Quarta-feira, 8 de junho. Chove a cântaros, os termômetros marcam 14 graus, um frio glacial para os cariocas. Em São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro, bairro que tradicionalmente abriga fábricas de grandes grifes locais, o tempo ferve, urge, pelo menos dentro de um galpão de 2 500 metros quadrados da rua General Bruce. Ali, dúzias de operários trabalham em ritmo frenético para deixar nos trinques o espaço que abrigará a plataforma Malha. Menos de dois meses depois, tudo pronto: será inaugurado oficialmente esta semana o novo endereço fashion do Rio. Malha, aliás, é o nome escolhido para traduzir essa teia, um lugar onde os fios que tecem a indústria da moda serão (re)costurados para criar um novo paradigma de produção e consumo.
“O ecossistema da moda está construído sobre conceitos como commodities, competição, tendência, sazonalidade, moda descartável e etc. Grande parte do ecossistema ignora noções de sustentabilidade social e ambiental e a importância da colaboração”, diz Herman Bessler, CEO do Templo e sócio-fundador da Malha, ao lado de André Carvalhal, professor de moda que foi gerente de marketing e conteúdo da Farm por quase dez anos (e deixou o emprego para empreender com Herman).
Herman fala mais sobre a tônica do novo empreendimento: “Acreditamos em comércio justo, sustentabilidade ambiental e social, produção local independente, revolução tecnológica, com investimento em tecidos biológicos, uso de matéria-prima certificada. Queremos construir uma possibilidade para a moda do futuro”.
A empreitada é ambiciosa. A Malha é um clube de fazedores de moda, abrigando sob o mesmo teto toda a cadeia produtiva: criadores, empreendedores, produtores, fornecedores e consumidores. Para juntar esse ecossistema sob o mesmo teto, provém os meios de produção, estimulando a troca e a criação de conhecimento. Ao mesmo tempo, é um espaço de coworking e de cosewing (fábrica compartilhada), uma comunidade, uma escola e um laboratório de experimentação. A ideia é propiciar a convivência para que marcas grandes revejam a sua forma de estar no mercado e que marcas pequenas se beneficiem da estrutura de rede, com acesso a tecnologias como impressoras 3D, costureiras, modelistas, estúdio fotográfico.
JUNTAR PARA FORTALECER UM MERCADO QUE SE QUESTIONA
A previsão é que 500 pessoas circulem diariamente pelo imenso galpão, que está sendo repartido por 42 contêineres marítimos reaproveitados para virar escritórios – ou desks, na linguagem desse mundo compartilhado. O projeto arquitetônico, assinado por Tavares Duayer, enche os olhos. Mistura a dureza concreta das fábricas com paisagismo arrojado. Antes mesmo de abrir ao público, o galpão serviu de cenário para um editorial de moda da MIG, uma marca de upcycling de jeans (que reutiliza tecido descartado), com produção local e independente e política de descarte zero.
No primeiro andar, showroom, área de convivência, desks fixos, estúdio fotográfico e um restaurante café. No segundo andar, fashion lab, salas de reunião, escola e mais desks. O espaço pode abrigar 250 pessoas residentes, além de lojas pop-up e showroom.
Segundo os sócios, a Malha já nasce com título: a maior plataforma de moda da América Latina. Nos Estados Unidos, existe a Manufacture New York, no bairro do Brooklyn, que segue a mesma cartilha.
“O novo consumidor não é mais passivo, é ativo, compra pela identificação, pela expressão do si. Moda para nós não é só vestuário. É decoração, é arquitetura, é música, é viagem, tudo que compõe a maneira de nos expressarmos no mundo”, comenta Bessler, e prossegue:
“As novas lógicas estão cada vez mais claras para o consumidor. Vivemos uma revolução de consciência e a moda não pode estar fora do seu tempo”
As marcas pagam mensalmente para usar o galpão de São Cristóvão. Há três formas de fazer parte: o residente flex, o residente fixo e aqueles que participam apenas do chamado Clube Malha. O flex paga 650 reais por mês e tem direito a um desk flutuante (ou seja, que pode ser ocupado conforme a ordem de chegada a cada dia), com todas as contas inclusas e acesso aos serviços, como o estúdio fotográfico e o cosewing. O custo de um residente fixo é de 3 500 reais por mês e dá direito a seis desks fixos (podem ser customizados, pois o uso é exclusivo), espaço para armazenamento e arara. Para quem não tem uma marca mas também respira este mundo, há o Clube Malha, que custa a partir de 90 reais por pessoa, por mês, e dá acesso aos eventos que terão lugar no espaço.
O Bureau de Estilo Renata Abranchs é cofundador e embaixador da Malha. O Re-Roupa é um projeto de transformação de peças também parceiro da Malha. Entre os residentes da Malha estão a Bossa Social (que doa uma peça de roupa a cada vendida), a Lavra Store, a Pano, a Joialerismo, a startup AColetiva (que abriga quatro marcas), entre outros. Há espaço para 60 deles.
Um dos diferenciais do projeto Malha é a infraestrutura. O maquinário de costura, por exemplo, é o de uma fábrica completa, com mais de 200 metros quadrados ocupados pelo cosewing. O investimento total no galpão gira em torno de 2 milhões de reais, sendo que a maior parte do dinheiro veio de patrocinadores. A lista de parceiros inclui a Farm, as Sandálias Ipanema, o IED Rio e a Babilônia Feira Hype. A Farm não terá o seu escritório no galpão de São Cristóvão, mas já prevê a realização de vários eventos em parceria. A Foxton (também do grupo Farm) terá uma loja pop-up no espaço.
A projeção de receitas vem de um modelo onde a infraestrutura física é um cash cow (negócios com alto investimento inicial e expectativa de retorno financeiro recorrente) bancando custos e prevendo uma margem de 25%. Além disso, os sócios contam com a receita vinda de consultorias, eventos, ativações de marca e do Clube Malha. Nesta projeção, estimam que o retorno do investimento aconteça em 24 meses.
COMO NASCEU A IDEIA
Sócio na Malha de André Carvalhal, professor de moda e ex-gerente de marketing e conteúdo da Farm, Herman é o fundador do Templo, o maior coworking do Rio, com espaços na Gávea e em Botafogo. Foi nos jardins do casarão centenário que abriga a sede da Gávea que a ideia floresceu. Frequentemente, acontece ali um almoço, cujo cardápio é a troca de experiências. Em abril de 2015, a moda virou prato principal. A pergunta era: como pensar moda, a segunda indústria que mais emprega e a segunda que mais poluí no planeta, no contexto contemporâneo, onde consumo e sustentabilidade têm que andar juntos?
E mais: como pensar a moda, a segunda indústria que mais emprega e a segunda que mais polui, dentro dos paradigmas de sustentabilidade do mundo contemporâneo? Foram almoços e mais almoços, em que a galera, de donos de grifes a estilistas, de fotógrafos a profissionais de marketing, debateram. Entre os convivas, estava André, que topou ser parceiro de Herman nessa nova empreitada.
Em 15 meses, ideias de utópicas tardes de sábado levantaram-se da mesa, transformaram-se no projeto Malha, e partiram para o trabalho. Nem a chuva fina que cai sobre o Rio numa quarta-feira cinzenta, desmorona ânimos: “Envolvendo toda a galera, extraímos essência e não tendência. A Malha é um clube para repensar o futuro da moda. E botar em execução, trazendo a vanguarda de maneira estratégica e não só sonhadora”, diz Herman. André lacra: “Vivemos um mundo com novos formatos e possibilidades, no qual a maneira de criar, produzir, comunicar e comercializar perdeu o sentido. A proposta da Malha é reinventar o ciclo”.
Dona do Gato Café, onde até os quitutes homenageiam os bichanos, a arquiteta Giovanna Molinaro já destinou centenas de felinos para adoção — e agora se prepara para expandir seu negócio por meio de um modelo de franquias.
Allan e Símon Szacher empreendem juntos desde a adolescência. Criadores da Zupi, revista de arte e design, e do festival Pixel Show, os irmãos agora atendem as marcas com curadoria, branding, vídeos e podcasts através do estúdio Zupi Live.
“Mais livros, menos farmácias”: como um grupo de uma centena de amigos – na maioria, profissionais da saúde – se uniu em torno desse mantra e do amor pela literatura para pôr de pé a Casa 11, onde o lucro importa menos que o propósito.