Como a DreamShaper se tornou uma startup que “ensina empreendedorismo” nas escolas

Lívia Perozim - 2 jan 2018Pedro Queiró, Margarida Coutinho, Ricardo Pimenta , André Pintado e Miguel Queimado, da DreamShaper.
Pedro Queiró, Margarida Coutinho, Ricardo Pimenta , André Pintado e o CEO Miguel Queimado, da DreamShaper.
Lívia Perozim - 2 jan 2018
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A DreamShaper é uma startup cujo principal produto é um software que ajuda alunos a desenvolverem projetos de empreendedorismo criando, assim, uma conexão direta entre o conhecimento da sala de aula e a “vida real”. Criada por portugueses (e um filho de brasileiro), a trajetória deste negócio é também, um exemplo de como quando se quer usar o empreendedorismo para transformar realidades, o primeiro passo é investir na criação de um ecossistema em que se queira atuar.

Bem antes de conceber a DreamShaper, a inquietação de Miguel Queimado o levou a criar a Associação Acredita Portugal, em 2008. Ele havia voltado a Lisboa, de onde saíra aos 18 anos para uma temporada na França, Inglaterra e Estados Unidos. Não terminou os estudos em Ciências Políticas, mas teve a sua primeira startup e, por conta dela, teve contato um novo jeito de encarar o trabalho. Ao voltar ao país natal, chocou-se. “Percebi que havia um contraste na sociedade portuguesa entre o imaginário, o sonho, e  uma passividade face à realidade. Era uma crise pior do que a financeira que passávamos”, conta. Animado com o que vira no exterior, decidiu que era possível fazer algo.

Miguel, hoje com 34 anos, reuniu um grupo de amigos da mesma geração que se tornaram voluntários da Acredita. Com a ajuda de professores de Harvard, Stanford e Georgetown, o grupo traduziu as metodologias mais usadas na criação de novos negócios (Design Thinking, Canvas, Blue Oceans) para uma linguagem simples e acessível. Em seguida, desenvolveu um software que ensina passo a passo o planejamento, a execução e a “atitude” necessárias para empreender com sucesso. O objetivo, diz ele, era mostrar a qualquer pessoa o caminho entre um sonho empreendedor e um negócio — e, assim, “contribuir para uma sociedade mais justa e dinâmica”.

Os voluntários da associação se multiplicaram e a Acredita se tornou relevante em Portugal (em quatro anos, a plataforma criada por Miguel foi usada, gratuitamente, por 100 mil portugueses e gerou diversos cases de negócio). Ele tinha desenvolvido um produto e tinha provas de que o mercado se interessava por ele. O próximo passo era — como cabe a qualquer empreendedor — descobrir como monetizar e escalar sua criação. Se você está pensando que seria uma boa ideia tornar a plataforma um serviço pago (por escolas) para alcançar milhares de estudantes, acertou: foi assim que nasceu a DreamShaper, fundada oficialmente em 2014 para no ano seguinte chegar Brasil, até hoje seu maior mercado — e para onde Miguel se mudou em seguida.

CONEXÃO BRASIL-PORTUGAL-MUNDO

A conexão inicial entre Portugal e Brasil foi feita por João Borges, 34, filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. Empreendedor, João já havia criado e vendido uma startup de soluções de saúde (a Work Well), participado da Acredita Portugal e pesquisado empreendedorismo nos Estados Unidos. Ex-jogador de rúgbi e praticante de esportes de aventura, ele chegara ao Brasil pouco antes de Miguel, em 2011, para ser diretor comercial da Stats, empresa norte-americana de conteúdo. Aqui, conta, aprendeu a negociar com os brasileiros e prospectou mercado para a DreamShaper.

Workshop de apresentação da plataforma DreamShaper em uma escola pública.

Workshop de apresentação da plataforma DreamShaper a professores de uma escola pública.

Funciona assim: o aluno entra na plataforma, propõe um projeto de negócio, que vai sendo desenvolvido passo a passo (desde o nome, área de atuação, até um planejamento financeiro) à medida que ele vai respondendo a desafios, com módulos temáticos. Há vídeos e materiais de apoio para ajudar em cada etapa. O trabalho é feito em grupo, sempre com a supervisão do professor, que atua como tutor (e tem material de apoio para isso) durante a jornada.

A startup estreou com um projeto piloto, apoiado pela Fundação Lemann (conhecida por desenvolver projetos de educação e tecnologia), e os sócios viram rapidamente o alcance e faturamento decolarem. Em 2015, 1.500 alunos da rede pública dos ensinos fundamental e médio foram impactados em sala de aula por projetos empreendedores, feitos em grupos, e que se integram ao conteúdo curricular.

Hoje, em três anos de operação, o a DreamShaper já impactou 20 mil estudantes brasileiros (15 mil em 90 instituições públicas de ensino fundamental e médio; e 5 mil em 20 instituições privadas de ensino superior), e se expandiu para o mercado das universidades privadas do Brasil, da Colômbia e do México. O faturamento, que em 2014 foi de 167 mil reais, alcançou 4,8 milhões de reais em 2017 (só no último ano, o crescimento foi de 300%).

João fala da delicada engenharia de preços, que torna seu negócio viável e ao mesmo tempo socialmente impactante: “Sabíamos que plataforma não poderia ser gratuita porque não fecharia a conta, e que a rede pública não tinha dinheiro para comprá-la. Então, propusemos esse projeto em grande escala e de custo baixo por usuário”. E prossegue: “Com um investimento privado social baixo, a gente entrega um impacto gigantesco para cada investidor”. Ele estima que a expansão na rede pública brasileira levará a DreamShaper a 1,5 milhão de alunos até 2.020.

A receita, portanto, virá de fundações e empresas — que pagam 18 reais por aluno, anualmente, para acessar o software. O empreendedor conta que a precificação varia de acordo com a escala e com o projeto. Hoje, escolas privadas de ensino superior pagam à DreamShaper 25 reais por aluno, por mês. Segundo ele, a maior dificuldade para o negócio alavancar foi monetizar o produto:

“Começar com um produto que a gente sabia que tinha valor, mas não sabia como monetizar, não foi o melhor caminho. O ideal seria já ter gente pagando, o que mostra o valor, para aí sim ganhar em escala”

Mas o aprendizado se faz caminhando. Com o apoio da Lemann, fundações internacionais, como a ONG holandesa Porticus, e empresas como a atacadista Martins e a EDP (de energia), se juntaram à Lemann para comprar as licenças destinadas a escolas públicas da região de Uberlândia (MG), do Espírito Santo e de São Paulo.

Segundo João, 75% da receita da DreamShaper vem de fundações, institutos e investimentos social privado e 25%, de clientes privados. “Essa é uma balança que está mudando aos poucos e está nos levando a expandir para o ensino superior privado. O revenue social é importante, e o impacto social é prioritário para DreamShaper. Mas sabemos que o revenue de clientes privados é mais bem-visto por investidores”, afirma.

O DESAFIO DE ESCALAR, ABRIR PARA INVESTIMENTO E NÃO PERDER O FOCO

O negócio começou com o investimento de 300 mil euros amealhados entre os três fundadores: João Borges, Miguel Queimado e Pedro Queiró. Agora, com mais dois sócios, também portugueses, a DreamShaper negocia uma rodada de 2 milhões de dólares. Miguel fala da sensação, muitas vezes conflituosa, de quando recebe uma oferta de investimento:

“Já havíamos recebido ofertas consideráveis, mas recusamos. É justo dizer que fui a principal voz contra aportes e que foi um erro. Estaríamos no mundo inteiro agora”

Segundo o empreendedor, aspirante a investment banker no início da carreira, o ciclo de vendas no Brasil é de três a seis meses. Na América Latina, pode chegar a um ano. “Nosso modelo de negócio funciona e está crescendo, mas temos um custo fixo alto com tecnologia, e não queremos perder o timing de acelerar”, diz.

Evento que marcou 70 mil projetos desenvolvidos na plataforma da DreamShaper, em 2017.

Evento que marcou 70 mil projetos desenvolvidos na plataforma da DreamShaper, em 2017.

A ideia da Dream Shaper é crescer na América Latina e chegar, posteriormente, à Europa e à Ásia (na Indonésia, diz, já há um projeto piloto).

“Esses dois milhões de dólares irão nos consolidar no Brasil, nosso mercado principal, acelerar no México e na Colômbia e expandir para um ou dois países na América Latina. No Chile, provavelmente, e na Argentina ou no Uruguai”, conta João.

A DreamShaper tem hoje 12 funcionários e a gestão funciona assim: toda a parte de tecnologia está alocada em Lisboa. É lá que estão os engenheiros André Gonçalves, líder de tecnologia e criador da primeira versão do software, e Pedro Queiró, líder de produto, além da equipe de marketing. As equipes de vendas e de operação estão em São Paulo, sob a liderança de João e André Borges, respectivamente, e de Miguel Queimado.

A ambição dos portugueses é global, mas o Brasil continua sendo o carro chefe do negócio. Segundo João, as coisas por aqui são mais difíceis, se comparadas à Europa e aos Estados Unidos. “Mas a gente veio de Portugal e estamos acostumados. Nenhuma crise mete medo a português”, diz. O otimismo não para aí. Ao final de entrevista, Miguel, o CEO, pede para avisar: “Estamos contratando. Se você tem o perfil empreendedor, venha falar com a gente (o email é recruiting@dreamshaper.com)”. O sonho é grande.

DRAFT CARD

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  • Projeto: DreamShaper
  • O que faz: Vende a escolas uma metodologia de ensino de empreendedorismo
  • Sócio(s): André Borges, André Pintado, João Borges, Miguel Queimado e Pedro Queiró
  • Funcionários: 12
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: € 300.000
  • Faturamento: R$ 4,8 milhões (2017)
  • Contato: info@dreamshaper.com
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