A ideia já vem com uma torcida de nariz ou, no mínimo, um olhar desconfiado. Contar com as políticas públicas? Os empreendedores brasileiros, inspirados no modelo americano e inglês, estão muito mais acostumados a se lançarem no mundo sozinhos, contando apenas com as próprias economias, empréstimos, aceleradoras ou fundos de investimento, se derem sorte. Bobagem: o governo federal pode ser um parceiro importante.
Para mostrar o caminho das pedras, conversamos com Georgia Haddad Nicolau, 29, jornalista que conhece vários ângulos do universo do empreendedorismo. Em São Paulo, ela integrou a Casa da Cultura Digital — lendário e efervescente espaço que gerou muitos empreendimentos criativos —, e depois passou por outros projetos culturais, como o Festival Cultura Digital.Br, no Rio de Janeiro, e o projeto de open culture #OSJUBA, em Berlim.
Agora, Georgia atua na diretoria de Empreendedorismo, Gestão e Inovações da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura (MinC). Criada em 2011, a Secretaria tem como objetivo fomentar um setor que, quando o órgão foi aberto, era responsável por apenas 2,84% do PIB brasileiro segundo dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).
Por que uma Secretaria de Economia Criativa não está na pasta econômica? Ela diz que uma situação semelhante acontece no Reino Unido, onde o Conselho de Indústrias Criativas faz parte do Department for Culture, Media and Sport (DCMS), que é domínio do Ministério da Cultura e Comunicações.
“A Secretaria faz parte do Ministério da Cultura porque o objetivo é promover os negócios e os empreendedores culturais em primeiro lugar”
Georgia explica que, enquanto política pública, a economia criativa depende do direcionamento do país em que está inserida. Na Indonésia, está ligada ao Ministério do Turismo; na Tailândia, é uma agência especial implantada diretamente no gabinete do Primeiro Ministro; no Japão, é uma parte do Ministério da Fazenda.
No Brasil, a Secretaria de Economia Criativa já tem três anos de existência e ainda é um tanto obscura.
“Sabemos que o Estado ainda não faz nem metade do que deveria pelo empreendedorismo, mas estamos avançando a cada dia”
Georgia conversou com o Draft após participar do Encontro Nacional da Rede das Incubadoras Brasil Criativo, e fala com entusiasmo sobre sua equipe: “A galera que trabalha nas nossas incubadoras culturais é incrível. A maioria já empreendeu, vem do mercado criativo e busca o máximo de autonomia possível para dar agilidade aos seus projetos”.
A seguir, listamos cinco maneiras práticas do governo federal ajudar a alavancar empreendimentos criativos. Anote:
1) Conheça a Rede de Incubadoras Brasil Criativo.
É um serviço de consultoria do MinC, inaugurado em janeiro deste ano, que vai muito além do eixo Rio-São Paulo. Oito incubadoras foram abertas: no Pará, no Acre, na Bahia, no Mato Grosso, em Goiás, no Distrito Federal, no Rio Grande do Norte e em Pernambuco. A do Rio de Janeiro é um projeto estadual anterior ao nacional que existe desde 2010, e que o inspirou. A função das incubadoras é prestar assessoria prática ao empreendedor, ser uma real consultoria de negócios. E mais: o serviço é gratuito.
Nas incubadoras da Bahia e do Rio Grande do Norte, por exemplo – situadas em Salvador e em Natal – há consultorias individuais com horário marcado que dão assistência ao empreendedor que quer aprender a elaborar planos de negócios, portfólios, conhecer mais sobre fontes de recursos e captação, ter orientações contábeis e financeiras ou obter assessoria na hora de enquadrar e formatar projetos culturais.
A incubadora de Pernambuco tem um forte viés educativo e dá cursos de formação em empreendedorismo cultural e criativo, fazendo parcerias com o SEBRAE local e também com a Universidade de Pernambuco. Há eventos menos formais, como rodadas de bate-papo e debates, sempre abertos a todos os interessados. No Pará, o desafio de se locomover pelo grande estado levam a incubadora a desenvolver ciclos criativos de palestras, oficinas de formatação de projetos e planos de negócios em cidades localizadas no interior. Assim, fica mais fácil conhecer ideias que às vezes estão a até oito horas de viagem da capital Belém, ainda que no mesmo estado.
2) Se você está no Rio de Janeiro, aproveite.
O Rio de Janeiro foi o primeiro estado brasileiro a institucionalizar a economia criativa como uma política pública, em 2010. É por isso que lá, a incubadora já está em outra fase de existência e funcionamento. Localizado na Praça Onze, no Centro do Rio, o Rio Criativo é uma espécie de espaço de coworking, porém em que as empresas participantes são selecionadas por meio de edital público com duração de 18 meses renováveis.
Os projetos são avaliados por uma banca e os 16 vencedores (em concursos anuais) recebem 60 mil reais cada, para investir na empresa, que pode se instalar no espaço físico da Rio Criativo dali para frente. Além disso, a empresa recebe auxílio jurídico, assessoria de imprensa, consultoria em planejamento estratégico e modelo de negócios, serviço de recursos humanos e participação em rodadas de negócios. O espaço é superamplo e também conta com a realização de vários cursos abertos ao público.
3) Conheça o Programa Observatório Brasileiro de Economia Criativa.
Amplie seu conhecimento teórico sobre as indústrias criativas. Os Observatórios obedecem a uma demanda de produção de conteúdo sobre a economia criativa no Brasil, pois falta informação – tanto qualitativa quanto qualitativa – sobre o que existe neste setor no Pais. Existem em parceria com as universidades federais da Bahia, Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Brasília e Rio de Janeiro. Os observatórios também organizam seminários e conferências abertos ao público.
4) Fique ligado nos editais do MinC.
Parece óbvio, mas muitos empreendedores não conhecem o calendário de editais. Este ano, o MinC lançou dois programas bacanas que já foram encerrados, mas que prometem segundas fases em 2015/2016: o Conexão Cultura Brasil #Negócios e o Conexão Cultura Brasil #Intercâmbios. No primeiro, 20 empreendedores foram selecionados para participar do festival de música WOMEX em Santiago de Compostela; 20 foram para o Festival Internacional de Artes Cênicas Santiago a Mil, no Chile; e mais 20 irão para a feira de arte contemporânea ARCO Madri, na Espanha, em fevereiro de 2015. Todos receberam apoio financeiro.
No #Intercâmbios, o MinC oferece passagem, hospedagem e alimentação para empreendedores interessados em estudar ou fazer estágios em setores criativos de instituições renomadas como o Southbank Centre em Londres. O objetivo do governo é ampliar a presença de empreendedores criativos brasileiros no mundo e formar profissionais qualificados para a volta. Vale a viagem.
Acompanhar os editais é vital para pescar oportunidades. Por exemplo, hoje mesmo (4 de dezembro) acabam as inscrições para o Conexão Cultura #Plataformas, programa do MinC que oferece até 90 mil reais de financiamento para festivais, portais online, redes ou encontros que atuem para a promoção da cultura brasileira no exterior, ou que promovam a presença de produtores culturais estrangeiros no Brasil. Se quiser correr, o edital está disponível aqui!
5) Amplie seus horizontes para outras possibilidades de negócios.
“Nosso público-alvo também são aqueles que querem empreender mas não sabem como. Na minha perspectiva, os produtores de carimbó do Pará têm tanta capacidade de empreender quanto empresários de um espaço de coworking da Vila Madalena”, diz Georgia. “Se pensarmos que muitos deles são líderes comunitários, ao se fazermos um trabalho de turismo cultural, artesanato e fortalecimento da cadeia produtiva para que eles passem a se enxergar como empreendedores, isso movimentará toda economia daquela região”, afirma.
Desenvolvimento local de territórios é, para a Secretaria de Economia Criativa, uma forma de descobrir quais riquezas criativas de determinada região podem estimular a economia do País. Para o empreendedor, uma boa ideia pode ser sair do eixo mais conhecido e se aventurar por outros tipos de negócios menos comuns nas grandes cidades, como aproximação com a cultura popular, o artesanato e os setores criativos mais tradicionais e típicos da sociedade brasileira.
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