Ferramentas colaborativas podem melhorar a vida das cidades (e a vida em sociedade)

Bruno Leuzinger - 21 jul 2016
Os sócios da Colab (Gustavo é o da ponta esquerda): um aplicativo para ajudar na gestão pública
Bruno Leuzinger - 21 jul 2016
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“Tem muita gente querendo melhorar o país. Precisamos fazer uma conexão entre essas pessoas, elas precisam se conhecer direito, conhecer as soluções que existem, conhecer os dois lados… Não gostamos de ficar apontando o dedo, mostrando como todo mundo é ruim. Nós queremos que as pessoas tenham um pouco da visão das dificuldades que há dentro do governo. Não adianta jogar pedra, a gente precisa se aproximar. Estar junto. A população precisa entrar, fazer parte da gestão, e não simplesmente dar as costas e ir embora.”

Quem propõe essa mudança radical de mindset é Gustavo Maia. Publicitário pernambucano de 32 anos hoje radicado em São Paulo, ele largou a carreira de marketing digital em campanhas políticas para co-fundar o Colab, um híbrido de rede social e plataforma de gestão. Funciona assim: numa ponta, as pessoas baixam o aplicativo de graça e reportam problemas na infraestrutura urbana, do buraco no asfalto à falta de iluminação; na outra ponta, as prefeituras podem optar pelo modelo gratuito ou pela versão paga, com funcionalidades extras, e usam os dados inseridos pelos usuários para gerenciar e agilizar as soluções.

Em maio, o site Free the Essence (www.freetheessence.com.br) publicou uma matéria sobre como Estônia, México e Islândia usam tecnologia para aproximarem cidadãos e governos. No fim, o texto pergunta ao leitor se algo do tipo poderia funcionar no Brasil. A resposta provavelmente é “sim”. Lançado em 2013 (e premiado meses depois como o melhor aplicativo urbano do mundo pela New Cities Foundation), o Colab hoje é adotado por mais de 100 municípios do país, incluindo capitais como Recife, Porto Alegre, Curitiba, Natal, Teresina e São Luís, além do plano-piloto de Brasília. “Em Santos, estamos fazendo o orçamento participativo digital”, diz Gustavo. “Você entra, escolhe os projetos do seu bairro em que quer colocar o dinheiro e vota. Hoje, estamos perto de 8 mil votos. Não parece muito para uma cidade de 400 mil habitantes, mas é cerca de 30 vezes mais do que o número de pessoas que votavam nas assembleias presenciais.”

Nesse espírito de mobilizar as pessoas a interagir com as engrenagens do poder público, a empresa lançou este ano o programa Transformadores Colab. “Fizemos um chamado para jovens do país todo, de 16 a 30 anos, com interesse em gestão colaborativa.” Em maio, durante três dias, os 31 selecionados de 16 estados entraram em contato com demandas específicas de movimentos sociais da periferia da Grande São Paulo e conversaram com funcionários da prefeitura de Campinas responsáveis por políticas públicas. “No fim do dia, a gente fazia uma dinâmica para pensar soluções sobre como melhorar a vida das pessoas.”

Em 2016, a empresa lançou um segundo app, o Sem Dengue, para vigilância do Aedes aegypti. A meta agora é engajar cada vez mais usuários no Colab (hoje são 150 mil). “Vamos começar a trabalhar com games dentro da ferramenta. Por exemplo, você vira o fiscalizador de calçadas do bairro e ganha recompensas.” Gustavo imagina que, no futuro, essas recompensas poderiam vir na forma de descontos no IPTU. E projeta a evolução do Colab: “Queremos partir para um pouco de rocket science. Vamos mapear as necessidades de políticas públicas pelo país inteiro, rodando algoritmos para identificar demandas em tempo real.”

Mete a Colher

Hoje baseada em São Paulo, a Colab tem DNA pernambucano, assim como os quatro sócios. Sede do parque tecnológico Porto Digital, Recife abrigou em março o Startup Weekend Women, na Jump Brasil, coworking e aceleradora de negócios local. De sexta a domingo, em 54 horas ininterruptas de inovação, as participantes (só mulheres) tinham a missão de formar equipes e criar projetos de startups de empoderamento feminino. As ideias foram submetidas a votação ainda na sexta à noite, em pitchs de 60 segundos – e Emily Blyza propôs a sua.

“Eu nem tinha uma ideia antes de ir para o evento”, diz Emily, 25 anos, uma estudante de Análise de Sistemas que trabalha com marketing digital. A sugestão  dela – um aplicativo para denúncia de violência doméstica – ficou entre as mais votadas e foi abraçada por outras oito jovens (hoje, seis continuam à frente do projeto). A urgência do tema logo se tornou evidente. Em poucas horas, durante o evento, começaram a pipocar pedidos de ajuda e relatos tensos de agressão na fanpage do projeto. Uma jornalista que sofrera abuso do companheiro entrou em contato, mostrando fotos e pedindo conselhos sobre divulgar ou não o caso.

O lado bom dessa história triste foi colocar o assunto em pauta e bombar a fanpage do Mete a Colher – foram mil curtidas só no primeiro fim de semana. Hoje, a página tem 28 mil likes, e esse engajamento se traduziu de uma forma ainda mais poderosa. Enquanto trabalhavam na versão beta do aplicativo, as moças conseguiram recrutar uma rede de voluntárias de prontidão para ajudar e acolher outras mulheres em caso de necessidade. “A gente tem um grupo fechado de mais de 200 pessoas no Facebook, onde a gente vai adicionando quem se coloca à disposição”, diz a designer Aline Silveira, integrante da equipe.

Essa rede de apoio formará o coração do aplicativo, que ainda vai sair do papel – e terá um novo foco. A ideia inicial era ser um facilitador de denúncias, mas conectar a ferramenta diretamente com a polícia esbarrava em burocracias. Em conversas com especialistas, as moças entenderam que o mais crucial era dar suporte para ajudar as mulheres a deixarem seus relacionamentos abusivos. “Também fomos à delegacia da mulher e vimos que a maioria das mulheres que vão denunciar chega sozinha, sem apoio da família, sem apoio de ninguém”, diz Emily. “É uma situação muito delicada, elas realmente precisam desse apoio.”

Selecionadas para uma programa de empoderamento feminino pelo Think Olga e pela Benfeitoria, as moças do Mete a Colher estão agora começando um crowdfunding para levantar dinheiro e desenvolver o aplicativo. A ideia é que a ferramenta funcione como um ambiente seguro para mulheres vítimas (ou não) de violência, com um feed para publicação de pedidos de ajuda – que pode ser jurídica, psicológica ou só uma necessidade momentânea de abrigo. “Os pedidos com a tag ‘apoio psicológico’, por exemplo, vão aparecer com mais relevância para quem tiver preenchido o perfil oferecendo ajuda psicológica”, explica Aline.

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