Nem sempre você precisa largar seu emprego para empreender. Nem sempre você precisa lançar uma startup para inovar. Às vezes você fará mais diferença no mundo se decidir ficar e operar de dentro da estrutura corporativa. Às vezes você encontrará seu propósito e cumprirá sua missão precisamente se levar a pauta da economia criativa para o coração da economia tradicional.
Mateus Silveira, 36, talvez seja uma prova disso. Ele se formou em design de produto, na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), em 2002. Em paralelo à faculdade, foi técnico do Núcleo de Design e Tecnologia Gráfica do Sistema FIEMG/SENAI, com foco em design gráfico, de móveis e de eletroeletrônicos.
Foi ali que conheceu Paulo Nakamura, coordenador de Design da Fiat, que o levou para a montadora, em 2000, como estagiário. “Meu pai passava por uma situação financeira apertada naquela época e eu ajudava em casa. Deixei a estabilidade de um emprego fixo para participar de um programa de estágio, sem vínculo empregatício. Mas era um sonho que eu começava a realizar”, diz Mateus.
Mateus foi contratado em definitivo pela Fiat no ano seguinte, em 2001. Trabalhou com acabamento, “vestindo” o carro: cores, tecidos, verniz, couros, plásticos. Desenhou componentes – chave, volante, banco. Mexeu com estruturas metálicas, injeção de plástico.
Em 2002, chegou à Betim, município da Grande Belo Horizonte onde fica a sede da Fiat, o designer alemão Peter Fassbender, vindo diretamente de Turim, sede mundial da montadora, para montar o Centro Estilo – o laboratório de design onde os carros são concebidos e desenhados, o primeiro Design Center da Fiat fora da Itália. Hoje o Centro Estilo brasileiro tem quase 100 pessoas criando novos modelos e versões.
Mateus virou um talento em ascensão na empresa. Fez estágio no Advanced Design da Fiat, na Itália, em Turim, por quatro meses. Na volta, desenhou a parte externa do Palio Adventure Locker, entre 2006 e 2008. Depois passou pelo Design de Interiores: desenhou o interior do Novo Uno entre 2007 e 2010 – o primeiro veículo da Fiat desenhado inteiramente por designers brasileiros.
E, no final da década, virou chefe do Design de Interiores. Nessa época, entre 2009 e 2010, se envolveu com o Fiat Mio, um dos maiores projetos de Open Innovation já realizados no Brasil – um carro conceitual da Fiat, concebido numa plataforma digital aberta, com a participação de mais de 17 mil pessoas de mais de 160 países, e apresentado no Salão do Automóvel de 2010, em São Paulo.
Foi por essa época que Mateus começou a se envolver com o Design Estratégico – o uso das ferramentas do design para pensar a estratégia da empresa. E foi aí, no vácuo do Fiat Mio, que começou a nascer o Projeto Container.
“Depois do Fiat Mio, a gente queria entender qual seria o próximo passo para a colaboração. Começamos a pensar na colaboração com empresas de outros segmentos para identificarmos, de forma ampliada, as demandas e os comportamentos do consumidor, com especial ênfase em evitar interrupções na sua jornada diária. Se ele gosta de água gelada em casa, deveria poder ter água gelada no carro também. Começamos a sonhar com soluções desenhadas em conjunto com empresas parceiras para gerarmos uma experiência do consumidor mais completa e integrada”, diz Mateus. “Foi a partir dessa ideia de colaboração corporativa que a Fiat começou a desenvolver o conceito de ‘simplicidade fluida’ – a não-interrupção da conveniência para o consumidor ao longo do seu dia”.
Mateus já estava com a atenção mais voltada ao comportamento dos consumidores, e como o design thinking poderia ajudar estrategicamente a empresa, quando recebeu o convite para participar do desenvolvimento de um novo produto em conjunto com o time da Chrysler, em Detroit, nos Estados Unidos. Um trabalho dos sonhos para qualquer designer automotivo.
Só que o horizonte de Mateus já havia sido esgarçado. E aí bateu a dúvida. Como reinventar o propósito de desenhar e de vender carros num mundo e num momento em que a mobilidade urbana virou uma questão central na vida das grandes cidades?
“Propus à Fiat que endereçássemos esse pensamento sobre o futuro com uma visão mais à frente e mais ousada – menos focada no produto e mais focada no consumidor. Não queria só desenhar novos carros – queria também pensar o futuro do carro, e o futuro da própria indústria”, diz Mateus. “Precisávamos conectar a empresa aos problemas da sociedade. E, mais do que isso, precisávamos ajudar a sociedade a resolver esses problemas – com a Fiat, os consumidores, o governo e as outras empresas pensando juntos”.
Mateus conversou com Claudio Demaria, diretor de Desenvolvimento e Design de Produto da Fiat e propôs, nas suas palavras, “uma revolução”. Ele conta que chegou a pensar em sair do mundo corporativo. “Mas percebi que ocupava um espaço importante dentro da empresa e que podia utilizá-lo para propor essa disrupção. Eu não precisava sair para fazer a diferença. Ao contrário: para contribuir de verdade, eu tinha que ficar. Trazer a mudança para dentro. E ajudar a empresa a implementá-la de dentro para fora”, diz ele.
“Há pessoas que me inspiram, porque são agentes de mudança. Como Bárbara Soalheiro e a metodologia de prototipação da Mesa & Cadeira. Como o Roberto Martini, do Grupo Flag, e a tecnologia voltada para a comunicação. Como a Mandalah, pioneira da discussão sobre propósito. Como o Draft e a reinvenção de uma plataforma de conteúdo. Como a BOX 1824 e a revolução que eles trouxeram para o mundo da pesquisa”, diz Mateus. “Mas e as grandes empresas? Precisamos contaminar esses organismos com inovação. As corporações são muito importantes para fazermos o sistema todo avançar”.
As inquietações de Mateus chegaram à mesa de Carlos Eugênio Fonseca Dutra, Diretor de Planejamento e Estratégia de Produto da Fiat, que quis saber mais sobre a ideia. “A empresa quis que eu ficasse”, diz Mateus, que propôs à Fiat a criação de um think tank interno, destinado a refletir sobre a vida nas cidades, que é o lugar onde os carros prioritariamente são comprados e utilizados.
“O primeiro projeto desse think tank é o Container. Que eu concebi com a ajuda de Marcelo Fantini, gerente de Pesquisa de Mercado”, diz Mateus. Em 2012, Mateus finalmente deixou o Design Center, abrindo mão de uma brilhante carreira de designer automotivo, depois de 12 anos de muitas realizações, para, outra vez, correr atrás do seu sonho, agora pensando inovação como um projeto de Future Insights, para a área de Pesquisa.
O Projeto Container é um estudo em profundidade sobre o futuro das cidades, a partir do qual a montadora se propõe a liderar um diálogo franco e organizar um pensamento conjunto acerca da Mobilidade Urbana, em busca de soluções integradas e sustentáveis para a melhoria da vida nas grandes cidades.
Se o sujeito gosta de fragrância de alfazema em casa, tenho que provê-la no carro também. Se no carro ele tem a sua temperatura predileta, tenho que continuar provendo isso quando ele entra no escritório. O carro tem que ser uma plataforma de continuidade e não de interrupção.
A primeira fase do Projeto Container, o “Diagnóstico”, realizada entre fevereiro e julho de 2014, reuniu e revisou os melhores estudos disponíveis no país sobre Mobilidade Urbana, com a ajuda da USP Cidades, do Cesar, do Cidade para Pessoas e da Coppead. Ao fim dessa primeira etapa, Natália Garcia, do Cidade para Pessoas, trabalhou junto com a The Factory (empresa que publica o Draft) e com o designer Crystian Cruz na formatação de dois materiais que tem a missão de condensar e traduzir a inteligência reunida e analisada até aqui pelo Container. As próximas fases do projeto, que acontecerão a partir de 2015, ainda estão sendo definidas.
Em paralelo, Mateus continua ocupado com o seu conceito de “simplicidade fluida”. “Quero estudar as interrupções na trajetória do consumidor. Se o sujeito gosta de fragrância de alfazema em casa, tenho que provê-la no carro também. Se no carro ele tem a sua temperatura predileta, tenho que continuar provendo isso quando ele entra no escritório. O carro tem que ser uma plataforma de continuidade e não de interrupção. Temos que pensá-lo como uma plataforma móvel de serviços, customizada para o seu usuário”, diz Mateus.
A ideia de Mateus é cada vez mais integrar o digital com o físico, para que a troca entre esses ambientes seja feita com suavidade, sem quebras. Ele vê um consórcio de empresas pensando conjuntamente essa questão da continuidade em contraponto à interrupção na experiência do consumidor. Isso geraria a possibilidade de empresas colaborarem na produção de produtos e de serviços mais afeitos ao que o consumidor busca em todos os aspectos da sua jornada – que envolve várias marcas concomitantemente – ao invés de cada corporação ou marca pensar numa experiência de consumo diferente e desconectada da outra.
“Por que só os indivíduos colaboram? Que tal estendermos a lógica da sharing economy para o mundo das empresas? Quero trilhar esse caminho e construir essas respostas”, diz Mateus.
Em entrevista ao Draft, Fernando Pfeiffer, diretor de inovação da 99, fala sobre as iniciativas em mobilidade sustentável lideradas pela empresa e explica por que a adoção do carro elétrico em larga escala no Brasil é apenas uma questão de tempo.
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