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“Aproveite mais a viagem, olhe mais em volta”

Phydia de Athayde - 27 maio 2015 Gus Diament, do Spotify
Gus Diament, do Spotify
Phydia de Athayde - 27 maio 2015
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Se você usa Spotify e o seu “favoritos” é uma bagunça, não se preocupe. O iPhone do diretor geral de América Latina do Spotify também é uma salada. E tudo bem. Gustavo Diament, ou Gus, tem 43 anos e está feliz da vida com as novidades que descobre via aplicativo, que ele usa desde antes de se tornar diretor da empresa.

O Spotify comemora hoje um ano de Brasil. Apesar de não divulgar o número total de usuários no país, informa que mais de 11 milhões de playlists já foram criadas por brasileiros, que ficam em média 104 minutos por dia na plataforma em planos de uso gratuitos ou pagos (estes, sem propaganda).

Quando não está no México, onde passa uma a cada cinco semanas, nem outras viagens internacionais, Gus pode ser encontrado na sede da operação brasileira do Spotify, um escritório moderno, na Vila Madalena, em São Paulo, onde trabalham 30 pessoas. À beira do jardim onde rolam os happy hours, ele recebeu o Draft para a longa conversa sobre a vida e o trabalho que inaugura esta nova seção no nosso site — “Entrevista Draft”.

Gus fala bem, revisita o que disse e, sozinho, resume suas ideias. Hábito de quem está acostumado a liderar e inspirar equipes. Em 20 anos de carreira no Marketing, ele passou por Unilever (de trainee a diretor de inovação regional), AOL (diretor sênior de Marketing), Diageo (diretor de Marketing de Smirnoff e VP global de Marketing de Rum), Nextel (VP de Marketing) e Claro (diretor-executivo de Marketing e Estratégia) antes de tornar-se diretor geral do Spotify, em setembro de 2013.

Ele é magro, alto, tem olhos claros e o cabelo sem gel e sem corte. Não costuma fazer a barba, veste-se informalmente e está sempre com meias coloridas ou listradas (ele e filha, Nina, de 10 anos, são fãs de uma marca que as vende três em três, unmatched). Gus tem bem o estilo de gestor de startup, categoria que pode se aplicar ao Spotify, que apesar de estar em 58 países e ter valor estimado de 8 bilhões de dólares, é uma empresa da nova economia, em estágio pré-IPO e com menos capital de giro do que as gigantes por onde Gus passou. Ao assumir a Claro, por exemplo, ele tinha uma equipe de 300 pessoas e 700 milhões de reais de budget.

Se a abundância de recursos deixa saudade, a rigidez e a hierarquia ele dispensa. Gus conta que, na América Móvel, era praxe chamar as pessoas pelo título, “licenciado Fulano”, “engenheiro Beltrano”, e ele brincava que se um dia encontrasse Carlos Slim, ia pedir para ele chamá-lo de “engenheiro Gustavo” — o que ele de fato é. Gus formou-se em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (MG).

Escolhera a carreira pela nobreza da missão de ajudar o mundo a produzir mais e melhores alimentos para as pessoas do planeta. Não foi exatamente o que encontrou no curso, e estava disposto a seguir outro caminho depois de formado. No último ano, um amigo lhe entregou fichas de inscrição para o programa de trainee da Gessy Lever, que Gus preencheu com extremo cuidado e atenção, mas sem nenhuma expectativa. Fez um “x” em Marketing sem parar muito para pensar, achando que era propaganda. “Nunca achei que minha missão no Marketing tinha algo de nobre como o que achava no meu intento de ser engenheiro de alimentos”, diz.

Mas, quem diria, a questão dos alimentos acabaria voltando. Do último ano para cá, ele vem querendo fazer coisas em paralelo, que não são modelos de negócio, para devolver à sociedade um pouco do que recebeu. “Tenho um projeto que é na área da alimentação. Hoje de 25 a 40% do alimento do mundo é jogado fora. Minha questão está por aí. Mas ainda está muito embrionário”, diz. Por outro lado, a missão que tem, no Spotify, o deixa bem satisfeito: “Levar música para todo mundo, grátis, acabando com a pirataria, é muito legal. Escutar música não é um dos global great challenges (risos), mas fazer as pessoas ouvirem mais música está muito ligado a bem estar, a conceitos positivos de saúde”.

Segue o papo:

Você passou por corporações tradicionais e agora está num expoente da nova economia. Como isso aconteceu?
Tive a sorte, e foi pura sorte, de nunca de imediato trabalhar com um produto core nessas empresas. Na Gessy Lever, trabalhei com Seda, que estava morrendo e tinha 3,5% de share. Participei do lançamento depois fui gerente de inovação numa situação em que podia arriscar muito. Não era Omo ou Johnny Walker, que tem trinta decisores para qualquer mudança mínima numa embalagem. Depois, pela Unilever eu estava vivendo em Nova York e recebi uma proposta de ir para a AOL. Entrei em 2001 e a missão era reerguer a companhia então, de novo, tinha muita possibilidade de criar do zero. Com Diageo, a mesma coisa. Smirnoff estava perdendo mercado, com times regionais fracos e todo o lançamento feito no Brasil. Lembro em seguida me ofereceram para cuidar de rum lá fora e falei pro presidente: “Poxa, me manda embora, né?”. Fui ver o que era e, de novo, uma marca perdendo força. De novo, muito espaço para criar. A Nextel era uma marca challenge total do mercado, podendo arriscar e fazer coisas que as grandes não podiam. Então sempre existiu muito essa veia de empreendedorismo, de fazer coisas diferentes.

Você sabia que tinha uma vocação para inovar ou descobriu pelo caminho?
Os desafios me fizeram assim, e percebi que gosto. Não vou ser feliz tendo que compartilhar cada decisão com quarenta pessoas e, no fim, nada é mudado porque o risco é muito grande.

Tenho a absoluta certeza de que os modelos de inovação mais exitosos são os que não começam pelo core. Existe muito inimigo à inovação no core, existe muito a perder.

O que dá saudades das empresas grandes?
Muitas coisas. Lá tem grana, tem gente, tem colo (risos). Lá você tem o telefone vermelho do Batman, sabe? Você chama e a SWAT vem. Aqui, não. Há também a questão de gestão, de processos, que às vezes faz falta numa startup, porque é tudo muito caótico. Tudo que sei de gestão, comportamento do consumidor, insight, posicionamento de marca, aprendi na Unilever e na Diageo. Tem coisas ótimas nas grandes empresas.

Qual é a sua principal missão no Spotify?
A meta da empresa é levar a música para todo mundo, grátis, remunerando os artistas. Me identifico muito com esse propósito. O meu propósito pessoal acaba tendo muito a ver com o da empresa. Fiz um trabalho extenso de coaching sobre o meu propósito. Isso, na época da Diageo, que é uma grande escola. Durou dois anos, eu morava na Inglaterra e tinha encontros semanais com a coach. Foi um processo de autoconhecimento muito legal e que está totalmente ligado ao trabalho. Meu propósito tem a ver com duas coisas: deixar um legado e dar asas para os outros, criar condições para os outros voarem. No Spotify eu consigo, pelo menos potencialmente, exercer muito isso.

Você enxerga este legado sendo construído?
Quero, de verdade, que as pessoas se lembrem de mim como alguém que era presente, que sabia escutar, que sabia ajudar as pessoas a realizarem mais, a desatar os nós que elas tinham. Falando de mercado, o legado tem que ser o Spotify chegar na mão de todo mundo e dar música grátis, remunerando a indústria. É um legado de ajudar a reconstruir uma indústria que derreteu no mundo todo a partir do Napster.

Como a hierarquia é necessária numa empresa?
Nunca comprei hierarquia, tinha muita dificuldade, por exemplo, na América Móvel, porque quando entrava o presidente as pessoas se levantavam. Eu não vou levantar, né? Nem na minha escola tinha isso… Mas hierarquia depende da cultura. O México é um país mais hierárquico. Lá, com hierarquia as coisas andam mais rápido. Eu não sou hierárquico, procuro fazer as perguntas certas e apontar o caminho. Mas o que precisa ter é governança.

Numa startup a governança é muito etérea, faz falta saber qual é o papel de cada um no processo.

Até pela maneira como a gente cresce, dobra todo ano, a governança é um negócio muito fluido. Não acho que devamos nos engessar, como numa Unilever, mas às vezes faz falta saber quem toma determinada decisão. Se eu sei, sei a quem influenciar. Às vezes, numa startup, não se sabe quem decide.

Qual é o sentido e a necessidade de ter um escritório hoje em dia, e o que você pensa sobre home office?
O modelo híbrido funciona totalmente e é super bem-vindo. Não acredito no home office como a forma única de trabalho. Tive essa experiência no México e as pessoas entenderam errado, resolveram trabalhar em casa 20 dias por mês. Tive que cortar, porque quando isso começa a acontecer, a relação entre as pessoas fica muito transacional, só na reunião, só no call, sendo que as grandes decisões, os grandes insights, acontecem na cerveja no fim do dia, no andar para o almoço, no café, no banheiro. Sou contra o trabalho remoto porque cria uma cultura de cavaleiros solitários em que cada um tem um objetivo, cada um vai para um lado, e não se somam esforços. Mas sou totalmente a favor de um modelo híbrido, onde as pessoas têm flexibilidade de chegar e sair a hora que quiserem e têm flexibilidade para trabalhar de casa.

Fachada estilizada do prédio onde fica o escritório do Spotify, em São Paulo.

Fachada estilizada do prédio onde fica o escritório do Spotify, em São Paulo.

Que virtudes você procura nas pessoas para formar suas equipes?
(pensativo) Capacidade. É importante ter gente capaz de aprender, de fazer, independente de ter experiência anterior no tema com o qual vai trabalhar. Integridade é outra, e tem a ver com valores, com transparência. É a pessoa que vai falar o que eu preciso ouvir, não o que quero ouvir. Muitas vezes significa tomar posições difíceis, e isso para mim é importante. E autonomia. Gente que vai e faz, que vai e resolve. Tudo isso é mais importante que experiência, que títulos.

Como atrair e motivar os talentos da geração Y e os millennials?
Gosto de lembrar de 2008, quando a crise do subprime explodiu nos EUA. Naquele momento, não tinha mais geração isso ou aquilo, tinha gente boa e gente ruim. Na Nextel, eu tinha uma equipe de 200 e poucas pessoas, todos millennials, o que aprendi a chamar de “geração miojo”, porque querem tudo em três minutos, a promoção, o sucesso, né? Mas há uma questão de saber trabalhar com eles, e errei na dose, no começo, porque fui muito paternalista. Não minimizo o fato de que é diferente trabalhar com essa geração, mas existe um exagero. Quando eu era trainee na Unilever, virava noites ao lado de uma impressora formulário contínuo porque o papel não podia enroscar e nunca falei “não vou fazer esse trabalho”.

Acho que o prato tem que ter carne, sim, mas também tem osso. Meu prato ainda tem muito osso. A gente tem que fazer coisas que não gostaria.

Na Nextel, funcionou chamar as pessoas para um offsite, dizer que a gente ia prepará-los o melhor possível para a batalha, mas que telefonia era uma guerra mesmo. Ensinamos as competências e estipulamos os comportamentos que eles precisavam ter. Um deles era “make it happen” — eu queria que fosse “chega de mimimi” — os outros eram “trust each other”, “be humble”, “have fun”. E funcionou. Trazendo para o Spotify, todo mundo é muito jovem e tem muito osso no prato, mas também tem carne. Já aconteceu de algumas pessoas explodirem, e com razão. Eu tenho 43, e a média de idade na empresa é 31. Com a geração de 28, 29 anos, entendo que, para realmente motivar e inspirar, o nível de engajamento pessoal com eles tem que ser maior. É genuíno, não tenho problema com relacionamento, mas para mim antes existia um limite na empresa, que hoje está muito mais elástico.

Como administrar conflitos internos no time?
O Spotify tem uma cultura de vertical, adotada do Silicon Valley. É um modelo interessante porque é muito ágil, mas que acaba gerando um problema de falta de colaboração entre as áreas. Defendo não ter isso na América Latina, para que as pessoas tenham um senso de pertencimento a uma estrutura local tão grande quanto têm na vertical. A gente tem conseguido. Para ser bem franco, mais no Brasil do que no México. Uma exemplo é a nova campanha de marketing do Spotify. A gente poderia ter usado o modelo tradicional, em que a pessoa de Marketing faz tudo sozinha e no final torce para as outras áreas ligarem para aquilo. Mas aqui, desde o começo, todas as áreas trabalharam juntas e todo mundo é pai da campanha. Áreas que teoricamente não trabalham juntas Relações Públicas, Social, Marketing, Conteúdo (que é a curadoria de música) e a área de Label Relation (que é a de relação com artistas e gravadoras). Outras se envolveram também, mas essas trabalharam hand-to-hand nisso.

Hack Week do Spotify em Nova York: todos param durante sete dias para trabalhar em projetos 100% novos.

Hack Week do Spotify em Nova York: todos param durante sete dias para trabalhar em projetos 100% novos.

O Spotify também promove o Hack Week, uma semana em que todos trabalham em outras áreas. Como funciona?
Acontece uma vez por semestre. É um lance que tem o apoio total da alta liderança. As pessoas são estimuladas a encontrar um tema, um grupo, a colocar o aviso de “estou em reunião” nos emails e a trabalhar de segunda a sexta nessas novas ideias. Não é só em tecnologia, é em todas as áreas. No último Hack Week trabalhamos numa proposta de integração de sistemas para um grande cliente da área financeira no Brasil.

Como o Spotify olha para a diversidade?
Diversidade é um dos valores do Spotify, no sentido de nacionalidade, de cultura, de orientação sexual e de gênero, que é a que está em mais evidência porque tem áreas que atraem naturalmente mais homens. Na América Latina a gente não tem essa questão, está mais balanceado, mas não reflete a empresa. A gente faz muita coisa, cria um ambiente fantástico para mulher, como a flexibilidade para poder cuidar de um filho, mas ainda não comunicamos isso direito, não colocamos nos nossos job descriptions. Nossas executivas não fazem parte de fóruns e grupos de mulheres. Agora estamos trabalhando com duas delas, para que comecem a falar em eventos representando o Spotify. Outro exemplo é que temos um budget semestral para team bounding. Da última vez, fomos jogar boliche. Foi legal, mas será que foi a melhor coisa, pensando em homens e mulheres? Acho que a gente não vai jogar mais boliche. Vamos fazer outra coisa. Vamos pensar na inclusão das mulheres.

Como é a sua rotina?
Acordo cedo, vou na academia, ou levo minha filha na escola. Banho, sempre gelado. Twitter e email. Aí começam as reuniões, calls. E tem algo que faço sempre, e acho importante, que é deixar na minha agenda uma hora para falar com as pessoas. Sem marcar antes, mas tem que acontecer. Com a Rocio (Marin, Head de Comunicação), com o Fabrício (Constantino, Partner Account Manager AL), com o Thiago (Pagliuso, Diretor de Vendas Brasil). No mínimo uma hora. Pode ser mais, mas não pode deixar de acontecer essa uma hora. Se não, o dia a dia te suga, você para de fazer. Não é artificial, mas tem que lembrar.

Quantas horas por dia você trabalha?
Ou pela terapia, ou por levar minha filha na escola, acabo acordando cedo e chegando cedo, então tem dado de 10 a 12 horas por dia. Não moro com a minha filha, mas a levo para escola duas vezes por semana.

Você pratica algum esporte ou atividade física?
Acabei de machucar o joelho, mas estava alternando esteira, bicicleta e transport, pelo menos uma hora, quarenta minutos, ou natação. Estava nesse ritmo seis vezes por semana. Já fui de acordar tarde e dormir tarde, mas neste último ano estou fazendo as coisas mais cedo.

Como você equilibra as necessidades da vida pessoal e profissional?
O Spotify é incrível, te dá essa possibilidade. Posso montar minha agenda para buscar minha filha na escola e almoçar com ela se quiser. Este ano estou viajando muito. Já fiz dez viagens internacionais, mas é raro não voltar para o final de semana. Em outras empresas, eventualmente essa relação era mais difícil, eu recusava reuniões às nove da noite e era questionado. Aqui a gente se esforça ao máximo, mas existe a vontade de criar um ambiente integrado, onde você pode vir para o trabalho com o cachorro, se precisar. As pessoas precisam de tempo para elas e empresa entende isso. Se está dando resultado, tudo bem. Aqui valoriza-se o trabalho entregue.

ZAZ, a banda francesa que Gus descobriu... no Spotify.

ZAZ, a banda francesa que Gus descobriu… no Spotify.

Você tem tido tempo e regularidade para estudar?
Este ano decidi que ia formalmente voltar a estudar, e já me dei uma semana na Singularity University. Fiz o Executive Program, um curso de uma semana, que estuda tecnologias exponenciais e seus impactos na nossa vida, é fantástico. Outra coisa é que, como tenho acordado cedo, me dou sempre uma meia hora, quarenta minutos, para ou ler algum livro (estou lendo o Exponencial Organization) ou para ler quem eu sigo no Twitter. Não sigo bobeira no Twitter, sigo gente que entende de tecnologia, de temas que me interessam. Tenho lido muito o GrowthHackers, que fala de cases de sucesso, e muitos de fracasso, de organizações que querem crescer. Adoro. Tem outros como o MIT Tech Review, The Guardian, The Independent, Financial Times. Chris Sacca, adoro esse cara, ele é muito legal. Vou abrindo e indo. É minha fonte de informação. Não vejo televisão há mais de 10 anos.

De que outras formas você consome informação?
Quase só no Twitter. Cansei da mídia convencional. O modelo da mídia é o modelo da notícia ruim, né? Não curto. Sigo o perfil do Estadão, mas perco muita coisa. De Lava-Jato eu parei de ver quando o carro estava entrando na primeira espuma. Não muda nada a minha vida, fica uma espiral negativa que realmente não acrescenta nada. Uso o Facebook Messenger com meus amigos. Além disso, gosto de olhar o Facebook para ver o que as marcas estão fazendo, então dou uma passada diária. Em 15 minutos, meio que tenho o headlight de tudo que está sendo comentado.

Qual é o seu livro de cabeceira?
Estou lendo The Rise, sobre sucesso, fracasso, tecnologia. Tem um livro muito interessante, Sleights of Mind, que fala de como a mágica trabalha com o mundo que a pessoa quer enxergar.

Você lê no papel?
Tenho Kindle, estou na quarta versão, mas ele quebrou e peguei o papel de novo. Me conectei com o papel, está difícil voltar para o Kindle. É uma coisa estranha, porque tenho Kindle há muito tempo. Leio escrevendo, anotando, e me voltou a facilidade de escrever, anotar no papel.

Que filmes você gostou ultimamente?
Acabei de assistir Imitation Game (O Jogo da Imitação), maravilhoso. Antes dele, gostei de Man, Woman and Children (Homens, Mulheres e Filhos, do Jason Reitman), que fala de tecnologia. Vejo sempre no avião, que é quando não tem telefone, nem internet, então aproveito.

Em que momentos do seu dia você ouve música? O que gosta de ouvir?
De manhã no banho, à noite no banho. Muito no avião, sempre no carro. O Spotify, que eu uso há uns três anos, me fez voltar a ouvir música. Meu gosto musical tinha parado na Legião Urbana, U2, Rolling Stones e Pink Floyd. Não fui um cara do iTunes, então sem o CD, fiquei sem música. Hoje acabo curtindo de tudo. Gosto de uma banda francesa chamada ZAZ. O que acontece? (abre o Spotify, no iPhone 6 “de velho, tela grande mesmo”) Vou colocando o que gosto no meu Favoritos, porque não tenho tempo de organizar, e virou uma salada. Esses caras chamam Say Hi (coloca para tocar e vai navegando no Spotify enquanto fala). Comecei porque foi uma recomendação do algoritmo, e eles são demais. Tem Gogol Bordello. Você já ouviu Ronnie Von, dos anos 60, Cavaleiros de Aruanda? Então! Estou escutando de tudo. Não tinha ideia que o Ronnie Von era tão louco. Elvis tem uma música chamada In The Ghetto, que é maravilhosa. Tem Adriana Calcanhoto. Estou escutando música russa! Ochi Chyornye, que é Dark Eyes, uma música russa que ouvi num show e reconheci porque meus avós vieram da Polônia. E tem Edith Piaf, tem de tudo, é uma bagunça, mas eu adoro.

Você tem alguma rotina espiritual, religiosa?
Andar de moto. É o momento em que estou comigo mesmo e me sinto conectado com algo maior. Mas é na estrada, então não é uma rotina diária. Já fui para Ushuaia, daqui para o Atacama e voltei, já cruzei os EUA, já fiz África do Sul, Namíbia. Há anos migrei da Harley Davidson para a BMW. Tenho uma GS 1200 Adventure. Este ano, devo ir para Cuzco. Mas não precisa ser viagem longa. Na Páscoa, fui de moto até Maresias encontrar meus amigos para andar de barco. São momentos em que você fica só um pontinho na estrada, fica pequenininho, e vê a real dimensão das coisas. Isso é importante. E tem a minha filha. Quando estou com ela, entendo que existe algo mais. Ela sempre me ensina a ser alguém melhor.

Pegar a estrada de moto é uma meditação para Gus Diament

Pegar a estrada de moto é uma meditação para Gus Diament, do Spotify

Você já fez, ou faz, algum trabalho voluntário?
Doo há algum tempo, para algumas instituições que acho que fazem um trabalho muito legal. Já fui falar com jovens carentes sobre carreira, durante uns dois anos, na época da Nextel, mas parei por falta de tempo. Ainda dedico poucas horas para trabalho voluntário e vou dedicar mais. Acho que já comecei, com esse projeto ligado ao desperdício de comida. Mas não posso falar muito ainda. É o projeto que construí na Singularity University e estou conversando com gente daqui e de fora, para tentar alguma coisa.

Como você imagina estar daqui 10 anos?
Essa pergunta não tem eco em mim. Lembro que quando assumi como VP da Nextel, com 38 anos recém cumpridos, um estagiário falou que se identificava comigo e que também ia ser VP antes dos 40 anos. Eu achei aquilo uma besteira, tentei dissuadi-lo desse objetivo, desse final, do end game. O que interessa é a jornada. Quero estar aprendendo. Onde, não sei.

O que mais você quer que continue?
Quero estar trabalhando com um grupo de pessoas tão incríveis quanto as com que trabalho hoje, e quero estar podendo gerar o mesmo impacto que eu gero na vida dessas pessoas e da sociedade, onde quer que eu esteja. Se tiver isso, estou feliz.

Para finalizar, o que você diria a si mesmo aos 29 anos?
“Se leve menos a sério.” Sempre fui muito comprometido, com estudo, com trabalho, e querer mudar as coisas que eu achava erradas sempre gerou um nível de stress, de tensão, de conflito, muito alto. Percebi que não vale a pena. Não que não valha a pena você brigar pelo que você acredita, mas tem um limite. Então continuo tão comprometido quanto eu era, até mais. Mas tem coisas que fogem ao meu controle. Se elas fogem ao meu controle, por que vou perder uma noite de sono? Vambora. Quando eu era mais jovem, queria lutar por tudo, era muito perfeccionista. “Cara, luta pelo que vale a pena”. Não precisa estar tudo perfeito nesse momento. E tem o jeito de lutar também, tem o jeito e o momento certo. Às vezes a melhor hora não é aquela. Baixe a bola, talvez dali um tempo apareça uma oportunidade melhor para defender seu ponto de vista. E também aprendi a não adjetivar as coisas. Algo pode ser ruim, mas depende do que você vai fazer disso. Eu me levava muito a sério, queria resolver tudo, era mais tenso. Então, o conselho que daria é: “Aproveite mais a viagem, olhe mais em volta”.

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