Quando ainda era apenas um garotinho, Filipe Callil viajou com os pais para São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, para passar o final de semana na casa dos avós. Levou seus patins, que já estavam apertados demais para os seus pés, e passou a tarde brincando na rua. Conheceu então Gustavo, um dos vizinhos, que tinha um violão. “Ele achou muito legal o meu par de patins e sugeriu que fizéssemos uma troca. Como os patins já estavam me machucando, topei na hora”, conta.
Mas crianças de 10 anos não têm autonomia para decidir algumas coisas – e ele percebeu isso bem cedo. Teve que cancelar a troca dos brinquedos dias depois, quando a mãe do amigo descobriu o “escambo” e ligou para São Paulo bastante incomodada. O instrumento voltou para Rio Preto, mas o pouco tempo tentando tirar alguns acordes do CPM 22, que ele adorava, fez com que se descobrisse um apaixonado por música. A paixão só cresceu e hoje, aos 25 anos, Callil (ninguém o chama de Filipe) se orgulha de ter lançado o ClapMe, plataforma de transmissão online de shows que tem 100 mil usuários cadastrados, dos quais 10 mil são artistas e bandas.
A sacada da ClapMe é que qualquer um pode se inscrever para tocar ou para assistir aos shows, criando a oportunidade de monetizar as apresentações, essencialmente gratuitas. Usando a plataforma, o artista consegue agendar, divulgar e fazer shows (há dicas bacanas de como transmitir via webcam). Enquanto assiste, o fã pode interagir por chat e vídeo, além de “bater palmas” (o “clap” do nome), que medem o sucesso daquela apresentação.
Por sua vez, o artista pode monetizar o trabalho oferecendo shows fechados (com ingressos pagos), brindes a fãs que fizerem doações (via plataforma) e vendendo produtos (CDs, camisetas etc) durante os shows. Este ano, 500 artistas se apresentaram no “maior palco do mundo” e a startup faturou 500 mil reais. Como Callil chegou a tudo isso?
Filho de um empresário da indústria têxtil e de uma psicopedagoga, ele viveu duas realidades distintas na caminhada rumo à vida adulta. Passou por uma infância com poucas regalias, já que o pai enfrentava uma crise financeira grave nos anos 90, mas teve uma adolescência mais tranquila, quando os negócios da família voltaram a dar certo. “Minhas irmãs e eu fazíamos alguns cursos quando eu tinha uns 5 anos e minha família começou a não ter mais dinheiro para pagar. Meu pai só começou a se reestabelecer por volta dos meus 15 anos”, conta.
No colégio, Callil não era bonito nem jogava nos times de futebol, mas era um dos populares por dois motivos em especial: interagia demais com todos os grupos e sempre agitava as rodinhas durante o intervalo. “Eu era o moleque que todo dia levava o violão para a escola. Conhecia todo mundo. Era amigo dos malandrões, mas também era amigo dos nerds. Eu não era de nenhum desses grupos, mas era o que falava com os dois lados e que só queria mesmo saber de tocar”, diz ele.
Por causa de sua paixão, montou, ainda no colegial, uma banda. Arrecadou 2 mil reais com os amigos e gravou quatro canções em um estúdio, com produção profissional. Durante o compartilhamento delas na web, principalmente através do MySpace, a então famosa rede social nos anos 2000, percebeu que o movimento na internet ainda era muito lento.
“Divulgamos nossas músicas para todos os amigos e achamos muito legal quando, no primeiro dia, tivemos 200 visualizações. Naquela época, era muito! Mas no dia seguinte tínhamos só 201. Quinze dias depois, só 215”, conta. Naquela época, as coisas estavam apenas começando a acontecer no mundo digital. “O que percebi é que as bandas que já se davam bem, tipo o Nickelback e o Foo Fighters, por exemplo, continuavam a se dar bem. E as que não se davam bem, continuavam a se dar mal.”
Apesar da fixação pela música, Callil saiu da banda. Entrou para a faculdade de jornalismo por se achar “muito questionador”. Cursou a Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo, e teve sua “primeira” experiência profissional logo no primeiro semestre do curso. “Queria de qualquer jeito um estágio, então menti num processo seletivo para a assessoria de comunicação do Poupatempo. Na primeira oportunidade que tive, falei a verdade, que estava no primeiro ano, e não no terceiro. Eu queria ter aquela experiência”, conta.
O plano não daria muito certo. Apesar de contratado, teve problemas para conseguir entrar às 4 da manhã no escritório. Morava longe e não tinha como ir. “Acordei na madrugada no primeiro dia de trabalho e fiquei esperando o primeiro ônibus do dia no frio. Quando cheguei lá, pedi desculpas e admiti que o horário era um problema e que não conseguiria cumpri-lo”, conta. Ficou sem a vaga. Depois de alguns meses, voltou a procurar estágio em comunicação e foi contratado por outra assessoria de imprensa, onde conheceu o amigo que se tornaria um dos seus atuais sócios, Celso Augusto Forster, de 34 anos.
O progresso na vida como jornalista veio de forma rápida. No terceiro ano da faculdade, Callil passou em uma seletiva da TV Record, onde ficou até terminar o curso, em 2010. Estagiou no núcleo de reportagens especiais da emissora e teve contato com todas as áreas do audiovisual. “Fazia tudo: carregava fitas, copiava imagens para os editores, fazia café”, diz. Quando o contrato de estágio expirou, Callil foi chamado para trabalhar na filial de Ribeirão Preto, onde morou por um ano.
E A “BANDA” FINALMENTE SE FORMA
Nessa época, já tramava conectar pessoas através da música. Concebeu a ideia de um projeto de negócio, baseado na transmissão de música pela internet, e contou com a ajuda de alguns amigos da Record para começar a implementação. Também já tinha arranjado um nome para o projeto. Estava decidido: seria ClapMe.
A parceria com os amigos da Record de Ribeirão durou pouco. “Eles estavam numa fase diferente e perceberam que não teriam tempo para tocar o projeto comigo”, conta. Chateado com o desligamento deste grupo inicial de “sócios”, Callil correu atrás de várias pessoas que tivessem a mesma mente “lunática” e visão empreendedora que ele.
De volta à São Paulo, em 2012, as encontrou. Hoje, além de Celso ele tem mais dois sócios: Felipe Império, que cuida da parte de marketing e Diego Yamaguti, que ajuda na tecnologia por trás da plataforma. Juntos, os rapazes encontraram uma maneira de “conectar as pontas”, como havia sido o primeiro desejo de Callil.
“Precisávamos achar um formato em que as pessoas se encontrassem. Precisavámos aproveitar o stream de uma forma que a gente conseguisse de fato conectar os artistas e as pessoas”
Ele queria que o artista pudesse ganhar um fã novo a cada show mas que, ao mesmo tempo, a pessoa que assistiu reconhecesse quem estava tocando, achasse maneiro. “Antigamente era: meu conteúdo chega no amigo do meu amigo, do meu amigo, do meu amigo. E só. Hoje é mais fácil. Com o stream, um cara que está do outro lado do mundo, longe dos ‘amigos dos meus amigos’, consegue acompanhar tudo o todo tempo”, diz.
Desde o lançamento oficial da plataforma, em maio de 2013, o ClapMe busca escalar. O primeiro grande investimento conseguido por Callil veio de Ricardo Marques, também responsável por trazer a Vevo, plataforma de clipes musicais, para o Brasil. As duas empresas funcionam hoje no mesmo escritório, no Itaim, em São Paulo, e perceberam que podem se complementar em vez de concorrerem entre si.
Com um dia-a-dia corrido — em um ano de operação, o ClapMe já transmitiu cerca de 500 shows ao vivo — e com muito trabalho pela frente, os integrantes da startup sabem que o caminho para o sucesso é longo. Para isso, todos concordaram em se privar de um salário fixo. Callil e equipe também fazem produções musicais com a ClapMe, como o projeto Oi Fm Hostel Sessions, que leva bandas para tocar em hostels em São Paulo e Rio de Janeiro.
“A gente se vira nos 30 aqui. Hoje, como a empresa já tem um faturamento, a gente sabe mais ou menos quanto vai sobrar, mas isso nunca vem em formato de salário pra gente. Ainda não temos salário. Nós apenas sentamos e vemos quais são as necessidades básicas de cada um, aquelas contas que todos precisam pagar, e distribuímos a grana. Todo mundo está na mesma vibe, todo mundo compreende”, diz Callil.
Segundo ele, sua vida desde que deixou o trabalho fixo na Record, no fim de 2013, para se dedicar ao ClapMe, é levada da forma mais simples possível, sem almoços e jantares fora, e com tudo bem planejado.
Apesar da animação em fazer parte de uma empresa que, hoje, já chama atenção até no exterior (o projeto de Callil está sendo cobiçado por um grupo de sócio-investidores portugueses e a transação pode envolver mais de 1 milhão de reais), o rapaz é sincero quando o assunto é as dificuldades que passa a frente do ClapMe.
“Se alguém me pedisse um conselho, diria para não ser empreendedor. Vejo muito menos os meus amigos agora, seja porque não tenho dinheiro para acompanhá-los ou porque não tenho mais tempo. Ou talvez porque talvez eu esteja tão imerso nesse mundo ClapMe que não tenha mais assunto. É uma vida realmente cruel, mas não vou mentir: essa vida me instiga muito”, diz.
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