“A mídia era uma coisa de poder. É ótimo que esteja mudando e se democratizando”

Maurício Barros - 17 dez 2015
Paulo Lima na empresa que fundou há quase 30 anos (foto: Kiko Ferrite).
Maurício Barros - 17 dez 2015
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Paulo Lima tem 53 anos, mas parece bem menos. Calça jeans, tênis, camiseta e boné ajudam na jovialidade, mas não é disso que se trata. Tampouco da bagunça de quarto adolescente que domina sua ampla sala de presidente da Trip Editora, em um predinho no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo – lotada de quinquilharias como leme de avião, bicicleta de pneus grossos, máquina de fliperama Pinball Fire Action, fotos, troféus, miniaturas de bonecos e um monte de coisa que talvez nem ele mesmo saiba que esteja lá.

São outros, entretanto, os elementos que conferem a Paulo Lima um vigor persistente de juventude. A voz, por exemplo. Desde os anos 80, quando começou o programa de rádio Trip 89, na 89 FM (hoje transmitido pela Eldorado FM em São Paulo e por algumas emissoras de outros estados), a voz e seu dono são um ícone da moçada cool paulistana. Seu timbre tem ginga, som de quilha rasgando onda, rolamento de skate no asfalto. Nem precisaria das gírias que encaixa com frequência entre as frases. Ela, a voz, já embalou milhares de descidas ao litoral nas sextas à noite. Na “Rádio Rock”, falava de cultura e comportamento, entrevistava gente legal e ainda dava o boletim das ondas. E chamava música esperta até o chiado vencer a antena do carro. Sem a voz, só restava esperar o som do mar.

Em 1985, dois anos depois de estrear no rádio o Trip 89, Paulo Lima fundou com o amigo Carlos Sarli (Fernando Luna se juntaria à sociedade depois) uma editora de revistas, a Trip. A empresa nasceu também subvertendo o dogma da separação Igreja-Estado no jornalismo, que prega que quem escreve não se mete com quem vende, e vice-versa. Ele fazia de tudo — e fica assim mais fácil entender por que a Trip tornou-se referência em branded content nesses anos todos.

Paulo Lima gosta de ideias com frescor, venham elas de adolescentes ou sexagenários. É assim que toca sua editora, buscando driblar o momento mais crítico da história das empresas de mídia impressa do planeta. Sua vantagem em relação aos impérios agonizantes é que percebeu, há muito tempo, que sua empresa era bem mais do que uma editora de revistas. Enquanto barões e baronetes tentavam tirar as últimas gotas de leite de um modelo de negócio obsoleto, Paulo Lima buscava novidades, experimentava, errava, testava, acertava.

Atualmente a empresa, em suas duas divisões, somadas, tem um total de 185 funcionários. A Divisão Trip administra as marcas próprias: as revistas Trip (desde 1986) e TPM (lançada em 2001), o programa de rádio Trip FM (criado em 1984, hoje na Rádio Eldorado) e o programa televisivo Trip TV (na Band). Há ainda uma área de licenciamentos (em 2002, a Volkswagem lançou uma versão do Golf com o nome da editora) e uma eventos (o Trip Transformadores, que premia desde 2007 “brasileiros que trabalham para recriar a noção de desenvolvimento humano, transformando a realidade”, com o apoio de marcas como O Boticário, Itaú, Ambev e Gol; e a Casa Tpm, lançada em 2012, que reúne shows, debates e encontros para discutir temas ligados à mulher).

Na divisão Consultoria, a empresa presta serviços em estratégias de conteúdo, imagem e marca. Entre os trabalhos de destaque estão as revistas Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Private Brokers (para a Coelho da Fonseca), Audi Magazine, Natura, Natura Consultoria, Personnalité (Itaú), Cidade (Shopping Cidade Jardim), Nestlé com Você e Atualidades (Nestlé), Faap e +Balcão (Ambev). Segundo a empresa, somadas as publicações impressas das duas divisões, são produzidos 89 milhões de exemplares por ano.

Paulo falou com exclusividade ao Draft sobre essas e tantas outras questões envolvendo negócios, comunicação, comportamento, gente. Trinta e dois anos depois, a voz segue em ótima forma.

As editoras de revistas no mundo inteiro estão enfrentando dificuldades, com quedas sem precedentes em circulação e publicidade. Como está a Trip Editora?
Apesar de o nome ser Trip Editora, não somos uma editora convencional, uma fábrica de revista e de livros. Aqui nunca foi isso. A Trip vai fazer 30 anos no primeiro semestre do ano que vem. O programa de rádio tem 32 anos. Nesse período, não faltaram oportunidades, inclusive de editar alguns títulos importantes que estão por aí. O que a gente queria era outra história. A gênese da Trip, nossa ideia, por mais naif que pudesse parecer na época, era pesquisar outros modelos de vida que não fossem aquele tipo que estava no script nos anos 80.

Que script era esse?
Comecei a trabalhar com comunicação em 1981. Era incrível como era diferente o planeta relativamente pouco tempo atrás. Você tinha que ser um competidor, ser bom para bater os outros, vencer os outros no vestibular, na faculdade, para finalmente conquistar o seu quinhão, seu terreno, seu carro, seu telefone. Isso nunca teve muita graça para a minha turma de amigos, que tinha uma percepção de que podia ser de outro jeito.

A Trip existe para procurar alternativas mais razoáveis, mais inteligentes e menos estúpidas de vida do que essa de você virar um instrumento para perseguir algo que, no fim, não é nada

A gente foi fazer revista porque esse era e continua sendo, ao meu ver, um jeito interessante de compartilhar coisas e de encontrar pessoas que pensam parecido.

E a crise de circulação e publicidade?
Nosso negócio era encontrar pessoas que também estavam a fim de compartilhar esses valores. Acho que essa é a razão pela qual a gente tem sofrido menos que as outras editoras. A nossa atividade hoje é muito mais ampla do que as pessoas imaginam. Em 2014, produzimos 320 trabalhos em vídeo, desde para o Pão de Açúcar e Nestlé até comercial de 30 segundos que entrou em rede nacional em canais importantes. Toneladas de conteúdo para o mundo digital, muita coisa para a C&A, para o Itaú, Shopping Cidade Jardim. A gente aprendeu bem a entender comunidades, como elas se formam, por que se formam, em torno do que se juntam e o que as mantém unidas. A gente fez a da Trip, entendeu bem como eram os códigos que mantinham aquilo vivo e, depois, percebeu que podia fazer isso com outros clubes. Gosto dessa analogia com clubes: comunidades de pessoas que se unem para compartilhar a vida, não em função de idade e classe social, mas se unem em torno de um jeito de viver. Então, nosso negócio aqui tem a ver com editora, com agência de tendências, um business relativamente novo que surgiu no mundo, empresas de branding, e totalmente com empresas de branded content.

Vocês não sentiram a crise, então?
Não significa que a gente esteja blindado e achando o mundo maravilhoso, mas estamos tendo um ano bom. Fizemos uma reestruturação em 2013, que teve muito menos a ver com a economia, mas tudo a ver com o fato de que de 2001 a 2012 a gente cresceu muito, virou uma empresa média. E precisou se organizar. De uma forma muito inteligente, a gente fez um trabalho que outros tiveram que fazer depois, em situação de emergência, atabalhoado e de uma forma muitas vezes desumana. A gente fez uma reestruturação pequena, desligamos umas 25 pessoas num universo de 230. Mas foi prudente, respeitoso e acertado. Então, temos tido a sorte, ou competência, de ter uma empresa mais adequada ao cenário totalmente mutante que existe hoje.

O modelo em que as empresas de mídia se fizeram gigantes as deixaram mal acostumadas?
Isso faz todo sentido. Como quase tudo no Brasil, são capitanias hereditárias, famílias que têm concessões, rádio, televisão. Mídia era coisa de poder, é ainda, mas com uma concepção totalmente diferente. Isso construiu impérios e deu conforto para muitas gerações de barões e baronetes. Isso desmontou, derreteu e acho num certo aspecto ótimo. Lamento pelas pessoas que foram prejudicadas, mas tirando esses danos colaterais que não são poucos, acho ótimo essa democratização, qualquer moleque pode ter seu blog, falar o que quiser. A gente aqui está gostando, porque nunca teve as vantagens que esses caras tinham.

Nunca tive nada, concessão de nada. Acho ótimo que a coisa se democratize. Sou da turma dos pequenos

A gente nasceu da carência. Me perguntam às vezes sobre como fazemos tanta pauta criativa, tantos produtos. Poxa, pobre é criativo, você tem que ser, eu brinco, as pessoas riem. Mas a carência é um tremendo estimulante à criatividade.

O modelo de negócios de mídia ainda faz sentido num mundo em que as marcas constroem conteúdo e audiências próprias e, portanto, não precisam mais comprar espaços publicitários em veículos para acessar seus públicos?
É ótimo que as marcas estejam fazendo conteúdo. Desde 1997 a gente faz branded content estruturado aqui. Lançamos a revista da Jovem Pan, um grande sucesso, logo depois a da Daslu, da Mitsubishi, da Gol, então acho ótimo que as empresas tenham seu discurso, seus ambientes editoriais, elas precisam ter, não é mais uma escolha. Mas veja o que aconteceu com essa marca, o Suco do Bem, empresa com história que não seja crível e bem contada não adianta. A ideia de comunicação precisa ser pensada sob uma ótica contemporânea. As coisas mais incríveis de jornalismo que a gente fez aqui na Trip foram feitas em ambiente de conteúdo customizado. Fizemos uma matéria de capa, acho que foi na revista da Mitsubishi que fizemos por 7 anos, um trabalho com o Orlando Villas-Boas, ficamos uns três meses com o cara documentando, para fazer aquele baita perfil, e ele foi capa. Poxa, que revista bota o Orlando Villas Boas? Nem morto…

Paulo Lima e o microfone: a Trip começou como um programa de rádio, que permanece no depois de 32 anos: surf e lifestyle (foto: Kiko Ferrite).

Paulo Lima e o microfone: a Trip começou como um programa de rádio, que permanece no ar depois de 32 anos: surf e lifestyle (foto: Kiko Ferrite).

Faz sentido fazer produto em papel hoje em dia, da Trip ao catálogo da Natura?
Faz total sentido. O catálogo, pelo meu chute, representa mais de 95% das vendas da Natura. Ele está no celular também, mas pergunta para as mulheres se elas preferem olhar no catálogo ou no celular. Não sei se daqui a dez anos isso vai mudar, mas a experiência de compra no papel é mais gostosa. O papel tem uma portabilidade, um prazer sensorial inegável. Essas coisas não vão sumir e desaparecer. As coisas estão mudando. Talvez não haja mais espaço para revistas de notícias, semanais, milhões de caminhões levando isso toda semana. A própria banca… Se você pensar em uma casinha de alumínio onde você vai com 10 reais para buscar conteúdo, já faz tempo que essa ideia é um pouco obsoleta. Mas a revista deixar de existir, não. Passei há pouco uma temporada na Austrália e lá já é assunto dos órgãos de análise de mídia a volta de publicações impressas. Uma coisa mais charmosa, feitas de um outro jeito, com outras pegadas. Já há exemplos de coisas que nasceram agora só no impresso e são muito bem sucedidas.

A TV aberta continua absorvendo a grande maioria da verba publicitária. Isso também vai mudar?
Há questões técnicas, como a história do BV (bônus por volume). Hoje o mercado está construído em cima de uma lógica que está sendo desmontada, mas ainda vigente. A razão pela qual a Globo tem uma fatia maior do que seria correspondente à fatia dela de audiência é que ela construiu uma lógica que a favorece. Isso vai mudar, já está em cheque. Desmontar isso demora, e eles são muito competentes. Há ilhas de competência ali incríveis. Para mim o programa mais incrível da TV aberta do Brasil é o Profissão Repórter. Os caras são competentes, têm uma estrutura que foi montada para protegê-los. Mas não adianta, tudo isso vai ser revisto.

 A presença de Google e Facebook embaralhou essa lógica?
O Google já é o segundo veículo de faturamento em publicidade, só atrás da Globo. Empresas com foco no varejo são obrigadas a trabalhar com essas ferramentas, o retorno é imediato e mensurável, os caras construíram uma mágica. Tenho clientes que migraram inteiros. Você fica vendo vender. Claro que a marca precisa de trabalho institucional, mas os caras inventaram os algoritmos que não têm jeito de contestar.

O que você imagina para a Trip Editora daqui a 5 anos?
É uma resposta em construção. É uma empresa de comunicação que se espalhou para muitos campos que cinco anos atrás não eram entendidos como comunicação. Estamos desenvolvendo uma bicicleta Trip, em parceria com um fabricante brasileiro que percebeu que a gente poderia imputar no hardware dele um software que ele não tem. Estou apaixonado pelo projeto. Daqui a cinco anos vejo muito isso. A comunicação não vai se dar só do tipo “vou te contar essas oito histórias nesse punhadinho de papel grampeado”. Mas sim “vou te contar uma história em forma de cano de bicicleta, de um objeto que vai te transportar”. Nós estamos com umas conversas interessantes com um pessoal do setor de alimentos, para fazer uns alimentos funcionais Trip.

Tudo isso parte de uma visão de mundo, portanto?
É a que eu contei no começo. E possível ter uma vida mais saudável, mais inteligente, mais equilibrada e estando nesse mundo. E não precisa ir para o Himalaia e ficar flutuando. A gente acredita ser possível o mundo desenhar algo mais razoável, tem essa utopia. Aliás, a nossa edição do mês passado tinha como o tema utopia. A gente sempre acreditou na interdependência como norte inspirador. Não é preciso ser um gênio da botânica ou biomimética para perceber que as coisas todas estão ligadas.

Se a coisa estiver legal só para você e não para o resto do mundo, não vai ficar tão legal daqui a pouco

O prêmio Trip Transformadores dá visibilidade a pessoas que sacaram isso há um tempo e estão dizendo paro mundo que é mais legal se ficar bom para todos.

Tem espaço para sentimento na lógica selvagem dos negócios?
É difícil porque eu tenho dúvidas sobre a natureza humana. Na natureza humana é muito punk. Se vacilar, o ser humano é um bicho bélico, quer que o outro se foda, mas tem que ter essa utopia. A gente, a Trip, é uma empresa totalmente utópica.

Como convive a utopia com o ebitda?
Ao longo dos anos achava que o máximo que a gente ia conseguir com a Trip era conhecer gente legal, fazer boas perguntas e ter uma vida plena, intensa, com sentido. De uns anos para cá, isso começou a mudar e eu diria que o mercado começou a derreter na lógica antiga e vir para esse lado. Os livros que deram origem a essa corrente chamada “capitalismo consciente” mostram uma lógica nova, que vem crescendo principalmente nos Estados Unidos. Um dos grandes símbolos é o cara do Whole Foods. A lógica do mundo corporativo vigente é que a empresa é uma entidade que existe para dar o melhor resultado possível para seus acionistas, desde que cumpra as leis, não mate ninguém, pague os impostos. Qual a lógica dessa outra turma? Que a empresa é uma entidade que existe para procurar o melhor ponto de equilíbrio entre os interesses de todos os stakeholders, entendidos aqui como todas as pessoas que têm relação com aquilo ali, inclusive os acionistas. Qual a mágica? Esses caras começaram a ver que as empresas que estavam trabalhando com essa lógica estavam dando mais lucros para seus acionistas. Aí os americanos piraram. Isso é muito interessante, estamos falando de empresas maiores.

Há uma geração mais nova para quem esses valores parecem ser mais importantes. Como está lidando com essa turma?
Tomo cuidado para não parecer que aqui é um mundo cor-de-rosa. Mas a verdade é que o que a gente vê aqui ao longo de muitos anos tem mais a ver com o tipo de pessoa e formação do que com a idade.

Essa turma mais nova quer uma causa, algo que faça sentido, que o indivíduo se sinta construindo alguma coisa que preste

Quer um ambiente minimamente humanizado e decente, com uma cara razoável, com um ar leve. Quer se orgulhar do que ele faz. Modéstia à parte, fazendo todas as ressalvas, temos mil limitações, é assim aqui. Então, a Trip atrai muita gente. Com raríssimas exceções, nunca fui atrás de headhunters procurar gente. Fica vindo gente aqui porque as pessoas sentem isso. Não sei se em todas as faixas o salário é o melhor do mundo. Mas o pacote aqui é legal porque ele é mais contemporâneo, mais atualizado.

O que você sente de positivo e negativo nessa geração sub-25?
Tem uma coisa de um senso de urgência que entendo totalmente, eles já viram muita gente perdendo tempo, um dia vai dormir com 25 e acorda com 50. É uma ânsia por não fazer os mesmos erros que as gerações anteriores fizeram. Aliás, uma coisa legal do surfe é que quando você entra no oceano você vê que é um merdinha… Essa ânsia gera uma tendência a criar menos vínculos. Como tudo, depende de como é administrado. Às vezes, esse senso de urgência vira uma coisa nervosa, de não estar bom em lugar nenhum, querer sempre pular para o gramado do vizinho. Vejo uma tendência à superficialidade, de saber pouco sobre muita coisa.

A lógica das carreiras não pega essa geração?
Pra mim, uma das maiores pontos de atenção é essa coisa da meritocracia, um mantra hoje. Alguns dos centros de estudos mais avançados do mundo já estão “desrecomendando”, não a meritocracia como um todo, mas esse recorte, essa coisa meio ambeviana, de que os 20% que performam menos eu demito todo ano, como uma espécie de sistema que vou limpando. Isso gerou efeitos nefastos em quem aplicou. Você pode produzir lucros a curto prazo importantes, mas dinamita o futuro, cria uma organização de loucos se comendo.

Essa lógica do crescimento como um fim não rola, o crescimento desordenado é um câncer

No mundo dos negócios, cabem conceitos como bondade, solidariedade, humanidade? Esse discurso cola na realidade ou fica restrito aos colóquios onde falar esse tipo de coisa pega bem?
Nem um nem outro. Os líderes inteligentes do Brasil, inclusive os mais velhos, já sacaram a fumaça, mas não sabem onde é o fogo. Racionalmente já entenderam que a lógica precisa ser mudada, mas estão fazendo muito pouco na prática. Alguns porque é difícil mudar o mindset porque já estão com 70 anos e têm uma situação toda construída. Outros porque acreditam mas ainda são movidos pelo lucro e pela acumulação, e não conseguem transformar aquilo em ação. Um dia me perguntaram qual empresa brasileira estaria alinhada aos princípios do capitalismo consciente. É muito difícil citar.

A Trip está?
Acho que sim, mas comparada com essas outras é uma empresa muito pequena, então isso é mais fácil. Difícil é fazer isso em escala gigante. Há teóricos que dizem que a partir de um certo número de pessoas, a corporação se desumaniza e vira um bicho. Mas não adianta só o empresário querer, o ambiente de negócios do Brasil é muito tosco, a burocracia, o sistema tributário… A legislação trabalhista aqui é uma coisa que teria que fazer uma junta para estudar como uma sociedade que é a sétima economia do mundo tem a manha de rodar com uma legislação que é ruim para todo mundo.

Essa transformação passa por um protagonismo feminino?
Quando você fala de amor em ambiente de negócios, alguém sempre tira um sarrinho. O feminino é um assunto muito presente nesses centros de estudos. Estive agora na Advertisement Week em Nova York, um evento que hoje é de reflexão e pensamento, e o foco grande era a mulher. Assisti a um painel tocado pela Ariana Huffington sobre mulheres CEOs de grandes corporações nos EUA.

Quando a gente fala de mulher, estamos falando de uma visão mais amorosa do mundo. Embora alguns falem que o feminino é uma construção social, eu não acredito

Acho que a mulher tem uma relação com a ideia do outro diferente. Por razões óbvias e outras não tão óbvias. É muito predisposta a acolher, amar, querer o bem. E isso não deveria estar só na mulher. Prefiro chamar de humanização, e acho que a mulher é melhor nisso. Ela é vocacionada a cuidar do outro. Aqui tem muita mulher, inclusive na diretoria.

Com a emergência do Novo Feminismo e do empoderamento feminino, a Trip Girl não se tornou a coisa mais sexista (e, portanto, arcaica) do mundo?
Tenho muito orgulho do olhar da Trip para a questão da sensualidade. É um olhar libertador. A forma como a gente fotografa a mulher é uma forma de admiração, adoração, respeito, interesse no sentido amplo, não só sensual. Tenho o maior orgulho de já ter ouvido do Juca Kfouri, que editou a Playboy muitos anos, e do JR Duran, que o nu da Trip mudou a forma de se olhar esse tipo de imagem no Brasil, que foi construído todo em cima do olhar americano, da objetificação, da mulher servil e de quatro. O olhar da Trip é a mulher com quem você quer estar, com quem você quer compartilhar a parte legal da vida, e isso é muito nobre, e acabou construindo uma coisa que mulheres absolutamente incríveis vêm pedir para participar. A mesma coisa é feita com o homem na Tpm. E aqui as pessoas falam, são entrevistadas, dizem o que pensam da vida, o que querem para o mundo. Acho libertador, celebra o que o corpo tem de mais nobre, mágico, sagrado, acho que é arte pura.

Que filme, livro e música fizeram a sua cabeça ultimamente?
Um filme que vi recentemente é o argentino Relatos Selvagens, uma obra instigante, que mexe com uma porrada de coisas. Gostei bastante do trabalho da Ana Muylert em Que Horas Ela Volta, principalmente o trabalho da Regina Casé. O livro é Confissões de um Homem Livre, de Luiz Alberto Mendes. Ele é nosso colunista desde quando estava no Carandiru, ficou preso 32 anos e meio, hoje está com 60 e poucos anos e solto há 10. Música eu gostei do novo da Karina Buhr, uma menina de Recife, é atriz, tem um trabalho extremamente original, desenha as capas dos discos, tira as fotos, compõe as músicas, canta, é uma baita artista.

Como imagina que as pessoas vão lembrar de você? Qual é o legado que você está construindo?
Quero que me esqueçam (risos). Na real, não tenho muito esse pensamento de legado, nesse sentido. O que faço aqui é mídia, exposição, envolve alguma dose de vaidade, mas não tenho Facebook, Instagram, não quero compartilhar, não quero que saibam onde estou, que abracei alguém, sei lá. Isso pode parecer contraditório porque estou na mídia, mas prefiro bastidor, nitidamente. Quero ser lembrado pelos meus filhos e está bom. Tenho dois. Quero fazer hoje coisas decentes, legais, interessantes e que sejam úteis para os outros. Não sou Madre Teresa de Calcutá, mas tenho isso de querer que o negócio funcione para além dos muros da casa. A gente é uma bostinha que passa, se a gente não tivesse vindo também não faria muita diferença.

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