Como encontrei sentido na vida restaurando bicicletas

Rodrigo Villas - 16 abr 2015Rodrigo Villas, o designer que virou restaurador de bicicletas (foto: Raquel Espírito Santo).
Rodrigo Villas, o designer que virou restaurador de bicicletas (foto: Raquel Espírito Santo).
Rodrigo Villas - 16 abr 2015
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Sabe aquele enredo “jovem se decepciona com politicagem em corporações e busca sentido da vida em um trabalho manual, com um impacto real na vida das pessoas e uma lógica de mercado sem sangue”? História da minha vida.

Eu trabalhava como designer de revistas em uma editora. Estava estagnado aos 25 anos, dividindo a bancada de design com um amigo talentoso, gente fina e competente. Plano de carreira era piada na empresa. E o trabalho, que deveria ser criativo e original, era uma repetição de templates com fotos compradas. Não demorei a notar que para crescer ali era matar ou morrer.

No dia em que percebi que o aumento de salário do meu parceiro dependia da minha demissão, saquei que quem controlava aquela situação era eu. E nunca mais voltei.

Não sabia muito bem o que fazer da vida. Mas sabia que não sobreviveria metido em um escritório. Tinha acabado de voltar de uma viagem com uma bicicleta fixa Rossignoli comprada em uma mistura de loja e oficina em Milão. O atendimento ali é muito simpático, todo mundo parece se conhecer. E eu, mesmo desconhecido, fui recebido como novo amigo e atendido em todos os meus desejos. Estão à venda quadros próprios e também tudo que há de melhor em ciclismo europeu: Bianchi, Brompton, Van Moof. A Rossignoli é um negócio de família que fabrica bicicletas desde 1900. Esse esquema me marcou: tradição, simplicidade, empatia.

Monark 10 restaurada pelo Studio Vila

Monark 10 restaurada pelo Studio Vila (foto: Raquel Espírito Santo)

De volta à São Paulo e de bobeira na vida, saí pedalando. Rodava muitos quilômetros em um dia. Partindo de Pinheiros, ia até a Freguesia do Ó visitar meus pais, ao Ibirapuera dar uma volta, ao cinema na Augusta pedalando com a minha mulher. Jantar de família? Supermercado? Fisioterapia? Pacaembu no domingo? De repente tudo era motivo para pedalar.

Nesses rolês, quase não via fixas, que ocupam cidades como Londres, Barcelona e Nova York. Também não via modelos urbanos clássicos e confortáveis como as que circulam largamente em Amsterdam, Milão ou Tóquio. Em São Paulo, eu só via moutain bikes. (Desde que comecei o Studio Vila, chegaram ao Brasil urbanas importadas, como a Linus. Mas eu ainda me pergunto se faz sentido importar – e pagar caro em – uma estrutura mecânica tão simples como um bicicleta. O que estamos comprando: uma bela cartela de cores? Um desenho clássico? Ou puro hype?)

O que aconteceu com a cultura de dos anos 80? BMX. Caloi Cross. Caloi 10. Monark Brisas. Cecis. As velhas bikes que andávamos quando eu era criança tinham desenho lindo e a alta qualidade nas peças. Com um câmbio de 3 marchas (quem precisa de 21?) e um guidão mais confortável, formam o conjunto perfeito para rodar em qualquer cidade do mundo.

Comentei esse cenário na hora da cerveja em um sábado, depois do futebol lá no Nacional. Até que um dos caras do Magipak, meu time, me desafiou: “Passa lá em casa e pega a minha Caloi 10 para dar um tapa, Villas”. E lá fui eu restaurar minha primeira vítima.

O Studio Vila nasceu em 2012 de uma descoberta simples: restaurar uma bicicleta é uma escolha sábia e um bom negócio.

Para começar, você escolhe valorizar o seu patrimônio. Você acredita que o que está fabricado e é de boa qualidade merece uma segunda chance. Com um pouco de cuidado, aquele objeto que já esteve no topo da sua lista de desejos (ou da lista do seu pai, do seu avô…) volta às ruas, volta a ser útil, volta a ter vida. É economia circular aplicada. Vai por mim: é poderosa a sensação de desencostar uma tralha da garagem e recolocá-la na rua.

Cada detalhe é único, como nesta Ceci restaurada pelo Studio Vila (foto: Raquel Espírito Santo).

Cada detalhe é único, como nesta Ceci restaurada pelo Studio Vila (foto: Raquel Espírito Santo).

A restauração também mantém a dimensão histórica e emocional do objeto. Não é viagem, eu tô falando sério. O Cleiton chegou aqui para dar um tapa na bicicleta que foi do pai dele em Porto Alegre. A Mari trouxe a Brisa que era dela na adolescência e que ficou zoada com a maresia quando ela morou no Rio de Janeiro. O Mika queria dar pro filhote dele uma bici com as cores do Homem Aranha.

Não é um processo barato (começa em uns 1 500 reais) nem rápido. Algumas peças vão para o lixo — a depender do estado do abandono, correntes e raios enferrujados e pneus ressecados são jogados fora. Outras peças precisam de polimento, cromo: bagageiro, para-lamas e rodas podem ficar como novos.

Legal é que esse processo de renovação abre espaço para novas escolhas. Pode ser a hora de atualizar o estilo da bicicleta, deixá-la mais afinada com as necessidades e perfumes do dono. Cor especial? Um banco com trabalho manual em couro? Alforjes? Retrovisor? Tem espaço para peças básicas e low budget ou para o infinito em acessórios-desejo.

A oficina do Studio Vila fica no quintal da casa de Rodrigo.

A oficina do Studio Vila fica no quintal da casa de Rodrigo.

Algumas peças-chave ainda precisam ser importadas, mas é bacana ver nascer um mercado novo no Brasil e tenho bastante orgulho de fazer parte dele. O trabalho do Sem Raça Definida é um belo exemplo. Já trocamos muita ideia e hoje apresento e ofereço fitas e selins do SRD nas bicis que restauro.

Está aí a grande arte do Studio Vila. Quando você entra em um loja e sai com uma bicicleta pronta, você leva pra casa um combo que faz sentido para o fabricante. Todas as peças são novas, é verdade. Mas isso não quer dizer que sejam de ótima qualidade. Eu já saí da loja com uma Caloi 100 e quebrei o pedivela (de plástico!) a caminho de casa. O trabalho artesanal e customizado tem resultado oposto: o produto final tem valor real peça a peça e foi criado sob medida — ou taylor made, como se diz na gringa.

Além das restaurações, este ano experimentei um outro tipo de serviço: fazer a customização de bikes. Bicicletas comerciais, concebidas para um propósito especial, como a que projetamos para transportar os sorvetes da Frida & Mina.

Rodrigo e Thomas com a bicicleta adaptada para vender sorvetes Frida & Mina.

Thomas, com a bicicleta projetada para vender os sorvetes Frida & Mina, e Rodrigo, escoltando a cria.

Depois da primeira Caloi 10 restaurada, montei uma oficina no fundo de casa. Trabalho de domingo a domingo, entro a madrugada. Faço 10 projetos por mês e tenho que administrar uma fila de cliente. Quando dá tempo, faço uma bicicleta que eu gostaria de andar e coloco à venda. Rodo a cidade levando peças para meus colaboradores trabalharem em suas especialidades: pintura, cromo, polimento, ajuste fino de câmbio. E ainda faço o site, falo com o contador, respondo cliente por e-mail, divulgo o trabalho no Facebook (que é uma vitrine fundamental).

Confesso que muita coisa deu errada até aqui. Investi o pouco que tinha e passei a viver de uma maneira bastante simples. Não tem milagre em modelo de negócio artesanal: é muita trabalheira, muita conversa no atendimento e margem justinha. O verdadeiro lucro está na aventura do processo e na certeza de ver um sorrisão no rosto do cliente que vem buscar a bicicleta pronta.

Bom mesmo é deixar pra trás o tempo de matar ou morrer. Agora é tempo de viver.

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