Ajudar grandes empresas a terem posicionamento socioambiental: um negócio lucrativo

Letícia Diniz - 29 maio 2015Thadeu e Daniele, sócios da Entrenós, em um evento de facilitação promovido pela consultoria (foto: Maurício Araújo).
Thadeu e Daniele, sócios da Entrenós, em um evento de facilitação promovido pela consultoria (foto: Maurício Araújo).
Letícia Diniz - 29 maio 2015
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Falar em responsabilidade social já deixou de ser exceção para as marcas e empresas. Hoje, toda grande corporação está vinculada a algum projeto que promova o bem estar social e evite ou compense eventuais danos ao planeta. Mas será que esses projetos são realmente responsáveis? É para garantir que sejam que a Entrenós Facilitação, dos sócios Daniele Apone, 32, e Thadeu Melo, 37, foi criada. Ao fomentar o micro-empreendedorismo e promover o diálogo entre primeiro, segundo e terceiro setores, os dois estão realizando um sonho triplo: ter sua própria empresa, contribuir para a uma sociedade mais justa e faturar com isso.

Tudo começou há quase 15 anos na USP. Daniele ela era aluna do curso de Relações Públicas e Thadeu, do de Geografia. Entre cervejadas e viagens, os dois rapidamente tornaram-se grandes amigos, e nem os oito anos que Thadeu passou fora de São Paulo conseguiram afastar a dupla. Em 2004, a paulistana da zona leste foi aprovada no programa de estágio da Natura, e lá conheceu e se apaixonou pelo conceito de sustentabilidade. “A Natura foi uma escola para mim, é a segunda empresa mais sustentável do mundo”, conta Dani.

Anos depois, quando ela já estava fora da empresa de cosméticos, os antigos amigos se reuniram profissionalmente pela primeira vez, para ajudar a Giral Viveiro de Projetos na definição da estratégia de investimento social da Natura na Amazônia. O território é bem conhecido por Thadeu, que já trabalhou com áreas protegidas no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade e na campanha internacional do Greenpeace para a região. “Trabalhando no terceiro setor, a gente via que a primeira batalha da sustentabilidade estava sendo vencida”, diz Thadeu, e opina sobre o papel das empresas nisso:

“Tudo que os movimentos sociais e ambientais sempre pediram começou a ser internalizado pelas grandes empresas, apesar de ainda termos muita adaptação pela frente”

Faltava quem ajudasse as empresas a transformar anseios sociais em ideias que pudessem ser colocadas em prática. Com isso em mente, Daniele e Thadeu abraçaram o desafio de posicionar a Natura no contexto socioambiental amazônico. Como? Compartilhando valores com a sociedade local e consolidando um ecoparque industrial na região.

“Foi ficando claro que poderíamos ajudar as corporações a planejar e gerir projetos sociais. Isso não é o core business dessas empresas, então fomos nos especializando em prestar este serviço”, conta Daniele. Essa especialização seria o prenúncio do surgimento da Entrenós.

QUANDO A EMPRESA NASCE ANTES DA IDEIA DE TER UM NEGÓCIO

Fundada em dezembro de 2011, a Entrenós vem se inserindo no contexto da profissionalização dos projetos socioambientais. “As empresas estão entendendo que é importante se posicionar sobre todos os temas relevantes para elas e seus consumidores, assumindo responsabilidades e identificando seus gargalos, o que facilita o diálogo com a sociedade e o governo e a definição das melhores iniciativas”, afirma Thadeu. Natural de Laranjal Paulista, ele formou-se em Jornalismo pela PUC-SP e passou 2014 dedicado a compreender os desafios e oportunidades do setor do agronegócio, algo fundamental para o sucesso de iniciativas ligadas à área ambiental no Brasil.

Equipe da Entrenós na inauguração do parklet, do cliente Via Varejo: Adriana Barbosa e Mariana Lemos (da Via Varejo), Daniele e Victoria Lima (da Entrenós) e Elisa Ferreira e Alline Cipriano (designer e produtora da Goma).

Equipe da Entrenós na inauguração do parklet, do cliente Via Varejo: Adriana Barbosa e Mariana Lemos (da Via Varejo), Daniele e Victoria Lima (da Entrenós) e Elisa Ferreira e Alline Cipriano (designer e produtora da Goma).

Daniele é pós-graduada em Economia e Gestão para Sustentabilidade. Ela diz que, em geral, as companhias optam por atribuir a gestão dos projetos de responsabilidade social para as áreas de Recursos Humanos ou Marketing e isso, muitas vezes, traz bons resultados para a empresa, mas não necessariamente para a sociedade:

“Às vezes, as empresas investem muito mais no marketing para divulgar um projeto socioambiental do que no projeto em si. Isso não é legítimo”

A necessidade de divulgar as ações, é claro, é legítima. E a expertise da Entrenós está em garantir que os projetos sejam, além de bons projetos em si, também bons negócios para as empresas. Não é fácil, e aqui há o desafio permanente de promover um diálogo aberto com os mais diversos atores sociais envolvidos.

Atualmente, a receita da Entrenós vem de clientes (empresas privadas e organizações) que investem no planejamento e gestão de projetos socioambientais. Um projeto pode custar de 5 000 reais (por exemplo, pelo desenvolvimento de conteúdo para uma palestra específica) até 90 000 reais (valor da criação e implantação de uma estratégia de investimento social). Tudo depende do tempo de execução, dos profissionais envolvidos e da logística.

Um traço comum aos projetos da consultoria é o diálogo permanente entre empresas e sociedade — algo que, na prática, signfica muitos encontros, dinâmicas e reuniões. Entre os grandes clientes, está também a Rede Globo. Esse diálogo é marca de um projeto que a Entrenós vem desenvolvendo no Complexo do Alemão, favela do Rio de Janeiro. A pedido da Fundação Via Varejo (que integra Casas Bahia e Ponto Frio, e acaba de abrir a terceira loja da marca Casas Bahia em uma favela), a Entrenós vem construindo junto com a comunidade as maneiras como se dará o investimento social da empresa por ali. Os moradores querem, e podem, participar.“Fazendo as perguntas certas e com algumas técnicas de planejamento, toda pessoa consegue identificar soluções para os seus problemas. As pessoas amam produzir em grupo”, afirma Daniele. Chancelado por quem será impactado, o investimento torna-se mais legítimo.

UMA METODOLOGIA FOCADA EM DIÁLOGO

Para viabilizar o compartilhamento de valor das corporações, a Entrenós mapeia pequenos empreendedores e contrata esses especialistas para confeccionar, em parceria, os projetos encomendados pelo cliente. Sem essa ponte, as grandes empresas não teriam como chegar ao pequeno empreendedor social — gente que tem impacto, tem experiência, mas ainda não tem o renome de uma ONG, por exemplo. Com essa metodologia, a Entrenós areja o setor, fomentando novas e ricas relações de troca e a circulação de um capital que normalmente fica restrito a empreendedores já consagrados. O resultado é uma cena de empreendedorismo social cada vez mais robusta.

Reuniões com a comunidade do Alemão para definir onde seria aplicado o investimento social naquela comunidade.

Reuniões com a comunidade do Alemão para definir onde seria aplicado o investimento social naquela comunidade.

Thadeu e Daniele conhecem bem esse nicho, já que a Entrenós faz parte da GOMA, uma “conjunção de redes” que reúne cerca de 25 empresas e 70 empreendedores, em um casarão centenário em reforma no centro do Rio de Janeiro. Com quase quatro anos de operação, a consultoria vive seu melhor momento: tem como clientes a Rede Globo, a Via Varejo, a Natura e o CDI (organização de inclusão digital). Para este último, a Entrenós está tocando projetos de educação informal, como um curso de formação de jovens líderes sociais — e para a Natura, cliente assíduo desde o início da empresa, desenvolveu um jogo que facilita o aprendizado de conceitos de educação financeira.

O processo é longo e costuma exigir tempo e habilidade de convencimento até “desatar” os nós. Em setembro do ano passado, Daniele bateu na porta do Ponto Frio para pedir financiamento a um parklet (também conhecidos como Vaga Viva), encomendado pelo Instituto Eixo Rio, plataforma da prefeitura da carioca. Num primeiro momento, o projeto não encantou a rede varejista. Meses depois, a gerente de Sustentabilidade da empresa procurou Daniele para saber mais sobre as tais vagas vivas. “Defendi que isso é benéfico para a sociedade, que a prefeitura entende que é um uso inovador do espaço público e que gera lucro, porque aumenta a circulação nas lojas”, lembra Daniele. Arquitetos e designers da GOMA foram incorporados ao projeto para desenhar e construir o parklet que o Ponto Frio está inaugurando este final de semana, na rua Lorena, nos Jardins, em São Paulo.

Os sócios festejam o prognóstico de aumentar o faturamento em 2015. Daniele permanece no Rio e Thadeu volta a atuar em São Paulo. Os dois pretendem fortalecer o conceito de posicionamento socioambiental corporativo, adiantando-se a uma tendência, que deverá se destacar entre os esforços das empresas nos próximos anos. Satisfeita com a trajetória da empresa, Daniele tem uma aposta: “Acredito que dá para conseguir tudo. Entre fazer o bem e ganhar dinheiro, fico com os dois”.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Entrenós Facilitação
  • O que faz: Posicionamento socioambiental
  • Sócio(s): Daniele Apone e Thadeu Melo
  • Funcionários: apenas os 2 sócios (eles contratam por projeto)
  • Sede: Rio de Janeiro
  • Início das atividades: dezembro de 2011
  • Investimento inicial: R$ 3.500
  • Faturamento: NI
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