Mariana Castro, que assina esse texto, lançou Empreendedorismo Criativo (Portfolio/Penguin, 199 pgs), onde conta em detalhes o case da Box 1824 e mais oito histórias completas sobre novos empreendedores brasileiros e seus empreendimentos criativos. Compre. Leia. Recomende.
O que faz uma empresa manter a aura de jovem, mais de dez anos depois de sua criação? Para a Box 1824, a resposta é nunca parar de se reinventar. Criada em abril de 2004 como uma empresa de pesquisa de tendência entre jovens de 18 a 24 anos, passou por uma importante restruturação no final de 2013. Adotou o modelo de rede. Manteve fixa a estrutura para atendimento, planejamento e administrativo e todo o resto passou a fazer fora, ou seja, com parceiros que trabalham com a Box por projeto. “O impacto da mudança foi extremamente positivo”, diz o sócio majoritário e co-fundador Rony Rodrigues.
No começo não foi fácil. A mudança gerou apreensão e certa resistência. Mas a estrutura da Box estava ficando pesada, com o número alto de funcionários fixos, o aluguel da bela casa em Pinheiros e o próprio sistema de trabalho, baseado em uma agenda que obedecia a uma mesma rotina. Em outubro de 2013, a Box convidou o escritor especialista no conceito de rede Augusto de Franco para uma consultoria. E assim começava mais um processo de transformação.
Cerca de quinze pessoas que trabalhavam na Box deixaram de ser funcionários da empresa e boa parte delas passou a ser colaborador. Hoje, a equipe conta com 30 funcionários fixos. No ano passado, além delas, mais 47 fizeram trabalhos para a empresa. Para Rony, a grande diferença é que, como trabalham por projeto, as pessoas estão muito mais envolvidas e engajadas por ter mais afinidade com aquele determinado assunto. Além disso, poder montar cada equipe de acordo com o escopo de um trabalho enriquece o processo. A multidisciplinariedade aumenta a qualidade da entrega, como ele conta:
“Em um projeto para a Skol, por exemplo, montamos um time que contava com uma confeiteira e um neurocientista trabalhando juntos”
Para ele, outro aspecto positivo é poder distribuir mais. Ainda segundo Rony, desde que o processo de rede foi implementado, quem deixou de ser funcionário e continuou trabalhando para a Box como colaborador aumentou consideravelmente seus rendimentos — em pelo menos 25%.
O maior gargalo do novo modelo, no entanto, é mão de obra disponível. É não poder contar sempre com a disponibilidade das pessoas para começar um novo trabalho, já que a empresa lida com profissionais que estão no mercado, dedicados a diversos projetos diferentes.
Para driblar o problema, a Box criou o programa de formação Box Lab. Abriu inscrições para estudantes de comunicação, jornalismo, sociologia, psicologia interessados em trabalhar na empresa. O Box Lab recebeu 320 inscritos e selecionou três. Em um primeiro momento, os estudantes têm aulas com diretores da Box e com Rony. Depois do período de treinamento, passam a integrar um hub, em que metade de seu salário é pago pela empresa, e a outra metade é paga de acordo com os projetos nos quais estão envolvidos. Um novo programa será aberto agora em março, para selecionar novos estudantes.
Não é só nos projetos que o trabalho em rede funciona. Agora ele também impera na tomada de decisões dentro da Box. Há uma metodologia para envolver todos os funcionários nas discussões sobre a empresa. Todo o planejamento de 2015, por exemplo, da priorização de tarefas a como usar o dinheiro, foi feito dessa maneira.
Funciona assim: primeiro uma reunião é marcada e todos recebem com antecedência o que estará em pauta, para poder se preparar. Durante a reunião, todos expõem seus argumentos e apresentam suas ideias. Algumas delas são escolhidas pelo grupo. Não há votação, mas sim um exercício de diálogo para o aprimoramento das ideias, até que se chega a uma conclusão.
Ao longo da implementação do sistema de rede, que começou em outubro de 2013 e foi dar resultados a partir de maio de 2014, a Box contou ainda com o trabalho de uma empresa que presta consultoria baseada nos princípios da antroposofia. Isso para que todos os colaboradores pudessem ter a mesma visão sobre a empresa e, principalmente, definissem juntos qual é o propósito da Box.
Se antes o propósito era encontrar e traduzir o novo, hoje ele é “pesquisar, aprender e disseminar ideias que despertem uma nova consciência, vinculada a responsabilidade social e sustentabilidade”. Isso tem a ver com uma empresa de pesquisa de tendência que promove um estudo em que diferencia consumo de consumismo e trata o último como uma espécie de novo colesterol. A ideia é que o consumidor não precisa abrir mão do luxo, ou de pagar caro por um acessório que pode ter status de obra de arte. Mas que ter um armário lotado de roupas ou ter muitos pares de sapato tende a virar um comportamento cafona, que no mínimo vai pegar mal.
Outro movimento importante da Box, depois de adotar o sistema de rede, foi transformar a casa localizada na rua Lisboa, 78, em um espaço de coworking. Atualmente, a empresa tem uma parceria e divide o espaço com a Plug N’ Work – e passou a pagar metade do aluguel pelo imóvel. Em 2014, a Box teve o terceiro melhor ano de sua história em termos de faturamento. Rony atribui o sucesso à reestruturação e à adoção do sistema de rede.
UMA EMPRESA MEIO SECRETA
A Box nasceu em Porto Alegre e além de Rony tinha como sócios João Cavalcanti, Lucas Mello e Priscila Figheira. Todos eram estudantes universitários à época, menos Rony, que acabou não se formando. Sem investimento algum, a Box começou transformando as restrições em conceito. Os sócios não tinham dinheiro para bancar um site de apresentação, um escritório ou mesmo cartões de visita. Para contar do que tratava a empresa, mostravam apenas um power point.
Recebiam o briefing e trabalhavam de um jeito meio secreto, sem falar com o cliente durante o desenvolvimento da pesquisa. Mas em vez de entregar um relatório formal, o resultado vinha em um vídeo primoroso, com linguagem inédita. Enquanto as empresas de pesquisa usavam metodologias tradicionais como focus group, a Box fazia invasão de cenário, participando do dia a dia dos entrevistados, analisando seus hábitos, e ia a campo entender o comportamento dos jovens.
Trouxeram a metodologia baseada na pirâmide 18-24, que mostra o centro primário de influência de consumo etário na população de 18 a 24 anos. Localizados no topo da pirâmide, são aqueles que ditam o comportamento global. São aspiracionais para os mais novos e inspiracionais para os mais velhos. Também trouxeram a classificação dos consumidores como alfas, betas e mainstream.
Quando chegaram a São Paulo, a empresa gaúcha tinha uma sala na rua Augusta, atrás de uma loja indiana. Nunca levaram um cliente ao ambiente meio underground que usavam para se encontrar e fazer reuniões. Lançaram um newsletter de tendência, o Ponto Eletrônico, que caiu nas graças das agências de publicidade, que passaram a recomendar a Box. No seu primeiro ano de vida, conquistou clientes como Globo, Ambev, Unilever e Claro.
Ao longo desses dez anos, a Box deu origem a várias outras empresas, a partir de demandas que foram surgindo dentro do seu próprio negócio, Hoje, elas funcionam de forma independente, com composição societária própria, e ficam embaixo de uma estrutura chamada O Grupo. Criada em 2006, a LiveAd é uma agência digital comandada por Lucas Mello. A Talk é a primeira empresa de pesquisa online qualitativa do país e tem como sócias Carla Mayumi e Cristina Brand. Há ainda a Aquiris, comprada parcialmente pela Box. É uma empresa que atua no mercado de comunicação, usando games como plataforma interativa.
Mais recentemente, a Box resolveu abrir uma empresa de RH, a Next, a partir de uma demanda da Ambev. Nela, usa a metodologia que a consagrou na área de pesquisa para fazer recrutamento de pessoas. Na Box, Rony é sócio majoritário e João Cavalcanti atua como diretor criativo em todas as empresas do grupo.
Poder crescer de dentro para fora ou por meio do reconhecimento de alguma competência, expandindo a sua área de atuação, também contribuiu para que a Box nunca deixasse de se reinventar. E continuasse a ser reconhecida como uma empresa inovadora, mesmo dez anos depois de sua criação.
PRÓXIMOS PASSOS: NOVA YORK E UM OLHAR DE VOLTA AO MERCADO
A partir deste mês, Rony dividirá seu tempo entre São Paulo e Nova York, onde a Box inaugura uma nova unidade. Por enquanto, serão quatro pessoas fixas trabalhando por lá. E esse é um dos grandes projetos para 2015: estruturar a Box internacional.
Rony também está interessado em desenvolver uma metodologia de pesquisa que seja “mais digital e menos manual”. Ele quer encontrar uma resposta para a pergunta sobre como gerar valor em um mercado mais comum de pesquisa, de forma inteligente. Mercado do qual a Box saiu para se diferenciar.
Outro projeto é a curadoria do pavilhão brasileiro na Exposição Universal de 2015, que acontece em Milão a partir de maio. O trabalho selecionado por edital tem o conceito de Rony, arquitetura do escritório Arthur Casas e cenografia assinada pelo ateliê Marko Brajovic.
Além disso, a ideia é de compartilhar mais conhecimento em 2015. Para isso, a Box vai fazer a cada dois meses um encontro para falar de conteúdo, de tendência, de resultados de pesquisas. Vai ainda continuar investindo em pesquisas mais institucionais como O Sonho Brasileiro e o Sonho Brasileiro na Política, ou ainda em estudos como o do consumismo, aberto para quem quiser ver. O Ponto Eletrônico, boletim com informações sobre arte, design, tecnologia e moda com curadoria da equipe da Box está de volta, de cara nova.
Já a metodologia de pesquisa, com invasão de cenário, pesquisa em campo e consumidores alfas, betas e mainstraim continuam lá. É a base que fica, para que todo resto possa continuar se transformando.
Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo. Trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo digital. No portal iG, atuou como editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Internacional, Cidades e Educação. Atualmente é diretora da F451, que publica o Gizmodo Brasil.
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