Mariana Castro, que assina esse texto, está lançando Empreendedorismo Criativo (Portfolio/Penguin, 199 pgs), onde conta em detalhes o case do Catarse e mais oito histórias completas sobre novos empreendedores brasileiros e seus empreendimentos criativos. Compre. Leia. Recomende.
Em julho de 2014, com três anos e meio de vida, o Catarse comemorava um feito: a maior arrecadação para um projeto de financiamento coletivo no Brasil. Com o apoio de 3 200 pessoas, a banda independente de hard core Dead Fish ganhou 258 mil reais para realizar seu sétimo disco. Até então, o livro oficial dos 110 anos do Fluminense, financiado pelo ComeçAKI era o projeto de maior arrecadação, com 206 mil reais. No mesmo dia da conquista do Dead Fish, o projeto A Lenda do Herói, o game musical dos irmãos Castro, tornava-se a iniciativa a receber o maior montante no país em apenas um dia, 38 847 reais em 24 horas.
Os recordes foram possíveis graças ao crescimento do crowdfunding no Brasil e ao crescimento do próprio Catarse, lançado em janeiro de 2011. Em seu primeiro ano, a plataforma teve 270 projetos, cerca de 15 mil apoiadores e uma arrecadação de 1,5 milhão de reais. No ano seguinte, foram 542 projetos, 37 mil apoiadores e 4 milhões arrecadados. Em 2013, 770 projetos receberam apoio de 55 mil pessoas, o que gerou 7,5 milhões de reais investidos. Em setembro do mesmo ano, o Catarse fez uma espécie de contagem regressiva para celebrar a marca de 10 milhões de reais em projetos criativos financiados por meio da empresa. Se o primeiro milhão demorou dez meses para ser conquistado, a distância entre o 9º e o 10º milhão caiu para 45 dias.
Até agosto de 2014, 150 mil apoiadores já haviam passado pelo Catarse e contribuído com 20 milhões de reais para o financiamento de 1,2 mil projetos bem-sucedidos. Quando entrou no ar, em janeiro de 2011, a plataforma apresentava cinco projetos, dos quais quatro foram financiados. Naquela época, ainda eram poucos os resultados de busca que apareciam no Google para quem digitava “crowdfunding no Brasil”.
De lá para cá, a prática do financiamento coletivo, em que pessoas contribuem voluntariamente com a quantia que quiserem para ajudar a transformar projetos em realidade, se popularizou. Mais do que isso, o uso de plataformas de crowdfunding tornou-se uma alternativa real para quem precisa de algum dinheiro no bolso para tirar uma boa ideia do papel.
Como serviço, o Catarse se propõe a fazer o meio de campo entre o autor de um projeto e quem estiver interessado em contribuir com ele. Ao inscrever uma ideia, o autor precisa responder a perguntas como “O que te inspirou?” e “Qual é o foco?”. Se o projeto for aprovado, o dono deve providenciar recompensas não financeiras para os doadores e desenhar uma estratégia de comunicação, além de produzir um vídeo em que explica do que se trata aquela ação. Todos os projetos têm um prazo de até 60 dias para atingir a meta de incentivos, que podem ser feitos por boleto bancário e cartão de crédito. O Catarse cobra uma taxa de 13% dos projetos que são bem-sucedidos. Quando a quantia não é atingida, ninguém ganha nada, nem o próprio Catarse, e os apoiadores podem escolher entre receber o dinheiro de volta ou doá-lo para outra iniciativa.
A ideia do Catarse não é original e foi inspirada no americano Kickstarter, a maior plataforma de financiamento coletivo do mundo, que neste ano já bateu a marca de 1 bilhão de dólares em incentivos. Alguns dos maiores projetos, como o relógio Peeble ou o console Ouya, receberam 10 e 8,5 milhões de dólares, respectivamente. Embora os números por aqui ainda fiquem muito distantes desses montantes arregimentados pelo Kickstarter, o Catarse obteve conquistas importantes. Sobretudo, desenvolver e adaptar a plataforma de crowdfunding ao mercado brasileiro e contribuir para a popularização do financiamento coletivo no país.
COMO TUDO COMEÇOU
A ideia de fazer uma versão nacional do Kickstarter surgiu em uma reunião entre estudantes da Fundação Getúlio Vargas, a FGV-SP, em abril de 2010. Foi na faculdade de administração que Luís Otávio Felipe Ribeiro e Diego Borin Reeberg se conheceram. Os dois não queriam fazer um estágio para depois trabalhar e seguir carreira em alguma grande corporação, com regras e hierarquias rígidas, processos engessados e muitas planilhas. Começaram então a pesquisar iniciativas interessantes de outros países que pudessem trazer e adaptar para o Brasil. Foi Luís quem sugeriu o Kickstarter.
Mais do que uma empresa, eles buscavam um tipo de trabalho que lhes permitisse um estilo de vida compatível com seus valores. A sugestão de desenvolver uma ferramenta para fomentar boas ideias e, com isso, construir uma rede colaborativa em torno de projetos criativos, era tudo que eles queriam.
Sem medo de compartilhar a ideia da empresa que ainda iriam criar, o trio queria mais era virar referência sobre o assunto e promover um fórum de discussão.
Os dois saíram atrás de quem pudesse programar a plataforma, já que tecnologia não era a praia deles. Essa foi a primeira e a maior dificuldade na construção do Catarse. O que parecia ser relativamente simples, mostrou-se uma tarefa complexa. A primeira tentativa foi frustrante. Gastaram 2 500 reais em um serviço que não deu certo. Nos meses em que ainda procuravam um programador, Diego, de São Paulo e Luís, da Europa, onde fazia um intercâmbio, estavam lendo tudo sobre crowdfunding. Como as plataformas funcionavam em outros países, qual era o modelo de negócio, onde estavam os projetos bem-sucedidos e como eles usavam as redes sociais para se conectar a outros interessados no assunto. Contavam para todos que pretendiam desenvolver uma plataforma de financiamento coletivo no Brasil e que estavam com dificuldade para programá-la.
Foi assim que conheceram Rafael Zatti, um blogueiro de Santa Maria, no Rio Grande Sul. Ele escrevia sobre crowdsourcing e acabou colocando Diego em contato com Daniel Weinmann, sócio de uma empresa de desenvolvimento de Software. Daniel morava em Porto Alegre e a primeira conversa com Diego foi por Skype. Ele também estava interessado em desenvolver uma plataforma de crowdfunding, sabia programar e se juntou a Diego e Luís. No final de 2010, a plataforma que daria origem ao Catarse estava sendo programada e entrava no ar o blog Crowdfunding Brasil, alimentado pelos três, cada um de uma cidade diferente. Sem medo de compartilhar a ideia da empresa que ainda iriam criar, o trio queria mais era virar referência sobre o assunto e promover um fórum de discussão.
Além de escrever no blog, Diego corria atrás das questões burocráticas para abrir uma empresa, que começou a funcionar muito antes de estar organizada e formalizada.
O Catarse entrou no ar acompanhado de perto por blogueiros interessados em crowdfunding e com certo destaque na mídia. A Rabiscaria, loja virtual para a produção e venda de produtos assinados por designers e artistas, foi o primeiro projeto financiado da plataforma, e arrecadou 23 mil reais. A jornalista Natália Garcia conseguiu transformar em realidade o seu Cidades para Pessoas, pedindo 25 mil reais e obtendo 25 785. Já Gustavo Carneiro fez o seu site colaborativo ajudeumreporter.com.br, para facilitar a pesquisa para a produção de reportagens, com 695 reais a mais do que os 15 mil que propôs. E com 4 mil reais, a bailarina Juliana Vicari pôde apresentar seu espetáculo de dança Pulp Dance. O único não financiado foi o projeto para a edição de um livro.
Três meses depois de estar funcionando, os sócios do Catarse uniram forças com os irmãos Rodrigo e Thiago Maia, que estavam criando uma plataforma de crowdfunding no Rio, a Multidão. Os cariocas enfrentavam o mesmo problema em relação ao desenvolvimento da ferramenta que o Catarse teve que driblar no início. Mas eram muito bons de comunicação e tinham uma rede importante de contatos no Rio. Do lado do Catarse, a área de tecnologia estava resolvida, mas eles precisavam melhorar muito na de comunicação. Resolveram compartilhar conhecimentos. A Multidão usou o código do Catarse, mas logo mais se fundiu a ele.
VAIVÉM DE SÓCIOS E MODELO DE REMUNERAÇÃO PECULIAR
A formação societária do Catarse mudou bastante desde o início. Hoje os sócios são Diego, Luís, Rodrigo Maia e Diogo Biazus, que passou a cuidar da área de tecnologia da empresa desde que Daniel se afastou do dia a dia. Thiago, irmão de Rodrigo, não é sócio, mas atua como colaborador do Catarse.
A forma da empresa remunerar os sócios é peculiar. Cada um ganha de acordo com as suas necessidades. Rodrigo, o mais velho dos três, é casado e mora em um apartamento alugado com a mulher. Chegou a receber o dobro de Diego e Luís, que moram em apartamentos da família e não precisam arcar com custo de aluguel. Embora não estivesse formalizado e nem acertado em contrato, esse foi o acordo entre eles que vinha funcionando desde a criação da empresa.O que mudou é que agora os salários são mais parecidos. Segundo Diego, a equipe do Catarse está desenvolvendo um planejamento salarial para que todos possam se organizar melhor financeiramente no médio e longo prazos.
A maior parte do faturamento do Catarse vem da comissão de 13% cobrada pelos projetos que são bem-sucedidos. Isso representa 95% do total de receitas da empresa. Os outros 5% vêm de palestras e cursos que os sócios dão sobre crowdfunding. O investimento para a criação do Catarse foi de 55 mil reais, divididos entre Luís e Diego. Durante o primeiro ano os dois não receberam salário e viveram com a ajuda dos pais. Três anos e meio depois de entrar no ar, começou a dar lucro. Hoje já é possível pagar as despesas, os funcionários e, na maioria dos meses, segundo Diego, “ainda sobra uma camadinha de lucro”. Acostumado a lidar tanto com a parte criativa do negócio como com a parte burocrática, e no melhor espírito de quem faz de tudo um pouco dentro da empresa, o sócio do Catarse autodenominou o cargo que exerce de “malabarista organizacional”.
Para dar conta de fazer a curadoria dos projetos que chegam e disseminar a ideia do crowdfunding no Brasil em palestras e workshops, a equipe de 16 pessoas deve ganhar mais dois profissionais até o final do ano. Parte dela trabalha em um espaço de coworking, localizado em uma casa simpática na Vila Madalena. A outra está espalhada por oito cidades, em três países diferentes.
CARPINDO O MODELO DE NEGÓCIOS
Embora comemore as conquistas, o Catarse sabe que ainda precisa aumentar o número de projetos bem-sucedidos que passam pela plataforma. Para isso, entre outras ações, os idealizadores criaram os Canais, ferramenta para expandir comunidades ao redor de propostas específicas e focadas no financiamento coletivo de projetos temáticos.
Os Canais formam uma área mais personalizada, em que o Catarse oferece sua estrutura e o conhecimento em fazer projetos caírem no gosto do público, mas onde há autonomia de gestão. A ideia é facilitar a construção de redes de seguidores para financiar vários projetos em torno de um mesmo tema, ao longo de um tempo. Entre eles estão O Sujeito, canal para financiamento de jornalismo independente, e Eu Maior, para a distribuição de filmes, em parceria com a rede Cinemark.
Em 2013, o Catarse realizou em parceria com a Chorus uma pesquisa sobre o retrato do financiamento coletivo no Brasil, para tentar entender melhor o perfil e o comportamento de autores e apoiadores de projetos e expandir sua rede de colaboradores.
Outra novidade é uma reestruturação na plataforma do Catarse, para melhorar a navegação do usuário, além de dar uma cara nova ao site. Segundo os sócios, a mudança deve promover um crescimento com agilidade e consistência. O que não significa crescer demais. A vontade é que o Catarse possa remunerar bem todos aqueles que trabalham ali e ser uma opção relevante para a realização de projetos criativos no país. E assim, manter o trabalho próximo ao estilo de vida que desejam para si os seus idealizadores. Sem regras rígidas, processos engessados nem muitas planilhas. Mas também sem precisar da ajuda dos pais para ir adiante.
Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo. Trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo digital. No portal iG, atuou como editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Internacional, Cidades e Educação. Atualmente é diretora da F451, que publica o Gizmodo Brasil.
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