tecnologia tem seus prós e contras, cabe aos governos e à sociedade discutir todas essas questões.

Outro receio gira em torno da imprevisibilidade da AI, de máquinas fazerem algo que não foram programadas. Isso pode ser minimizado?
Há um nível de imprevisibilidade que a gente não pode reduzir. É preciso estressar o sistema em baterias de testes para ver como ele vai reagir em diversos cenários. É muito importante ter essa cultura ética dentro das empresas, e padronizar certas regras num acordo internacional entre as indústrias. Essa iniciativa será adotada eventualmente, como sempre acontece quando a gente cria algo disruptivo, que será aplicável em vários contextos no mundo inteiro em larga escala.

O foco do seu trabalho na Ericsson Research é criar máquinas mais inteligentes. De que maneira vocês fazem isso?
Buscamos projetar e construir sistemas de Internet das Coisas industrial. Significa controlar máquinas remotamente. A Ericsson tem feito parceria com outras indústrias no mundo para tornar escavadeiras mais autônomas dentro de uma mina, por exemplo. Mineração é uma operação extremamente perigosa, pelo risco de desabamento e exposição a gases tóxicos, então nenhum humano deveria ser exposto a ela.

Como é trabalhar em um centro de pesquisa gerido por uma grande empresa? Como lida com a pressão?
Há diversos perfis híbridos de pesquisador dentro de uma multinacional. A Ericsson tem cerca de 600 pesquisadores no mundo, e cada grupo tem sua característica. Alguns trabalham mais próximos da necessidade do negócio, outros trabalham com outra escala de tempo e horizonte (de 5 a 10 anos para frente). Então, dependendo de quem vai ser o receptor dos resultados da sua pesquisa, há diferentes tipos de pressão. Eu tenho liberdade e consigo incorporar muitos elementos da minha pesquisa de doutorado para dentro do ambiente corporativo, justamente pelo reconhecimento da indústria de que a área de AI e aprendizado de máquinas na academia está madura o suficiente para ser transformada em resultados concretos em poucos anos. A coisa está explodindo mesmo.

E quanto à gestão de inovação, que barreiras de implementação ainda precisam ser superadas?
Qualquer organização reúne pessoas que esperam resultados rápidos e outras que têm paciência para ver o que uma pesquisa em AI pode gerar para o negócio.

Um pesquisador atuando na indústria tem que ser um empreendedor, vender a sua ideia de pesquisa para diferentes unidades

Ele ou ela tem que ser resiliente, flexível e preparado para lidar com diferentes expectativas. As pessoas que conseguirem fazer isso bem feito serão bem sucedidas.

Qual é a importância de discutir AI na Campus Party? Você pode dar uma prévia do que vai abordar no seu painel?
Amo falar de AI e dos seus impactos na sociedade, pesquiso o tema desde 2005. O grande atrativo do painel é fazer esse exercício de reflexão de como ela já impacta e muda o nosso comportamento. Vou destacar algumas tendências de consumo apontadas pelo laboratório de consumo da Ericsson, que todo ano libera um estudo sobre usuários avançados de internet nos principais centros urbanos do mundo. Dele, posso adiantar que cerca de 35% dos entrevistados no mundo todo demonstram interesse por ter um mentor de AI no trabalho, e que uma em cada quatro pessoas gostariam de uma AI como CEO da companhia onde trabalham. Além disso, cerca de 30% gostariam de fazer um upload do seu cérebro na nuvem, e muitos também estão dispostos a tomar medicações contra os efeitos negativos da realidade virtual, em vez de simplesmente não usá-la. Levando tudo isso me conta, acho que a AI vai se tornar o novo normal no nosso dia a dia.

Como você se relaciona com a tecnologia do dia a dia, de uso pessoal?
Sou bem exigente, então qualquer gadget que não promova uma mudança de hábito ou que não me faça mais produtivo, não é pra mim (risos). Não sou um early adopter (quem gosta de ter os gadgets mais novos em mãos), prefiro ter mais calma e consumir tecnologias mais validadas.

Qual é o legado que você quer deixar com o seu trabalho?
Acredito que todo pesquisador é um apaixonado, principalmente porque aqui no Brasil não é uma carreira que traz muito dinheiro. Sou apaixonado por AI e movido pela curiosidade. Quero que meu legado traga o entendimento de que a disciplinas precisam andar mais juntas, de que não devemos abordar problemas confinando-os só na ciência da computação. Quero desvendar o mistério da inteligência, isso é o que me motiva.

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