Campus Party Brasil – o melhor do dia #2

Kaluan Bernardo - 6 fev 2015
Palco Lua, focado em empreendedorismo, na Campus Party Brasil.
Kaluan Bernardo - 6 fev 2015
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De volta a mais um dia de Campus Party, é curioso notar como bastam apenas algumas horas fora do evento para você ter a sensação de que perdeu coisa demais. Ao mesmo tempo, tudo continua muito parecido.

As filas imensas por amostras grátis, o ocasional “ÔÔÔÔÔÔ” que as pessoas aleatoriamente
gritam juntas (seis edições depois ainda não sei se há algum sentido aí), a galera virada após as noites de jogatina, as várias palestras acontecendo… aí estão algumas das típicas marcas da Campus Party.

É legal observar como a área aberta da Campus está mais rica no geral. Os patrocinadores e seus stands parecem mais focados e com atividades interessantes, como a batalha de robôs da Submarino, ou o iglu do Sebrae, que trouxe muita gente importante do ecossistema empreendedor nacional.

Inclusive, a área das Startups & Makers, por exemplo, apesar de estar um pouco mais apertada, parece bem mais organizada e chama a atenção de muitos curiosos. É sempre surreal pensar que, em cada mesinha ali, há uma empresa – e são 200! Se um décimo delas tiver sucesso em um futuro próximo, há ali pelo menos 20 empresas que se tornarão multimilionárias.

Logo no início da tarde é fácil observar que o palco Terra chega a um de seus momentos mais lotados e efusivos. Paul Zaloom, d’O Mundo de Beakman, está lá fazendo sua apresentação bem humorada com doses de ciência. Os mais nostálgicos me perdoem, mas não é da minha época (ou se era, não acompanhei), então eu pulo.

Algum tempo depois, escolho assistir a palestra de Gary Whitehill. Para ser sincero, não o conhecia, e ele me parecia mais um desses gurus do Vale do Silício repetindo discursos sobre empreendedorismo. Felizmente, eu estava bem enganado. Whitehill tem uma visão um tanto interessante sobre o assunto. Criador do evento Entrepreneur Week, e advisor de vários conselhos de empreendedorismo, como o da Dell, ele conhece o assunto.

Sua palestra começa fazendo alusão às teorias de Joseph Campbell, um dos maiores mitologistas da história. Whitehill pega uma de suas teorias, “A Jornada do Herói” e compara o herói com o empreendedor:

“O empreendedor e o herói, basicamente, são apaixonados pelas mesmas coisas: fazer a diferença e mudar o mundo”

Campbell mostra como todo herói aceita um pedido especial, deixa a segurança para trás, entra em mundo desconhecido, enfrenta desafios, vence seu maior medo, passa por uma grande crise, renasce, conquista seu tesouro e retorna ao mundo normal, onde vive uma nova vida, com novas resoluções etc. Aplique isso à jornada de um empreendedor e verá que, de fato, há muito em comum entre Harry Potter e um cara que sai para criar uma empresa.

Gary Whitehill fez uma comparação bacana entre a Jornada do Herói e o empreendedor.

Gary Whitehill compara a Jornada do Herói à do empreendedor e fala de conceitos para um negócio ser bem sucedido: cultura, processos e conhecimento.

E é claro que há conceitos importante para um empreendedor ser bem sucedido. Segundo Whitehill tudo gira em torno de três pilares que se retroalimentam: cultura, conhecimento, e processos – sem eles, você não chega a lugar algum.

A cultura é a fundação de tudo, sem ela você perde qualquer liberdade. E ela te leva diretamente ao seu propósito, sem o qual você perde qualquer motivação.

“Você precisa ter seu propósito intrínseco na sua cultura. As pessoas focam demais no dinheiro, mas isso não importa para nada – pelo contrário, te faz falhar”, diz o palestrante.

Além de propósito, Whitehill acredita que a cultura de uma empresa bem sucedida ainda passa pela cooperação de toda equipe, que deve estar alinhada ao propósito; pela visão, que te torna um ímã que atrai o que você busca; estratégia, que é imutável e traz seu foco; tática (essa sim mutável), e que busca a eficiência; e empoderamento aos seus funcionários, para que eles se tornem cocriadores.

No caso dos processos, basicamente, o importante é focar no que é necessário. “Michelangelo dizia que buscava a perfeição simplesmente retirando o que não era relevante, o que era desnecessário”, conta. Na sequência, ele traz o que acredita serem os “7 P’s da inovação”: Product, price, promotion, place, people, proccess, profits.

Para Whitehill, há ainda cinco estágios no desenvolvimento de modelos de negócios: desenvolvimento de produtos, validação de produtos, validação do modelo de negócios, aceleração do modelo de negócios, maturidade do modelo de negócios. No entanto, no que se vende por aí, as pessoas negligenciam essas quatro primeiras etapas e acreditam que só existe o modelo de negócios maduro. “Ele não é o início, como muitos defendem, mas sim algo que surge no fim do processo”, diz.

Para o palestrante, o empreendedorismo é a chave da mudança dos paradigmas mundiais. Ele é a única forma de resolver todos os problemas enfrentados pelo planeta. Para ele, “desenvolvimento econômico significa muito mais do que apenas criar empregos – é parte de uma jornada de nos descobrirmos quem nós somos como seres humanos”.

Saio de lá ainda me perguntando se a comparação que Whitehill faz entre heróis e empreendedores é exagero ou realidade. Me direciono ao palco Lua, onde vai começar um debate sobre empreendedorismo feminino. Na mesa estavam Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora; Fabiany Lima, CEO da TimoKids, Timobox e Timolico; Luciana Calleti; CEO da LoveMondays; e Tatiana Pezoa, CEO da Trustvox.

O debate entre mulheres empreendedoras: o desafio de superar a própria desconfiança para prosperar.

Fabiany Lima, Ana Fontes e Tatiana Pezoa: o desafio de superar a própria desconfiança para empreender e prosperar.

Todas concordam que, se empreender já é difícil, para mulher é muito mais. Para Tatiana, o mais difícil é lidar com o jeito diferente de pensar e agir dos homens, que dominam esse ecossistema. “As pessoas vem te analisar de uma forma, que muitas vezes você se sente como se estivesse em um lugar que o mundo acha que não deveríamos estar”, diz.

Já para Luciana, uma das maiores barreiras que as mulheres enfrentam é a da autoconfiança. “Homem tem mais autoestima para chegar na frente de uma banca e se apresentar. Temos que passar por cima de tudo isso e nos vencer, assim como devemos que superar os preconceitos.” Já assisti duas apresentações de Luciana frente a investidores e o pitch dela era um dos que mais impressionava pela confiança que ela passava, achei realmente interessante ela ter levantado esse tipo de questão como desafio.

Fabiany Lima, que além de ter três startups, atua intensamente como mentora, é divorciada e mãe de gêmeas. No entanto, esses fatos não deveriam ser associados pelas pessoas. “Minha vida pessoal não é e não deve ser conflitante com meu lado profissional, com meu potencial empreendedor”, diz. Segundo ela, o segredo para conseguir fazer tudo o que faz é o que ela chama de tempo efetivo:

“Me entrego 100% àquilo que estou fazendo. Nesse momento, por exemplo, estou aqui pensando apenas como debatedora, não estou pensando se minhas filhas tomaram banho ou escovaram os dentes”

No fim do debate, quando estavam dando suas palavras finais sobre empreendedorismo, era fácil ouvir as palavras de Whitehill ecoando, num enredo que além de heróis também tem heroínas. Para Tatiana, o mais importante, a razão de tudo funcionar para ela, era sua equipe e seu propósito. “Não sou nada sem eles”, define.

Luciana, ecoando a comparação empreendedor vs. herói diz: “Se você quer empreender, faça. Empreender é se jogar de um abismo e construir o escorregador no meio do caminho. Não dá para tocar como atividade paralela, você tem que se entregar totalmente. É a coisa mais maravilhosa e mais difícil do mundo. Portanto, quando for fazer, não faça sozinha, procure um co-fundador, com quem você sabe que trabalha bem”.

E para aproveitar todo esse processo, você sequer depende do sucesso da empresa. “Independentemente do resultado final, empreender é saber que você vai ter o maior aprendizado da sua vida, com oportunidades que em outras situações você não teria; é uma experiência de vida única na qual você tem que se reinventar todo dia”, finaliza.

Além de ser uma questão de propósito e de coragem, o novo modo de empreender é resultado também de mudanças de gerações, paradigmas e contextos. Dado Schneider, professor e doutor pela PUC/RS, publicitário com passagens por grandes agências, é um dos caras que pontua bem as mudanças do mundo. Sua palestra foi adiantada para substituir a do astronauta Reid Wiseman, que não conseguiu vir ao evento, e mandou um vídeo pedindo desculpas e dizendo que espera vir em 2016.

Dado Schneider e sua "palestra muda", na qual passa 30 minutos só trocando slides e caretas: sucesso.

Dado Schneider e sua “palestra muda”, na qual passa 45 minutos só trocando slides e caretas: sucesso.

No entanto, mesmo ocupando o lugar de um dos principais magistrais do evento, Schneider conseguiu uma audiência tão grande, expressiva e entusiasmada como a de Paul Zaloom. Ele trouxe uma nova versão de sua palestra muda, que também fez sucesso nas edições passadas da Campus Party. Nos primeiros 45 minutos, Schneider não abre a boca. Todas as suas frases aparecem em slides, que vão trocando rapidamente, enquanto tocam músicas de fundo e ele dança, anda e destaca alguns trechos.

Quando começa a falar, o apresentador explica que esse é um dos recursos que ele usa para prender a atenção da plateia. “Pelo menos vocês não olharam para uma segunda tela”, brinca. Mas, segundo ele, esse é apenas um recurso limitado e que mostra como a educação precisa de novos paradigmas.

Schneider, de 59 anos, costuma acampar na Campus Party e se orgulha disso. O tempo todo ele cria discursos de proximidade com a plateia, argumentando que sua geração não está acostumada ao mundo digital mas deve se misturar mais aos jovens, pois tem muita experiência para compartilhar. Ele diz que está interessado na “digiriatria”, um neologismo de digital com geriatria.

Sua apresentação é, basicamente, uma sequência infindável de frases de efeito, que funcionam bem. Como não há como reproduzir tantas ideias aqui, mas é válido pegar apenas algumas das suas lições finais:

1) Não existe diferenciação por idade, apenas por mentalidade.
2) Não existe mundo online e offline, apenas mundo.
3) Apesar de vivermos em uma época de compartilhamento, as pessoas, paradoxalmente, são extremamente egocêntricas.
4) Mudaram os paradigmas de educação: todos ensinam e aprendem.
5) As pessoas precisam mudar as organizações de trabalho. O que adianta ser multitarefa, multifacetado mas improdutivo? No fim do dia, se produz muito pouco.
6) Profissionais completos devem ter consciência dos seus direitos e deveres.
7) Ao mesmo tempo que vemos evoluções sócio-econômicas, enfrentamos também uma involução sócio-cultural.

Schneider encerrou, arrancando muitos aplausos, a última apresentação do Palco Terra neste segundo dia. Um dia marcado por calmaria, algumas apresentações canceladas, e todo o tipo de maluquice que a Campus Party tem a oferecer.

Amanhã tem mais.

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