A Perro Libre amadurece: enxugou a estrutura, reviu seu modelo e acaba de abrir a primeira loja

Breno Castro Alves - 25 maio 2017
Lucas, Alberto e Thiago, da Perro Libre, no recém inaugurado bar "self-cerva", o Tap Room, em POA.
Breno Castro Alves - 25 maio 2017
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Quando publicamos o primeiro texto sobre a Perro Libre, em maio de 2015, a cervejaria gaúcha estava em transição, atravessando o que chamaram de “rePerro”. Sua comunicação abandonava o seguro storytelling, a criação de histórias, para arriscar o storysharing, a contação de histórias reais. Deu certo e hoje, dois anos depois, com mudanças concluídas e dois prêmios conquistados, a empresa acaba de inaugurar a Tap Room, em Porto Alegre, sua primeira loja própria com proposta inovadora: sirva-se e pague o quanto beber.

Quando apareceu no Draft pela primeira vez, em 2015, a Perro Libre estava em transição de modelo de negócio (clique na foto para ler).

Quando apareceu no Draft pela primeira vez, em 2015, a Perro Libre estava em transição de modelo de negócio (clique na foto para ler).

O espaço abriu suas portas no começo de março na Casa Prado, uma galeria formada por lojas de produtos autorais. O plano inicial da Perro era abrir seu bar próprio apenas em 2018, mas o espaço e a pegada da Casa Prado agradaram tanto que os sócios resolveram acelerar o projeto.

“É um modelo de negócios mais alinhado com o conceito artesanal”, diz Thiago Galbeno, o jovem cervejeiro de 24 anos que idealizou a Perro e hoje toca a cervejaria junto com seu pai, Alberto Galbeno, 49, e Lucas Sperotto, 33.

Thiago é responsável por comunicação, marketing, design, controle de qualidade e contato com fornecedores, enquanto Lucas gradualmente absorve toda a área comercial direta, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Por sua vez, Alberto toca as operações logísticas, financeiras e os distribuidores interestaduais. Thiago fala da estratégia atual da Perro:

“As vinícolas estão na frente: fazem turismo, levam o público conhecer seu processo e suas uvas. Ter espaços próprios de consumo da marca é um caminho para as cervejarias artesanais”

E agora, a sacada da loja: cada torneira terá uma receita diferente e um tablet próprio, enquanto cada bebedor terá um cartão que libera o fluxo das torneiras. Não existem quantidades pré fixadas, como a garrafa de 600ml ou as latinhas de 350ml, os clientes poderão se servir de quanto quiserem de cada uma das receitas da Perro.

O Tap Room da Perro Libre fica em uma galeria, em Porto Alegre. Com cartão digital, o cliente se serve, bebe e só paga depois.

O Tap Room da Perro Libre fica em uma galeria, em Porto Alegre. Com cartão digital, o cliente se serve, bebe e só paga depois.

É, provavelmente, o primeiro self-cerva do país. Abriram as portas no começo de março deste ano e a ideia é inaugurar o segundo espaço, na capital paulista, até 2018.

COMO A CRISE FEZ MAL, DEPOIS FEZ BEM, PARA O NEGÓCIO

Nem tudo, porém, é lúpulo. A recessão econômica chegou ao setor cervejeiro no início de 2016. Thiago conta que, enquanto toda a produção dos anos de 2014 e 2015 foi vendida (as metas de 2015 foram batidas ainda em outubro, inclusive), em janeiro de 2016 a necessidade de reposição de estoque encolheu justamente quando a estrutura da Perro estava pronta para crescer, o que exigiu a revisão de todo o processo. Consequência direta, a empresa, chegou a ter oito funcionários além dos três sócios, teve de enxugar o quadro e hoje tem apenas quatro. Thiago fala desta fase:

“Um erro foi assumir que as coisas seguiriam como estavam. Fomos obrigados a nos reformular e, se tivéssemos feito isso antes, nossa transição seria mais tranquila. Entender a volatilidade do mercado talvez tenha sido o maior aprendizado de 2016”

Ele conta que eles se recuperaram do baque utilizando dois trunfos: o primeiro, entender melhor a relação com fornecedores e distribuidores, racionalizando a compra de insumos e a venda de seus produtos. O segundo, São Paulo.

Para o primeiro trunfo não teve segredo: trabalhar duro. A Perro passou todo o ano de 2016 reestruturando sua operação, canais de venda e a relação com os parceiros. Fizeram novos materiais para as distribuidoras e para os pontos de venda. Renegociaram toda a operação com os fornecedores e conseguiram, assim, uma redução de 30% nos custos que, segundo Thiago, repassaram integralmente para os parceiros.

Avançar sobre o mercado paulistano foi, talvez, uma mudança ainda mais profunda porque envolveu a saída de Thiago da capital gaúcha (ele se mudou para São Paulo no início de 2016). De lá para cá, a Perro fechou parceria com 70 pontos de venda na cidade e passou a produzir em torno 10 mil litros por mês na fábrica da cervejaria Blondine, em Itupeva, a 40 minutos da capital paulista. Ao mesmo tempo, pai e filho passaram a se encontrar por Skype para botar o trabalho em dia e, às sextas à noite, provar seu produto.

Apesar das dificuldades iniciais, 2016 terminou com um saldo positivo: 70% de crescimento do faturamento, em relação a 2015.

O TEMPO PASSA, O EMPREENDEDOR AMADURECE

Quase dois anos depois da primeira entrevista, encontro um Thiago diferente. Mais solto, confiante. Cabeludo. Saiu de casa. Outra vez, antes já havia estudado na Brewlab na cidade de Sunderland, no Reino Unido. Agora, porém, não é mais adolescente. “Um dos trunfos da cerveja cigana é não ter a casa própria, a gente produz perto do consumo. Como ela viaja menos, chega mais fresca e com menos custo de transporte”, diz, sobre um dos conceitos da marca (só lembrando, Perro Libre significa cachorro solto em espanhol).

Começo meu novo papo com ele pedindo que releia a reportagem publicada no Draft em 2015. Enquanto faz isso, Thiago fala sobre a experimentação na cultura cervejeira e, também, a evolução do seu negócio:

“Tu aprende a fazer cerveja de panela, simples, funciona, daí quer testar mais, vai para casa, brinca. Até que, olha só, estou aqui com uma double IPA e uma sour com cajá, duas cervejas inéditas”

Ele diz isso brindando com as duas garrafas. Em seguida, desenvolve o pensamento para introduzir a Crowd, uma cerveja de receita mutante que tem tudo a ver com essa cultura da experimentação e nasce da apresentação de duas receitas para o público. A mais votada será produzida em barril, num lote único, e distribuída para os bares que toparem participar. Assim, será possível testar sabores comercialmente inviáveis, possíveis apenas porque sua produção é financiada pelos parceiros de venda.

Na Tap Room, preço médio do chopp "self-cerva" é de 30 reais.

Na Tap Room o preço médio do chopp “self-cerva” é 30 reais.

Nossa conversa aconteceu no dia do lançamento da terceira edição da Crowd. A receita da Galaxy Sour Cajá (mais refrescante que um picolé de limão) disputou com a Ekuanot Juicy Juisummer (seca, leve, aveludada e fresca) a preferência da rede.

Como resultado, 70 bares no país vão receber 2.200 litros da Sour Cajá. Destes, 20 ficam em São Paulo e 10 no Rio Grande do Sul. Os outros estão em mais 8 estados participantes .

“Fazer cervejas doidas assim só dá certo pelos bares parceiros. Isso nos dá segurança para criar coisas novas, inesperadas. Não estamos no crescimento eterno, queremos o maior DNA possível de experimentação”, diz.

Hoje, a produção dos sabores já consagrados pela Perro acontece, além de Itupeva, também produzem em Santa Cruz do Sul, a duas horas de Porto Alegre, de onde saem em torno de 5.000 mil litros por mês. Somando as duas unidades, a Perro coloca no mercado entre 10.000 e 15.000 mil litros — e vendem de 8.000 a 12.000 litros — de cerveja artesanal por mês. Uma lata de 473ml da 803, a receita mais premiada da Perro, será vendida no Tap Room por 30 reais.

HORA DE ABANDONAR O QUE JÁ PASSOU

De volta ao texto, de 2015, Thiago torce o nariz ao ver a importância que ele e os sócios ainda davam ao clube de consumo de cerveja, aquele modelo onde o associado recebe periodicamente um kit de produtos. Ele solta um veredito:

“O modelo clube de assinaturas está um pouco esgotado. Tem de tudo, pão, queijo, pasta de dente. Não dá, cansou”

E complementa: “Sem falar que fazer as entregas é uma logística difícil, a gente teve prejuízo, eu é que tinha que ir lá levar cerveja. Ela deveria ser mais barata do que no bar, mas não dava. Começamos a nos prender nesse modelos, as coleiras estão aí”.

Na loja, o cliente também pode levar o chopp no growler, este garrafão que mantém a bebida fresca e é retornável.

No bar, o cliente também pode levar o chopp no growler, este garrafão que mantém a bebida fresca e é retornável.

A Perro parou de acolher novos associados em outubro passado. Todos ainda recebem suas cervejas, mas a empresa está preparando uma transição para levar este público à fidelização pelo bar. O Tap Room na verdade também é um clube — à espera daqueles e de novos membros.

Funciona assim: quem chega se cadastra por 8 reais e ganha o cartão Clube Perro Libre. É o cartão que libera as torneiras self-cerva. Também permite aos associados levar para casa um growler, nome de um garrafão de vidro que mantém o chopp fresco e é retornável.

Os growlers são 30% mais baratos que o chope tirado na hora. Por exemplo: 100ml de Neo Pils no Tap Room custam 3,90 reais (o preço de 100ml é uma referência, já que o sistema faz a cobrança proporcional), enquanto que o litro da bebida no growler custa 27,30 reais, ou 2,73 100 ml. O casco cheio tem 1,9 litro e fica por 51,87 reais.

Reformular o clube tem a ver com a proposta de storysharing, que prefere se expor a inventar histórias. Este ponto remete novamente ao texto de 2015, publicado quando a empresa acabava de assumir sua transição.

No storytelling, a contação de histórias, o site da Perro contava a história da Hopping Hood, uma cerveja que só foi possível produzir porque um cachorro pulou o muro da fronteira com os EUA e trouxe o lúpulo necessário para fazer uma American Pale Ale. Uma história engraçadinha, mas besta.

Hoje, no storysharing, que pode ser traduzido como “compartilhar histórias”, o site diz: “American Pale Ale. Aqui, quem manda é o frescor. Uma base com 100% Maris Otter acompanhada por variedades de lúpulos que trazem um perfil cítrico intenso que lembra maracujá, manga e mamão”. É sobre falar menos, ir direto ao ponto, como diz Thiago:

“Não vamos lançar uma cerveja e dizer que é a melhor do mundo, que tem lágrimas de unicórnio. Não. Vamos dizer que é a cerveja mais fresca que a gente pode fazer, ou a mais forte, e que estamos te entregando porque ficou uma delícia”

Eliminaram a invenção para ser o mais transparente possível. A ideia é diminuir a barreira da entrada, não querem que a cerveja seja algo distante das pessoas, como o vinho (o mesmo que tem o bom modelo de vender o entorno do produto, lembremos).

As inovações da Perro deixam claro seu perfil criativo e inquieto. Foi, para mim, uma grata surpresa encontrar Thiago quase dois anos depois e constatar que experimentação e operação estão equilibradas: nem a produção engoliu a criatividade, nem as novas ideias tiraram a empresa dos trilhos. Até aqui os cachorros da Perro Libre seguem saudáveis, bem alimentados e sem coleira.

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