A nova vida de Marco Gomes nos EUA, depois da boo-box

Italo Rufino - 23 jan 2017
Após vender uma startup inovadora e premiada, Marco Gomes queria seguir evoluindo. A solução foi sair do Brasil e se tornar um especialista em análise de dados.
Italo Rufino - 23 jan 2017
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No final de setembro, o Central Park, em Nova York, foi cenário do Global Citizen Festival, evento musical descrito como uma “plataforma de ação social para uma geração global que quer resolver os maiores desafios do mundo”. Em meio à multidão que acompanhava shows de Kendrick Lamar, Rihanna e Eddie Vedder, estava um morador da cidade e agora cidadão do mundo: Marco Gomes. Aos 30 anos, o fundador da boo-box, eleita uma das empresas de publicidade mais inovadoras do mundo, decidiu se afastar de sua cria para continuar sua evolução profissional fora do Brasil.

Falemos um pouco sobre a boo-box. A startup foi pioneira em tecnologia para publicidade e mídias sociais, revolucionando a maneira como marcas faziam anúncios na internet no final dos anos 2000. Sua história se mistura à de Marco. Ele criou a empresa aos 21. Nos oito anos seguintes, a startup ganhou notoriedade no mercado e chegou a ser eleita, pela revista Fast Company, uma das cinco empresas de publicidade mais inovadoras do mundo. No Brasil, a Forbes repetiu a avaliação, colocando a boo-box entre as duas mais inovadoras do país.

No entanto, já há mais de um ano, a rotina de Marco nada tem a ver com a startup que fundou. Em 21 de outubro de 2015, ele assinou o contrato de venda de sua participação na boo-box para FTPI Digital, empresa de mídia e marketing de conteúdo que já era parceira comercial no empreendimento.

Atualmente, ele “não está mais empreendedor”, como diz. Desde de junho de 2016, ocupa o cargo de business development na Palantir, uma empresa americana de análise de dados que presta serviço para grandes empresas e instituições. Marco fala a respeito da mudança:

“Hoje, sou funcionário de uma grande startup. Não há nenhum mérito ou demérito nisso”

Não que a boo-box tenha se mantido pequena, ao contrário. Tornou-se referência mundial ao basear sua atuação em uma tecnologia bem sacada, que segmenta diferentes anúncios publicitários em pequenos veículos de mídia, conforme os hábitos de navegação dos potenciais clientes, em vez de anunciar massivamente em grandes veículos.

Marco com amigos e equipe da boo-box, na Campus Party de 2009.

Marco com amigos e equipe da boo-box, na Campus Party de 2009 (foto: Fernando Matra).

Com investimentos da Monashees Capital (em 2007) e da Intel Capital (2010), o boo-box chegou a ter 70 funcionários e faturar 11 milhões de reais, em 2014. A tecnologia estava presente em mais de 700 mil sites, impactando 60 milhões de usuários anualmente. Entre os 1 500 clientes estavam Microsoft, Itaú e Ford.

“Acredito que fomos um dos protagonistas em monetização e profissionalização de veículos de mídia independentes no Brasil. Muitos dos produtores de conteúdo que foram beneficiados pela nossa tecnologia evoluíram para vlogs e canais no Youtube e se consolidaram como grandes influenciadores na internet”, diz Marco, sobre o legado da boo-box.

Embora a empresa andasse bem, ele começava a nutrir outros sonhos que não estavam alinhados com a vida à frente da startup. Em 2013, comunicou aos sócios que desejava viver uma experiência profissional em outro país.

Ao longo de 2014, cogitou duas possibilidades: ou vender sua participação ou abrir uma operação internacional e se mudar para os Estados Unidos. Devido ao interesse dos sócios em comprar a empresa, prevaleceria a primeira opção.

ENTRE UMA DESPEDIDA E UM RECOMEÇO, UMA NOVA IDEIA

Quando já considerava vender a boo-box, mas antes da transação se realizar, Marco deu início a um novo projeto. Adepto de atividades físicas, principalmente ciclismo, ele percebeu que o uso de wearables (tecnologias vestíveis) era crescente entre atletas amadores que desejavam conhecer suas métricas nos esportes. No entanto, passada a “novidade”, as pessoas acabam deixando os dispositivos na gaveta e não se mantinham motivadas a continuar as atividades de forma regrada.

Marco, então, convidou Fernando Aquino, seu amigo e parceiro de pedalada, para criar o Mova Mais, um aplicativo que acompanha a rotina de atividades físicas e gera pontos em programas de fidelidade. Uma maneira de recompensar com prêmios o suor dos esportistas. O aplicativo tem parceria com American Express, Caixa e Multiplus.

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Marco com Fernando Aquino, sócio e CEO do Mova Mais.

O Mova Mais foi fundado em 2015 e recebeu investimento do empreendedor Flávio Augusto, fundador da rede de escolas de inglês WiseUp e dono do time de futebol Orlando City, sediado na Flórida e que tem como maior estrela o jogador Kaká.

Hoje, o aplicativo possui mais de 250 mil usuários. Para Marco, o Mova Mais é atrativo para as marcas pois, como todo programa de fidelidade, aumenta a frequência de compra e o tíquete médio dos consumidores.

Ao mesmo tempo, ele prossegue, as marcas conseguem mapear os hábitos de consumo dos usuários e podem fortalecer o relacionamento com o público. Outra vantagem é se alinhar à temática da vida saudável. Atualmente, Marco ainda é sócio da startup, mas não participa da operação, comandada por Fernando, atual CEO.

QUANDO O TOPO É SÓ A METADE DO CAMINHO

De volta à boo-box, Marco fala sobre o que motivou a decisão de vender a empresa:  “Eu já havia vencido muitos prêmios, participado de listas de melhores empreendedores e empresas inovadoras. Cheguei a ser considerado o melhor profissional de comunicação e marketing do mundo”. Pode parecer o topo, mas para ele era apenas metade do caminho. Para continuar evoluindo, ele conta, a saída foi se despedir de sua cria.

A seu ver, a ruptura não foi traumática. Embora sinta saudades das pessoas e dos relacionamentos que criou na boo-box, uma das suas maiores queixas como empreendedor era a “colossal responsabilidade de manter uma empresa com operação complexa”. Outra preocupação atroz era ter que lidar com pagamentos de despesas, principalmente impostos.

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Marco e Talita em Duhok, Curdistão, Iraque.

Logo após a venda, Marco viajou para a Dinamarca para uma semana de descompressão. Na sequência, foi para a Turquia, onde encontrou a esposa Talita Ribeiro, de 29 anos.

A jornalista e escritora estava fazendo uma imersão junto a refugiados da guerra na Síria no norte do Iraque – a pesquisa serviu de base para o mais recente livro de Talita, Turismo de Empatia: Refugiados no Oriente Médio.

A experiência foi fundamental para eliminar em Marco qualquer sensação de angústia ou depressão por causa da venda da boo-box. Ele conta:

“Me deparar com histórias de dor e sofrimento fez com que eu olhasse para minha vida de outra perspectiva. Relativizei meus problemas”

Depois dali, sua vida de fato mudou. Ele trocou de país e de status. Marco está bem feliz com o atual emprego. A discrição entra a cena quando o assunto é a sua rotina na Palantir, empresa em que trabalha desde junho do ano passado, após ser convidado, inicialmente, via LinkedIn. Os projetos da Palantir são confidenciais – e parte deles tem como clientes entidades do governo americano, como a CIA e o Exército.

Na empresa, o principal objetivo de Marco é aprender soluções inovadoras por meio de análise de dados. Um recente projeto da Palatir a se tornar público envolveu a prisão de uma quadrilha de traficantes de mulheres que agia nos Estados Unidos e no México. Um software da Palantir foi usado para analisar dados de transações bancárias dos suspeitos e essas informações foram usadas pela Justiça americana como prova das atividades criminosas do grupo. Marco fala:

“Dados são a mineração do século 21 e gerarão tanto ou mais valor do que o petróleo gerou ao longo do século 20”

O uso de dados para fins positivos tem fascinado tanto o jovem brasiliense que ele pretende continuar trabalhando na área pelos próximos anos. Ao ser questionado se voltará ou não empreender, Marco diz que provavelmente criará outra empresa, sim – só não sabe quando. No curto prazo, a intenção é aprender ainda mais sobre o mercado de dados, treinar o inglês e continuar nos Estados Unidos – mas sem tirar o olho da terra natal.

EM BUSCA DE MAIS DESCOBERTAS

Atualmente morando em Nova York, Marco fala um pouco da rotina atual. Apaixonado por bike, ele pedala frequentemente por lá. Já chegou, ele conta, a rodar 100 quilômetros pela cidade num único dia. Um de seus lugares preferidos é Bushwick, bairro próximo ao Brooklyn repleto de grafites. “É uma galeria de arte a céu aberto.”

Quando está a pé, costuma passear com a esposa na companhia de Omara e Princesa Leia, duas cadelas vira-lata adotadas no Brasil – a última é natural da mesma cidade que Marco cresceu, a periférica Gama, no Distrito Federal. Empolgado com a vida na megalópole, Marco se dizfascinado com a quantidade de lojas de rua, restaurantes e atividades culturais que pode desfrutar andando pelo seu bairro, o East Village, em Manhattan.

Ele, como dito, continua inteirado sobre os assuntos do Brasil. Há algumas semanas, fez um post em seu blog comentando sobre as ocupações escolares realizadas por estudantes contrários ao projeto de reformulação do ensino médio apresentado pelo Governo Federal. “Acredito que a ocupação de prédios públicos é um dos últimos recursos que pode ser usado quando um grupo se sente prejudicado e não é ouvido, como foi o caso dos alunos”, afirmou.

Politicamente, Marco não se considera nem de direita e nem de esquerda. Em suas próprias palavras, ele está “mais para um Chaotic Good” – arquétipo de personagens de quadrinhos e jogos de RPG que é rebelde, libertador e contrário a instituições burocráticas que impeçam melhorias sociais.

O apreço pela rebeldia com causa pode ser percebido quando Marco enumera as pessoas que o inspiram – na lista constam Martin Luther King, Malcon X e o grupo de rap Racionais MCs. Personagem de uma história pessoal marcada pela simplicidade, pela criatividade frente aos desafios e pela transparência, Marco lembra da máxima de um outro ídolo seu, o rapper Sabotage: “um bom lugar se constrói com humildade, é bom lembrar.” É por aí.

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