O que você pensa quando escuta a palavra “favela”? A equipe do Programa de Valorização de Iniciativas Tecnológicas, o Vai Tec, trabalha para que o termo seja sinônimo de oportunidade.
Criado em 2016 pela ADE Sampa, Agência de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, o programa tem como objetivo impulsionar negócios inovadores da periferia paulistana.
“A preocupação de uma aceleradora comum é a de fazer com que a empresa se desenvolva e ponto”, diz Ary Scapin Junior, gerente de Programas e Projetos da ADE Sampa. Ele prossegue:
“O Vai Tec vai além: a gente se preocupa com o acolhimento dessa startup e desses empreendedores porque eles não têm as mesmas oportunidades que as pessoas que saíram de faculdades de renome”
Nos primeiros anos, o Vai Tec fazia um aporte financeiro para os proponentes, sem a necessidade de prestação de contas, mas o feedback era de que só o dinheiro não resolvia.
A partir da terceira edição, foi incluído um processo de aceleração no qual as empresas selecionadas participavam de atividades semanais como oficinas de capacitação, mentorias e assessorias, individuais e em grupo.
Esse processo é coordenado pela Semente Negócios, que desde 2010 se dedica a ensinar sobre empreendedorismo inovador no Brasil. Segundo Marcio Jappe, CEO da Semente Negócios:
“Passamos a citar cada vez mais pessoas periféricas como modelos de sucesso. A gente sai dessa ideia de que a pessoa tem que olhar para o Mark Zuckerberg ou o Elon Musk. Ela pode olhar pro cara da quebrada e ver sua história de transformação”
Interessado(a)? As inscrições para a oitava edição do Programa Vai Tec estão abertas até final de fevereiro.
OS NEGÓCIOS SELECIONADOS SÃO INCENTIVADOS A GERAR OPORTUNIDADES PARA PESSOAS DO SEU ENTORNO
O processo de seleção do Vai Tec é composto por duas etapas. A primeira envolve uma avaliação da documentação enviada e da relevância do negócio para a melhoria das condições de vida na comunidade; 48 propostas são selecionadas.
Na segunda etapa, os finalistas fazem um pitch para uma banca com pessoas de diversas entidades, como a Fundação Getulio Vargas (FGV), a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Instituto Butantan e outras, além da ADE Sampa e da Semente Negócios.
São 5 minutos de apresentação, seguida de uma discussão com a banca. Ao fim, 24 propostas são escolhidas para receber um aporte financeiro – que neste ano é 42,5 mil reais – e participar da aceleração.
Se no início os sócios da Semente Negócios se debruçaram em metodologias como Lean Startup e Business Model Canvas para passar o conhecimento adiante, hoje eles ensinam os selecionados da Vai Tec por meio de uma metodologia própria chamada caminho empreendedor.
São seis estágios: explorar, engajar, entregar, vender, crescer e estruturar. Marcio afirma:
“O caminho empreendedor não foi um modelo concebido na teoria para depois ser entendido na prática. Fomos identificando os pontos-chave ao longo de anos de experiência. É uma metodologia viva”
Além das oficinas, o Vai Tec oferece um ambiente de coworking com estrutura para os empreendedores utilizarem e começarem a criar uma rede de contatos.
“O dinheiro que a gente investe é público, por isso pedimos que seja revertido em resultados públicos”, diz Ary. “Quanto mais atuantes essas empresas estiverem, mais elas podem gerar desenvolvimento através da geração de emprego e de oportunidades de negócio para outras pessoas no seu entorno. É um pacto que temos com os acelerados.”
TODAS POR UMA: APLICATIVO QUE COMBATE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO JÁ CHEGOU A 56 PAÍSES
Ao presenciar uma situação de violência dentro de casa, Mateus de Lima Diniz, 24, teve a ideia de criar uma ferramenta para ajudar mulheres em situações de vulnerabilidade.
“Como enviar um pedido de socorro ocultamente, sem que o agressor perceba?”, era a pergunta que ele se fazia.
O questionamento virou tema de Trabalho de Conclusão de Curso junto a outros colegas da Escola Técnica Estadual Prof. Horácio Augusto da Silveira, zona norte de São Paulo.
Assim surgiu o Todas Por Uma, um aplicativo que envia sinais a cada 30 segundos com a localização da pessoa que está sofrendo violência. Quem recebe o chamado do outro lado da linha são os anjos, pessoas de confiança que o usuário cadastrou.
Mateus convidou o colega Leonardo Salazar, 20, para seguir aprimorando a tecnologia. Para garantir a segurança da mulher, eles criaram uma forma de camuflar o aplicativo: quando ela aperta o botão, a interface pode ser, por exemplo, uma loja de roupas. Hoje, o pedido de socorro pode ser emitido com um simples balanço no celular.
O aplicativo foi lançado em setembro de 2020, mas a dupla viu o negócio deslanchar após ser selecionado pelo Vai Tec, em 2021. Mateus afirma:
“O Programa ajudou a fazer com que o sistema fosse escalável e a definir nosso modelo de negócio. Não somos uma ONG, como as pessoas pensam. Somos uma startup que gera receita”
Após o Vai Tec, o número de downloads triplicou e a rede de contatos cresceu. Os sócios participaram de eventos importantes, como o Expo Favela, que reuniu 350 empreendedores de comunidades brasileiras.
Na ocasião, eles foram os vencedores do Expo Favela: o Desafio, reality show produzido pela Rede Globo, e levaram o prêmio de 80 mil reais. Segundo Mateus:
“Somos o único aplicativo do Brasil com o mesmo sistema utilizado pelo governo dos Estados Unidos em caso de terremoto e tsunami. O sistema é disponibilizado pela Apple por entender que o Todas Por Uma é essencial para a sociedade”
A dupla quer chegar a 1 milhão de usuários e 10 milhões de reais de faturamento até o final deste ano.
“É importante que todos olhem para as pessoas da periferia como grandes empreendedores, como a grande potência que nós somos”, afirma Mateus.
Após visitar um primo no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), Alan Almeida, 30, foi abordado por uma pessoa que tinha acabado de sair do sistema prisional. O homem juntava dinheiro para comprar uma passagem para Campinas, para encontrar sua família.
Apesar de já conhecer a realidade das pessoas em privação de liberdade, aquela situação mexeu com Alan:
“Era um dia nublado e frio, o cara estava de camiseta, cabeça raspada. Era uma situação hedionda. Eu pensava ‘ele vai ficar sem banho até que horas? Sem comer até que horas?’”
Ele quis fazer algo para mudar aquela realidade e decidiu começar a ensinar programação e tecnologia da informação gratuitamente na Fundação Casa. Formado em Direito, Alan é autodidata em programação e se tornou desenvolvedor de software em empresas como Natura e Citibank.
Foram necessárias dezenas de reuniões para estruturar o projeto pedagógico e organizar uma estrutura básica que permitisse, por exemplo, a entrada de computadores nas unidades da Fundação.
As aulas começaram em 2017 e, naquele mesmo ano, uma prima apresentou o Vai Tec para Alan. Ele e sua companheira, Carla Almeida, 38, se inscreveram no Programa. A aprovação veio em 2018. O empreendedor social afirma:
“A equipe do Vai Tec trouxe uma tonelada de informações, tudo na linguagem da quebrada, e a gente foi entendendo como fazer prospecção de clientes, estratégia de marketing, análise de mercado”
Hoje, o {Parças} Developers School oferece três produtos. O primeiro é o acesso a um banco de talentos com milhares de jovens egressos do sistema prisional capacitados em programação e tecnologia da informação. “A gente fornece desenvolvedores para uma série de empresas, inclusive multinacionais”, conta.
O segundo são treinamentos customizados nos quais o {Parças} realiza o processo de seleção, recrutamento e treinamento em programação. Por fim, a startup social também presta consultoria para empresas que querem dar início a projetos de impacto social.
Em 2021, o Nubank adquiriu 3,7% do {Parças}. Em 2022, Provence Capital e Península Participações fizeram aportes no valor de 200 mil reais e a Bossanova Investimento adquiriu 10% da empresa a partir do aporte de 600 mil reais.
Para Alan, o preconceito ainda é um dos maiores obstáculos para que propostas periféricas conquistem espaço e investimentos:
“O mercado precisa amadurecer e assumir uma postura mais ativa diante de algumas vulnerabilidades sociais que o país enfrenta”
O {Parças} vem quebrando essa barreira. Atualmente, soma 35 funcionários e faturamento acima de 1,5 milhão de reais. A startup inclusive já iniciou sua internacionalização: abriu um escritório em Lisboa e deve inaugurar outro em Londres ainda em 2023.
Eles também assinaram um convênio com a Siemens para se tornar a escola oficial da companhia em toda a América do Sul.
O Vai Tec é protegido pela lei 15.838/2013 e deve acontecer pelo menos uma vez por ano – mas a equipe tem trabalhado para ampliar a oferta a partir de editais temáticos.
Segundo Ary:
“No ano passado, fizemos o piloto de um Vai Tec Games e de um Vai Tec focado no audiovisual. Vamos criar ainda um Vai Tec para aplicativos relacionados à saúde”
Além de trabalhar com novos negócios, a equipe tem estudado o que pode ser feito para ampliar as oportunidades para as empresas que já foram aceleradas.
Para isso, foi realizada uma pesquisa entre os empreendedores de todas as edições e uma das maiores demandas foi maior acesso a ações de mercado.
Pensando nisso, o Vai Tec criou uma chamada pública para todos os negócios que já participaram do Programa e selecionaram 10 empresas para o Web Summit 2022, em Portugal, com o objetivo de conhecer mais sobre o universo da tecnologia a nível internacional. Ary conta:
“Eles fizeram um sucesso danado porque era a única delegação de startups de periferia”
O que mais chama a atenção no Vai Tec não é o fato de ele ser composto apenas por pessoas da periferia, mas por propor um novo olhar para essa população. Marcio, da Semente Negócios, resume:
“Você sai de um lugar em que elas precisam ser ajudadas ou servidas para gerar valor ao negócio e passa a olhar para elas como pessoas empreendedoras e protagonistas dessa história.”
Desconstruir mitos e fórmulas prontas, falando a língua de quem vive na periferia: a Escola de desNegócio aposta nessa pegada para alavancar pequenos empreendedores de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.
O chef Edson Leite e a educadora Adélia Rodrigues tocam o Da Quebrada, um restaurante-escola na Vila Madalena que serve receitas veganas com orgânicos de pequenos produtores e capacita mulheres da periferia para trabalhar na gastronomia.
“Nerd da favela”, João Souza sempre fugiu dos estereótipos. Hoje ele lidera a ONG FA.VELA, com foco em educação digital e empreendedorismo nas periferias, e a Futuros Inclusivos, agência de consultoria que atende empresas e governos.