Inovação por todos os lados. É assim a vida de Aron Krause, gaúcho de 32 anos. De um lado, chefia o Estúdio Nômade, uma consultoria que auxilia empresas a construir iniciativas autênticas de colaboração com as pessoas. De outro, atua academicamente como professor universitário e também finaliza a pesquisa de seu mestrado em Design Estratégico. Para completar, dá expediente no TransLAB, um “laboratório cidadão” sediado em Porto Alegre, que desenvolve projetos focados em inovação social.
“Vivo processos diferentes em cada uma dessas frentes, mas todas são orientadas pela colaboração, pela inovação social e pelo empreendedorismo”, afirma Aron. Formado em administração, ele começou a empreender logo depois de voltar de uma temporada de dois anos na Espanha, onde fez uma especialização em marketing. Um amigo, Daniel Caminha, o convidou para participar de um projeto de posicionamento de uma marca de camisetas usando intervenções artísticas e, daí, surgiria o embrião do Estúdio Nômade.
“Sempre tive clareza de que queria ter um negócio próprio, desenvolver um projeto em que acreditasse. Por isso, busquei o empreendedorismo e fugi de uma carreira executiva tradicional”, conta Aron.
A partir daquele projeto com a marca de roupas, a dupla resolveu partir para uma empreitada autoral e bolou o Estante Pública: um projeto de participação coletiva e de ocupação urbana em Porto Alegre no qual as paradas de ônibus ganharam uma nova função recebendo estantes de livros, nos lugares antes reservados para banners de publicidade. O projeto foi aberto para a comunidade com um manual de instalação e foi sendo multiplicado de forma independente. Algumas das estantes duraram poucos dias, outras foram usadas pela população durante meses. Ao todo, 16 estantes foram instaladas na cidade.
Quando foi feita a troca do mobiliário urbano da cidade, porém, todas foram retiradas e o projeto se encerrou. Mas ficou em Aron a vontade de continuar. Aquilo tinha como objetivo estudar a prática da “transvenção” e, com este propósito, foi contemplado com o Prêmio de Estímulo a Criação e Crítica em Artes Visuais da Funarte, do Ministério da Cultura.
“Ganhamos o prêmio e ele nos deu a possibilidade de tornar oficial o conceito de transvenção que agora está até na Wikipedia”, conta. Segundo a definição online, e o próprio Aron, transvenção é um conceito que trata da relação da sociedade com os espaços públicos onde ela circula, a cidade e suas instituições. “Uma ação de transvenção tem como ética a colaboratividade.” A partir deste conceito, eles começaram a ver e enxergar a oportunidade de criar um serviço e apresentá-lo ao mercado. Neste momento, o Estúdio Nômade e o TransLAB começaram a ser estruturados.
COMO TRANSFORMAR UM CONCEITO SOCIAL EM NEGÓCIO
O Estúdio Nômade é, há oito anos, uma consultoria de inovação social. Surgiu da busca por uma lógica “mais humana, afetiva e inventiva para o relacionamento das organizações” e a inovação social foi o caminho escolhido. No início, os projetos eram mais voltados para a área de comunicação. “Com o tempo, no entanto, percebemos que lidávamos com muito mais fluidez entregando estratégias de negócio”, conta Aron. A partir de então, o estúdio passou a ter como foco estratégicas de negócio que tivessem o viés da inovação social.
Há duas frentes de serviço, que muitas vezes se complementam: aprendizagem e negócios em rede. Em aprendizagem, o foco é no desenvolvimento de pessoas. Já no braço de negócios em rede o cliente cocria, junto com a equipe da Nômade, novas possibilidades que atualizam a estratégia de negócio de sua empresa. “Muitas vezes são projetos pilotos que atuam em paralelo com a atual abordagem do cliente para testar novas possibilidades que levem em conta processos colaborativos e de inovação social”, diz Aron. Um exemplo é o Diversidade na Rua, desenvolvido para a Mercur como um espaço (físico e virtual) para receber informações e difundir ideias sobre inclusão e acessibilidade.
O trabalho coordenado por Aron consiste em facilitar a conexão das organizações com seu propósito para construir iniciativas autênticas de colaboração com as pessoas. O serviço é precificado levando em consideração a duração da consultoria e o número de horas dos profissionais envolvidos. Normalmente varia entre 15 e 50 mil reais por mês. O Estúdio Nômade também é contratado para projetos pontuais, tais como o desenvolvimento de diferentes tipos de workshops de co-criação que podem normalmente variar de 10 a 30 mil reais por projeto. A empresa funciona no formato think tank, isto é, com uma equipe multidisciplinar integrada, e não há setores divididos de forma hierárquica.
Em geral, os projetos giram em torno de resolver uma mesma questão: como a organização se coloca como um par, conectado com seu público, para mobilizar essa inteligência coletiva na criação do seu negócio? Não é tarefa fácil:
“Colaboração é um processo muito complexo, algo que nos faz trabalhar com o máximo de profundidade, e isso representa, muitas vezes, transformar uma série de áreas das organizações”
Segundo Aron, o maior desafio é comprovar a consistência do processo aos clientes — e, também, as possibilidades de retorno. Isto implica em muita habilidade para demonstrar os riscos inerentes, as dificuldades previstas e principalmente os impactos de transformação que aquela intervenção que está sendo sugerida ao cliente vai ter dentro da empresa. Outro ponto de conflito levantado pelo empreendedor está na própria comunicação com o cliente: “Quando a gente lida com inovação social, ou em qualquer processo de inovação, tem uma questão de adaptação de linguagem. A gente vem com uma terminologia que ele não está acostumado, que não faz parte de sua cultura organizacional. Então é preciso muito diálogo para conduzir o processo de maneira harmônica”, afirma.
UM LABORATÓRIO PARA PENSAR A CIDADE
Além do Nômade, Aron também toca o TransLAB, que define como um “laboratório cidadão”, ou um living lab, que estimula cruzamentos entre arte, ciência, tecnologia e sociedade em um ambiente de cocriação para pessoas que querem inventar novas formas de se relacionar com a cidade. “É um espaço que reune pessoas que têm ideias para transformar o local onde vivem mas não têm estrutura ou capacidade técnica para tirá-las do papel”, diz. Lá, encontram outras pessoas com os mesmos interesses, mas como habilidades e conhecimentos diferentes e que, a partir de metodologias e atividades, são estimuladas para que os projetos sejam desenvolvidos com foco em inovação social.
Também criado por Aron Krause e Daniel Caminha, o TransLAB atua desde novembro de 2011 e já está listado entre os principais laboratórios cidadãos da América Latina. São 14 pessoas envolvidas no trabalho colaborativo, e os processos de gestão também são horizontais. O TransLAB se sustenta por meio da colaboração dos associados, aluguel do espaço e porcentagem dos projetos que participa em editais, e premiações. Por enquanto não tem investidor fixo, mas eles estão em busca.
O laboratório funciona com quatro possibilidades de engajamento de pessoas: encontros, oficinas, cursos e linhas de trabalho. As atividades de mais profundidade são as linhas de trabalho: “São projetos nos quais um grupo de pessoas trabalha para tentar desenvolver uma solução para a questão trazida”, diz Krause. O papel do TransLAB é facilitar o desenvolvimento das ideias. Aron fala a respeito:
“É uma plataforma de projetos na qual as pessoas desenvolvem ideias em junto com outras pessoas, com valores parecidos, que dão suporte para que o empreendedorismo social aconteça”
O TransLAB é também fonte de inspiração para o mestrado que Aron está finalizando. Analisando este e todos os outros laboratórios de inovação que existem em Porto Alegre, ele se propôs uma metodologia de criação em rede entre eles. Ainda no meio acadêmico, Krause também atua como professor de Empreendedorismo e Inovação e Cultura do Consumo no Pós-Graduação de Administração, na UniRitter, também na capital gaúcha.
“Hoje divido meu tempo entre a Nômade, atendendo meus clientes lá, e o TransLAB atuando nos projetos e na coordenação do laboratório. Também tenho um tempo para finalizar meu mestrado em design estratégico e dar aulas na pós-graduação”, diz Aron, que leva uma vida permeada de inovação social, espalhada entre o mundo dos negócios, o da pesquisa científica e o da experimentação. Dá trabalho, mas é possível — e gratificante.
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