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“Como é levar conceitos de economia criativa à periferia e ver a transformação social acontecer no seu nariz”

Sérgio Miletto - 25 nov 2016 Sérgio Miletto conta como uma parceria inédita com o British Council levou à periferia de São Paulo um projeto que multiplicou a formação de negócios criativos nessas áreas. E o que aprendeu com isso.
Sérgio Miletto conta como uma parceria inédita com o British Council levou à periferia de São Paulo um projeto que multiplicou a formação de negócios criativos nessas áreas. E o que aprendeu com isso.
Sérgio Miletto - 25 nov 2016
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por Sérgio Miletto

Sou presidente da Adesampa, um serviço social autônomo de utilidade pública que atua em cooperação com a Prefeitura de São Paulo, via secretaria municipal do Trabalho, Empreendedorismo e Desenvolvimento, desde 2014. Quando chegou até mim o convite para que a gente fizesse uma parceria com o British Council Brasil para aplicar a metodologia Nesta na periferia da cidade, fiquei lisonjeado. Afinal, era um super reconhecimento do trabalho que vínhamos fazendo.

Desde o início, nossa missão tem sido trabalhar no protagonismo de empreendedores da Economia Solidária, micro e pequenas empresas com viés na inovação tecnológica. Por isso, o convite vir de um dos países de ponta quando se fala em Economia Criativa, a Inglaterra, foi um atestado de que estávamos no caminho certo.

SOBRE COMO TRANSFORMAR UM CONVITE NUMA PROPOSTA MAIOR

Aquilo era também a oportunidade de ter um superaliado. Em vez de apenas aceitar o convite, o que já seria incrível, propus uma parceria estratégica para aplicarmos a metodologia Nesta (que usa recursos interativos para ajudar a planejar, construir, comunicar e lançar negócios culturais e criativos) como parte da nossa proposta de política pública. Lancei um desafio.

E se, em vez de formar empreendedores, a gente treinasse mais formadores, que assim multiplicariam a metodologia?

E não é que o pessoal do Conselho Britânico topou de cara? E foi assim que, pela primeira vez, a metodologia Nesta foi parar nas quebradas paulistanas. O projeto foi batizado de Criado em Sampa e sua definição foi ajustada para “Empreendedorismo e Economia Criativa em Territórios Vulneráveis”, resultado da parceria entre Adesampa e o Conselho Britânico através do programa de Desenvolvimento Profissional e Engajamento do Fundo Newton.

O britânico Percy Emmett veio ao Brasil para ministrar o primeiro curso para os selecionados e, com eles, foi fazendo as devidas adaptações para a realidade que ia encontrando. Quarenta pessoas participaram da primeira formação, dos quais quatro foram selecionados para se tornarem multiplicadores. Desde então, a iniciativa já formou 250 empreendedores criativos.

Qual é o impacto dos conceitos de economia criativa nas quebradas? Não vou dizer que é tudo mil maravilhas, não

Antes do início do programa, 90% dos participantes sequer sabiam o que significava Economia Criativa, embora seus negócios estivessem inseridos dentro do setor. A definição não é mesmo simples, pois trata-se de um termo recente até nos países desenvolvidos. Economia Criativa é, segundo um documento elaborado pelo Ministério da Cultura em 2011, a economia do intangível, do simbólico. Ela se alimenta dos talentos criativos, que se organizam individual ou coletivamente para produzir bens e serviços criativos. Quando inserimos esse conceito na periferia estamos falando dos artesãos, cabeleireiros, designers, cantores de hip hop, costureiras e por aí vai.

Mas como localizar e fomentar esses talentos? Para isso, a Adesampa lançou mão de uma figura central em nossa estrutura superenxuta: o agente de desenvolvimento local, que fica alocado nas subprefeituras, na linha de frente, articulando contato com os coletivos, associações e cooperativas de cada região. Os agentes também fizeram o curso Nesta e ajudam os empreendedores locais a formalizar e desenvolver seus negócios, criando uma rede de colaboração e economia solidária entre eles. Neste vídeo, a Lia Goes, de Parelheiros (periferia da zona sul paulistana) fala do processo.

O micro e pequeno empreendedor é o famoso Bombril: tem mil e uma utilidades e precisa estar presente o tempo inteiro no negócio, cuidando de tudo: do atendimento às compras. Por isso, se ausentar para fazer um curso sobre um assunto que nem imaginava existir foi um desafio e tanto para cada um deles. Mas o resultado valeu a pena.

O relatório conclusivo, encomendado pelo British Council mostrou que, além da apropriação das ferramentas, eles se apaixonaram pelos negócios que reinventaram. Muitos revolucionaram a forma de enxergar o próprio negócio. Um dos exercícios do curso foi elaborar um pitch, a apresentação da própria empresa em três minutos.

Ao ter de fazer um pitch, é preciso pensar sobre o que se faz, entender onde se está e para onde se quer ir. Só aí, muita coisa muda

Um dos casos que mais nos orgulhamos é o da Cristiane Santana, moradora de Cidade Tiradentes, no extremo leste da cidade. Em 2007, ela saiu do emprego, pois não tinha com quem deixar a filha. Fez um curso de fabricação de bijuterias para complementar a renda e, com o dinheiro da poupança, abriu uma loja na garagem da sua casa. Mas o negócio não ia para frente, com peças encalhadas e problemas administrativos, principalmente no gerenciamento financeiro.

Mais do que dar fórmulas prontas para se tornar um empreendedor de sucesso, o método Nesta impulsiona o participante a descobrir a vocação de cada um. A economia criativa transforma saberes e fazeres populares em ativo econômico. Ninguém compra um produto feio.

Quando estive na Argentina, fiquei encantado com uma empresa chamada Buenos Aires 1930, que vendia pétalas de sabão: 100 g custavam muito mais do que um quilo de um produto convencional. A diferença é que ela tinha um conceito retrô, uma embalagem charmosa que carrega um pouco da nostalgia da cidade. Criamos uma relação afetiva com o produto.

Outro exemplo: um imigrante boliviano que fabrica e vende camisa falsificada da Nike vai perpetuar um modelo que não o valoriza. Mas, se ele entender que é andino, que tem uma cultura ancestral, e conseguir acrescentar essa riqueza ao produto que cria, o produto ganha outro valor.

Foi o que a Cristiane enxergou, e mudou seu negócio, deixando de lado as peças prontas.

Depois do curso, ela investiu em seu trabalho autoral, um artesanato ligado às suas raízes afro e ao feminino. E percebeu que não estava sozinha no mundo: agregou peças de outros artistas à sua loja

Agora, um ajuda o outro na divulgação do trabalho, todos ganham. A melhora da autoestima e a possibilidade de conquistar independência financeira sem sair da comunidade são benefícios imediatos do programa.

O projeto caminha, agora, para uma nova etapa: a criação de uma plataforma online que represente e complemente as formações em Economia Criativa e sirva como ferramenta aos empreendedores que passaram, e passarão, pela formação. O foco será na replicação dos treinamentos. Essa nova etapa incluirá, também, a articulação para aplicar o modelo do Criado em Sampa em outros Estados do Brasil.

Em paralelo, estamos implantando o módulo 2 do Criado em Sampa, que aprofunda os conhecimentos sobre Economia Criativa. O curso selecionou cinco empreendedores sociais, a maioria com projetos na periferia, para um programa de intercâmbio de 10 dias na incubadora britânica The Studio, vinculada à Universidade de Loughborough, no Reino Unido.

Gustavo Alencar, da Fábrica Livre; Kesley Barros, do Quebra Galho; Lia Muschellack, da AnimaSP; Paula Ferreira Leita, da Rede Rizoma; e Marilene da Silva, do Kilombo Aqualtune-Comidas da Diáspora Afrikana percorreram um longo caminho até a seleção final. Cada um disputou com 1 385 candidatos uma das 138 vagas para o Vai Tec (Programa de Valorização de Iniciativas Tecnológicas), projeto da Adesampa que subsidia projetos de empreendedores com ideias inovadoras para melhorar a qualidade de vida na cidade. Depois, concorreram com outras 15 pessoas do módulo 2 do Curso Criado em Sampa.

O que aprendi com tudo isso? Que a Economia Criativa de base comunitária é pulsante e precisa de espaço e estímulo, pois é capaz de estabelecer laços que estavam quebrados, redescobrir identidades esquecidas, revelar talentos reprimidos e, claro, gerar renda e emprego.

Não vamos reduzir nossas desigualdades trazendo somente grandes empreendimentos para regiões carentes

De nada vale investir na formação de mão-de-obra técnica se, em momentos de crise, as empresas não estiverem contratando. É por isso que seguimos apoiando, estimulando e desenvolvendo o empreendedorismo, sobretudo a Economia Criativa, nas periferias. Se queremos morar em uma cidade mais agradável, precisamos fortalecer o nosso tecido social para que as pessoas tenham perspectivas de que é possível ter um futuro no lugar onde ela mora.

 

Sérgio Miletto, 62, é presidente da Adesampa. Empresário da Economia Criativa e ativista social foi presidente da Alampyme (Associação Latino Americana de Micro, Pequena e Média Empresas).

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