Como a Pipoca, que nasceu no Carnaval, se tornou uma produtora de projetos culturais essencialmente na rua

João Prata - 29 nov 2017A equipe da Pipoca. Em pé: Zé (Rogério Ferreira), Guilherme Pereira, Felipe Menasche, Catherine Nakiri, Marcos Credie. Sentados: Karina Valenzuela e Rogério Oliveira.
A equipe da Pipoca. Em pé: Zé (Rogério Ferreira), Guilherme Pereira, Felipe Menasche, Catherine Nakiri, Marcos Credie.
João Prata - 29 nov 2017
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Rogério Oliveira morava no Rio de Janeiro e ganhava a vida como publicitário em 2010. Era fascinado pelo carnaval de rua e sua falta de talento para tocar um instrumento profissionalmente possibilitou apenas que ele fosse um entre centenas de batuqueiros do bloco Bangalafumenga. A pequena contribuição para a festa mais democrática do país acabou sendo o suficiente para transformar sua vida, como vamos contar a seguir. O que ele aprenderia na rua “organizando a folia” o habilitou a lançar um negócio que extrapola o carnaval: é a Pipoca, empresa especializada em projetos culturais em espaços públicos ou, como diz o site, “ativismo cultural de ruas”.

Depois de tocar no Banga pela primeira vez, Rogério vivia nos ensaios da bateria e fez muitas amizades até que, em 2011, ainda morando no Rio teve um estalo: “Decidi convidar dois amigos que moravam em São Paulo para serem sócios e abrirem este tipo de projeto inédito na cidade, já que eu ainda morava no Rio”, conta. A ideia consistia em chamar os organizadores do bloco para reproduzirem, na capital paulista, a oficina de percussão que habilita qualquer um a integrar a bateria. Deu certo. Em 2012 o Banga foi um dos protagonistas do que seria a retomada do carnaval de rua da cidade que, há quem diga, em breve terá o maior carnaval de rua do país.

A batucada continua na vida de Rogério, hoje com 42 anos, mas na Pipoca o leque de atuação foi aberto para promover outras festas e festivais — desde que sempre na rua e sempre de graça. Ao lado de dois sócios e com quatro pessoas no time, Rogério tem a expertise para conceber, produzir e coordenar eventos de médio e grande porte. Ele espera fechar o ano de 2017 com um faturamento de 3 milhões de reais.

Os custos para a Pipoca viabilizar esses eventos variam de 250 mil e 800 mil reais. O valor é captado com a iniciativa privada. Normalmente, a Pipoca negocia cotas para os eventos e ganha uma porcentagem que varia entre 10% e 15%. Outra forma de arrecadação é auxiliar na administração e produção de blocos carnavalescos capazes de atrair multidões. Hoje, estão no time da Pipoca o Monobloco, Bicho Maluco Beleza (de Alceu Valença), Orquestra Voadora, Elba Ramalho, Ritaleena e Baiana System, entre outros.

O desfile do carioca Bangalafumenga em São Paulo ajudou a mudar o patamar da folia paulistana.

A “importação” do carioca Bangalafumenga ajudou a mudar o patamar da folia de rua paulistana.

Produtor de evento trabalha com agenda, e a da Pipoca já está em 2018. Em maio, por exemplo, realizará em São Paulo a primeira edição do Festival de Literatura e Interatividade de Rua, o Flir, um evento que quer ser como a Flip (a tradicional Festa Internacional da Literatura de Paraty) “só que mais democrático”, diz Rogério. O Flir acontecerá entre a Praça do Obelisco e o Parque do Ibirapuera, na zona sul, e terá três grandes palcos para receber escritores e artistas para debates. A expectativa é receber 500 mil pessoas. Na rua.

Outro grande evento que está na agenda da Pipoca, no início de setembro, é o São Paulo Light Festival, inspirado e feito em parceria com o Fête des Lumières (ou Festival das Luzes), que ocorre todos os anos, durante quatro dias em Lyon, na França. A ideia é projetar nas fachadas de edifícios do centro da cidade instalações de luzes, de artista de diversos países.

Além de Rogério, que cuida do planejamento e criação, a Pipoca conta com os sócios Karina Ferreira Valenzuela, 35, responsável pela comunicação, redes sociais e gestora de experiências e Guilherme Pereira, 40, que cuida da parte administrativa. Na equipe estão, ainda, Rogério Augusto Ferreira, 45, mais conhecido como Zé, faz a produção; Felipe Menasche, 30, que cuida da gestão de projetos e Catherine Nakiri, 42, no desenvolvimento de negócios, e Marcos Credie, 34, produtor de conteúdo.

UM BUSINESS QUE NASCEU NA RUA, PARA A RUA

Essa turma toda foi sendo reunida aos poucos. Primeiro, lá em 2012, Rogério criou uma empresa com dois outros sócios, no que pode ser visto hoje como um dos marcos que ajudaram a mudar o paradigma do carnaval de rua de São Paulo. Fascinado pela festa no Rio, com os contatos que tinha, ele trouxe o Bangalafumenga para tocar na Vila Madalena. Três mil pessoas compareceram. No ano seguinte, o bloco Sargento Pimenta também veio do Rio, o evento foi divulgado no Facebook e tomou uma proporção inesperada: 60 mil foliões entupiram o centro da boemia paulistana. No terceiro ano, a festa foi para a Avenida Sumaré, para absorver um público ainda maior. A essa altura, a festa já havia se espalhado pela cidade.

Apesar do sucesso com o Banga, Rogério não estava satisfeito. Enquanto seus hoje ex-sócios queriam seguir investindo em festas fechadas, desfiles e oficinas de carnaval, a ideia de Rogério era continuar atuando somente na rua — mas não só com confete e serpentina.

É bom dizer que a vida paulistana de Rogério seguia, com muitos outros projetos além deste. Talvez o mais notório tenha sido trazer a Yunus Social Business Global Initiatives, uma das principais desenvolvedoras de negócios sociais do mundo, para o Brasil. A ideia de se tornar um braço da empresa no País veio na cara de pau, como ele próprio descreve na reportagem do Draft sobre a Yunus Brasil.

Em 2012, Rogério foi assistir a uma palestra do economista Muhammad Yunus, prêmio Nobel da Paz em 2006 e criador da empresa, e falou que pensava em montar um negócio social no país. “Na maior humildade do mundo, ele perguntou se utilizar o nome Yunus poderia ajudar. Na hora até brinquei e disse que ele também poderia utilizar o sobrenome Oliveira”, conta. A Yunus aos poucos se instalou em São Paulo em uma casa na Vila Madalena. Mas o pessoal do carnaval não largava do pé do Rogério. “Me falavam para pelo menos fazer uma curadoria para os eventos dos blocos. Aí, comecei a pensar nessa história. Mas eu não queria ficar só no carnaval. Queria algo mais amplo.”

COMO MELHORAR A RELAÇÃO DA POPULAÇÃO COM O ESPAÇO PÚBLICO?

Karina, que é sua esposa, havia deixado o trabalho de dentista e estava em um ano sabático. O amigo Guilherme também havia acabado de sair de uma multinacional onde trabalhou durante anos. Os três passaram a conversar sobre a possibilidade de estruturar um negócio que ajudasse a melhorar a maneira como a população se relaciona com os espaços públicos. Assim nascia a Pipoca. O novo início, como não poderia deixar de ser, veio com o carnaval, na produção do bloco do cantor Alceu Valença, em 2014.

Na sequência, a Pipoca fechou uma parceria com o Monobloco e passou a cuidar também de uma oficina de percussão que acontece na Vila Madalena. O conhecimento em realizar eventos de rua chamou a atenção da subprefeitura da Vila Mariana, que convidou Rogério e sua turma para dar workshops. O poder público estava interessado em difundir especialmente como é que a Pipoca conseguia promover um evento para milhares de pessoas e manter tudo em ordem, especialmente, no quesito limpeza. Rogério fala a respeito:

“A gente quer acabar com aquela fama de que evento na rua é sinônimo de perrengue. Não tem que ser. Cuidamos de forma obsessiva da limpeza, por exemplo”

Ele prossegue: “Não tem isso de achar que é obrigação do poder público limpar a rua. Somos muito neuróticos com isso. Conseguimos fazer eventos para 100 mil pessoas na rua e em uma hora deixar tudo limpo, com via liberada”.

Nos eventos promovidos pela Pipoca, diz Rogério, os banheiros químicos, as pessoas contratadas para a limpeza, os serviços de bebida e alimentação são sempre pensados para além do que a prefeitura já oferece. Não se trata de dispensar o poder público de sua obrigação, mas de fazer com que as marcas, que têm um ganho de visibilidade absurdo nesses eventos, custeiem uma contrapartida mínima de ajuda na operação.

Rogério conta que contar com patrocinadores também torna o negócio da Pipoca menos arriscado. Isso porque um evento de grande porte só sai do papel depois que os contratos são fechados, ou seja, quando já está garantido minimamente o funcionamento de toda a operação. Até por isso, o número de funcionários varia muito de evento para evento. Atualmente, há apenas seis pessoas fixas. No carnaval, por exemplo, 500 pessoas chegam a trabalhar na Pipoca.

A ideia do negócio é transformar a rua em um grande espaço de celebração. Nessa pegada, para junho de 2018 a Pipoca organizará em São Paulo, também na região do Ibirapuera, um Arraiá como os que acontecem no interior do Nordeste, com comida típica e música temática. Além deste, Rogério também tem outros projetos ainda em fase de captação (que por este motivo não podem ser revelados). Mas, no que depender dessa equipe, a rua estará sempre cheia de vida e gente pulando. Feito pipoca.

DRAFT CARD

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  • Projeto: Pipoca
  • O que faz: Promove eventos culturais em espaços públicos
  • Sócio(s): Rogerio Oliveira, Karina Ferrera Valenzuela e Guilherme Pereira
  • Funcionários: 7 (incluindo os sócios)
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: não houve
  • Faturamento: R$ 3 milhões (2017)
  • Contato: [email protected]
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