A Alva Brasil e a primeira linha de maquiagem orgânica do país: uma aposta que está dando (muito) certo

Isabela Mena - 20 out 2014
Ananda, 26, trouxe a marca de beleza vegana ao Brasil
Isabela Mena - 20 out 2014
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A catarinense Ananda Boschilia, 26, é daquelas pessoas que têm o dom da oratória. Isso, somado ao conhecimento minucioso do nicho em que escolheu empreender — ela importa os cosméticos orgânicos da marca alemã Alva — a transforma em uma metralhadora sobre o assunto. O que talvez seja uma analogia cruel já que, segundo Ananda, importar cosméticos para o Brasil é de fato uma batalha.

A burocracia atrasou, mas não comprometeu o sucesso do empreendimento. Aos poucos, Ananda percebe que sua opção radical por produtos de beleza orgânicos pode encontrar seu nicho de mercado no país. A importadora existe há sete anos e a marca, que começou as vendas em 2011, já tem 60 pontos de venda, em 11 estados. No ano passado, Ananda percebeu que era hora de contratar uma consultoria financeira para profissionalizar o negócio, gerenciar o crescimento e aumentar o número de funcionários — até então, tudo ficava por conta dela e de uma sócia, hoje funcionária.

Três anos se passaram entre a criação da Alva Brasil, em 2008 (ela usou um CNPJ desativado do pai, mudou o contrato social e assumiu a empresa) e o começo das vendas — tempo que levou até sair o registro na Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Nessa fase ela investiu os primeiros 15 mil reais no negócio, conseguidos com a venda de um carro que tinha ganho do avô. Dentre exigências para o registro estão uma série de testes, a contratação de um farmacêutico responsável e a delimitação do espaço físico para a empresa. Para a Alva Brasil, foi construída uma edícula, nos fundos da casa da família, em Joinville (SC), onde funciona a sede da empresa até hoje.

“Se nessa época eu tivesse feito um plano de negócio com certeza eu não teria cumprido porque não tínhamos conhecimento nenhum do que era importar cosméticos para o Brasil”

Mas a escolha pelo setor não foi à toa. Quando resolveu largar a faculdade de relações públicas e abrir um negócio, Ananda estudou o mercado e viu que o ramo de cosméticos era o segundo mais lucrativo no país. A parte orgânica entrou quase por osmose: ela é pessoalmente muito atenta à nutrição e o lado natureba vem de família. “Minha mãe só permitia que consumíssemos orgânicos. Quando comecei a querer me maquiar, pintar o cabelo, ela não me deixava usar produtos convencionais”, conta ela, que se é adepta de escolhas naturais sempre que possível.

Alva

Os pigmentos naturais podem ser usados como blush, batom, delineador, sombra e até esmalte

O pai, Julio, a ajudou a ter a visão do negócio (ele também é sócio) desde o princípio. Ciente de que o mercado era incipiente no Brasil mas pioneiro na Europa, Ananda foi atrás de tudo o que havia de cosmético orgânico no Velho Mundo. Durante quase um ano, pesquisou de matéria prima a embalagens, passando por certificadoras. Testou (e fez também familiares e amigos de cobaia) cerca de 30 marcas até escolher a Alva, que está no mercado europeu há 27 anos. “Escolhemos por causa da qualidade da composição, da gama de produtos, e pela facilidade de contato com nosso exportador, um alemão casado com uma brasileira”, diz Ananda. “Entrar no Brasil não é fácil. Você tem que ceder muito, investir. Tem que haver muita parceria entre importador e exportador para fazer com que dê certo.”

O QUE É UM COSMÉTICO ORGÂNICO, AFINAL?

No Brasil, só existe certificação para alimentos orgânicos. Mas, de acordo com as certificadoras internacionais, o cosmético orgânico tem de ter em sua formulação no mínimo 95% de ingredientes de origem natural e 10% orgânica. Além disso, na composição não pode haver parafina, parabeno, silicone, chumbo, cloridrato de alumínio, lauril sulfato de sódio, EDTA, óleo mineral e outras substâncias comuns na indústria convencional. “Parafina, parabeno e silicone são sub produtos do petróleo e podem causar envelhecimento precoce”, diz Ananda. Os produtos da Alva têm a certificação Ecocert, selo mundial, e como se pode imaginar, não são testados em animais.

Alva

O desodorante orgânico deixa a pele transpirar e só combate o mau cheiro.

O cloridrato de alumínio, que a Alva não usa, é um dos atrativos dos desodorantes tradicionais por ser um antitranspirante, ou seja, ele impede que o suor seja liberado pelo corpo. Segundo Ananda, este efeito estético e social — já que tendemos a associar suor nas axilas à falta de higiene — pode ter implicações de saúde. “Suar é umas das formas de eliminarmos toxina. Se elas voltam para o corpo pelas glândulas mamárias podem causar foliculites, nódulos e até doenças mais sérias”, diz.

Os desodorantes da Alva Brasil não têm antitranspirante e funcionam apenas como bactericida: eliminam o mau cheiro, mas não o suor. O preço é quase cinco vezes maior do que a versão da indústria convencional (entre 49,90 e 54,90 a unidade) mas, por incrível que pareça, eles são os produtos mais vendidos da marca. Já a linha para pele, que inclui também maquiagem, é feita com bases vegetais, de óleos e manteigas.

Boa parte do trabalho da Alva Brasil é justamente explicar quais as diferenças dos seus produtos. Como a maior parte de seu faturamento está no atacado — 60% das vendas vêm de lojas de produtos orgânicos, de cosméticos convencionais e farmácias de manipulação e os 40% restantes da loja online AlvaStore —, Ananda teve de fazer um trabalho amplo de conscientização. “Tinha loja que comprava nosso produto e não sabia vender. A gente teve que treinar o vendedor, o proprietário, criar o conceito nos lojistas para conseguir atingir o consumidor final”, conta.

PROFISSIONALIZAR PARA CRESCER

O primeiro lote de importação da Alva Brasil, em 2011, tinha 300 itens. No começo deste ano, o pedido foi de 2 000 itens. Em agosto, 5 500 e, dois meses depois, o estoque zerou e ela encomendou mais 6 500 produtos. Este boom se deve, de um lado, ao crescimento do mercado de orgânicos e à fidelização dos clientes. Mas, de outro, a um plano de negócios feito por profissionais contratados para reparar os erros de meses em que não havia dinheiro nem para fazer importação.

“Até 2012, foi uma loucura. Peguei dinheiro emprestado de pai, mãe, irmão, fiz empréstimo no banco. Eu centralizava tudo, não sabia delegar”

Hoje, oficialmente Ananda é responsável apenas pela área comercial e pelas redes sociais. E também um pouco pelo financeiro, importação, lojistas, loja online, SAC… Bem, a verdade é que ela ainda está aprendendo a delegar. Para ajudá-la, a mãe, Maria Angélica, 55, entrou para o time e cuida de sua agenda, além de ser responsável pelo bem estar dos funcionários — ela faz o almoço na sede, com alimentos da horta local. “Uma empresa de orgânicos geralmente se preocupa com que toda sua cadeia seja sustentável. Na Alemanha é 100% e aqui fazemos o melhor que podemos”, diz Ananda.

Completam a equipe Sabrina Soares, 20, no financeiro; Ana Camila Wendt, 20 e no operacional e na loja online e Tatiana Abelantado, 38, gerente de importação, ex-sócia e melhor amiga de Ananda. Foi ela a dupla no começo e, após dois anos afastada, voltou há um mês para o empreendimento. As quatro trabalham na sede-edícula em Joinville.

No ano passado, Ananda esteve na Alemanha para o lançamento de uma linha da Alva na qual ajudou na formulação. Chamada Sensitive, é feita com óleos vegetais mais leves, mais própria para a pele do brasileiro. Ela participou dos testes de consistência.

Há um ano, a empreendedora se mudou para São Paulo, onde pretende abrir a primeira loja física no ano que vem, e tem uma agenda ativa na cidade. Participa de eventos como a Virada Sustentável, o Festival de Gastronomia Orgânica do Parque de São Paulo, no parque da Água Branca (já é seu quarto ano) e tem um estande na feira de produtos orgânicos do Ibirapuera, todos os sábados. Há dois meses concilia a agenda com a vida de casada. O marido, Fábio Augusto Aziz Obaid, 30, trabalha com automação mas ajuda na Alva quando precisa — parou de fumar e está se alimentando melhor, diz a esposa.

Neste momento, a Alva Brasil se paga mas reinveste todo dinheiro que entra. No novo plano de negócios há metas mensais e espera-se que ano que vem haja lucro de 40% sobre as vendas. “Eu não tinha muito conhecimento sobre planilhas de custo”, diz Ananda. “Hoje sei que para abrir uma importadora de cosmético são necessários 300 mil reais de investimento. Isso considerando os quase 200% de imposto cobrados antecipadamente pela Receita Federal, inerentes a quem entra no ramo de importações. Ainda assim, está valendo a pena.” O faturamento deste ano está na casa dos 500 mil reais e já bateu em 50 mil o do ano passado.

Conhecendo Ananda, é fácil acreditar que essas metas serão batidas. A Alva Brasil, inclusive, não foi seu único empreendimento. Durante os três anos que a empresa ficou parada esperando o registro da Anvisa, ela entrou em dois outros negócios: importação de roupas íntimas masculinas e de bolsas de couro de tilápia (que em vez de ser jogado no lixo, era vendido para a fabricação de bolsas). Ainda que não falassem ao coração, como a Alva Brasil, ambos deram retorno financeiro. “Paguei muita coisa da Alva vendendo cueca”, conta, aos risos.

draft card alva

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