por Luciano Palma
A evolução da tecnologia está fazendo o tempo se comprimir. O Homo sapiens surgiu há 200 mil anos e adquiriu o comportamento do homem de hoje há 50 mil anos. A escrita surgiu há 5 mil anos. De lá até o surgimento da prensa, passaram-se 3.500 anos. Máquinas de escrever foram criadas após 350 anos. Quase 100 anos depois foi inventada a lâmpada elétrica. Foram mais 50 anos até a construção do primeiro computador, e outros 30 anos até o primeiro computador pessoal. A disponibilização da internet comercial no Brasil só ocorreu depois de 20 anos. Mais 10 anos e surgia o Facebook. Decorridos mais três, veio o iPhone, marcando o início da “revolução móvel”.
Em resumo, as revoluções estão acontecendo cada vez mais rapidamente e a quantidade de novidades à qual somos expostos cresce de forma exponencial. As pessoas têm medo de encontrar um amigo depois de duas semanas e não estarem “antenadas” sobre as últimas novidades! Parece haver uma competição por informação. Cada um tem que estar mais atualizado do que o outro…
Isso acontece também com o mercado de tecnologia. As empresas se esforçam para criar novas tecnologias (o que é bom), porém muitas vezes num ritmo que seus clientes não conseguem acompanhar. Trabalhei numa empresa cujo desafio não era vender novos produtos (os contratos já garantiam essas vendas), mas fazer com que os clientes instalassem as novas versões. Em muitos casos, os produtos de 10 anos atrás atendiam as necessidades, mas já havia quatro “upgrades” pagos e não instalados.
Este cenário é um prato cheio para que consultores com foco em tecnologia vendam serviços para ajudarem empresas (cujo foco é seu negócio) a acompanharem essas ondas. Assim, vemos o mundo da tecnologia se parecer cada vez mais com o da moda, pois essa é uma ótima forma de marketing: criam-se novas tendências e ninguém quer a imagem que “ficou para trás” em relação à concorrência.
Já fui chamado para dar consultoria em empresas que pediam para explicar algumas tecnologias que eles “tinham” que adotar, mas não sabiam para quê. Obviamente tudo estava relacionado com os bônus de alguns diretores e gerentes, que precisavam rechear seus currículos com os últimos jargões da moda para se destacarem e manterem seu status e sua empregabilidade (além dos polpudos bônus, é claro).
Infelizmente, no Brasil, essa indústria da “moda de tecnologias” se transformou em uma “Serra Pelada”, repleta de oportunistas
Alguns perceberam que as empresas precisavam mais “parecer” que estavam usando as tecnologias da moda do que realmente tirar real proveito delas, então passaram a oferecer “projetos” que convenciam os executivos da empresa disso através de apresentações em PowerPoints e relatórios reluzentes. Projetos que não passariam em uma sabatina de 10 minutos do departamento financeiro…
Alguns setores criaram toda uma indústria em torno de coisas “fake”, como é o caso da social media. Desde 2009, as discussões e palestras são praticamente as mesmas, e projetos com resultados palpáveis são raríssimos. As agências continuam medindo “sucesso” em likes e comentários, sem conseguir mostrar uma correlação convincente entre o investimento e um aumento nas vendas. Prova disso é que depois de quase 10 anos, o tema da moda em eventos e palestras da social media brasileira atualmente são os “influenciadores digitais”, assunto amplamente discutido (e bem explorado) nos EUA entre 2007 e 2009.
Hoje, não existe um evento sequer de tecnologia que não repita os jargões do momento: Big Data, Machine Learning, Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Chatbot com Natural Language, Blockchain, Inteligência Artificial etc.
Se alguém propõe uma startup que não usa os termos da moda, ela não é bem avaliada porque “não está inovando”
O que é revoltante é que o mercado valoriza mais quem FALA sobre os modismos do que quem PRODUZ SOLUÇÕES com tecnologia. Uma startup que apresenta um PowerPoint prometendo usar três das tecnologias listadas acima acaba sendo bem avaliada, mesmo que não exista ninguém dentro da empresa que conheça uma vírgula sobre aquelas tecnologias. Prometer o que está na moda vale muito mais do que conhecer a tecnologia que resolve o problema.
As pessoas usam a técnica da “prestidigitação”: é o que um mágico faz para enganar sua plateia. Com sua agilidade, leva as coisas para um ambiente fora do alcance do público, onde faz as mudanças que quiser, porque ninguém consegue ver. Ao tirar o pano e devolver a visão à audiência: tadá! Lá está o pombo!
A diferença em relação ao mundo da tecnologia é que os “mágicos” não entregam o pombo, porque cobram adiantado por suas promessas. E isso tem uma explicação: eles não têm a menor ideia de como fazer a “mágica”! Aliás, mágica é uma palavra pertinente nesse contexto. Porque de fato, só com mágica seria possível entregar as promessas que alguns “especialistas” fazem!
“Você diz para o nosso chatbot que chegou em casa e ele, usando inteligência artificial, analisa seu perfil e determina se você está com fome, consulta no Big Data o tipo de comida que você gosta, descobre as melhores ofertas, faz o pedido e permite que você visualize o trajeto da sua comida com Realidade Virtual, tudo garantido através do Blockchain.” A-hã.
É esse tipo de coisa que está sendo prometida nos eventos e nos famigerados hackathons. E ai de quem colocar algum empecilho! “Você não tem visão!”, “Você é contra a tecnologia!”, “Você está ultrapassado!”.
Não vejo problema em pensar nesse tipo de solução num fórum adequado. Numa discussão sobre tendências e sobre o futuro, isso até cabe. Só que isso está sendo prometido como algo que será entregue por uma startup de três pessoas, em algumas semanas!
O cerne deste problema é que essas promessas estão sendo feitas por pessoas que nunca desenvolveram projetos de tecnologia.
É deprimente ver tanta gente citando “o algoritmo” sem nunca ter programado um “Hello World”, ou seja, o básico
Chego a pensar que algumas pessoas acreditam que “o algoritmo” seja alguma espécie de Entidade, que vai resolver os problemas em outra esfera que não seja a física…
Precisamos profissionalizar o mercado de tecnologia e parar de acreditar em mágicas. Isso exige estudo, dedicação e trabalho. Isso exige ir além do primeiro parágrafo ou dos meros chutes e adivinhações. Ou nos profissionalizamos, ou criaremos um ciclo infinito de um enganando o outro, no qual os enganados (e frustrados) seremos todos nós!!!
Isso dito, prossigo não sem antes fazer um alerta e um pedido. Não sou especialista nas tecnologias que vou citar abaixo — e desconfie muito se alguém se apresentar como especialista em muitas delas —, mas quero compartilhar a minha compreensão desses termos, para ao menos tentar dificultar a vida de eventuais “mágicos oportunistas da Serra Pelada da Tecnologia” que vivem de ludibriar pessoas. Vamos a eles:
1) Hackathon
Hackathon vem de “hacker” + “marathon”, e se o primeiro termo já é mal compreendido, imagine quando ele se mistura com o segundo…
Primeira coisa: hacker é um “especialista”. Hacker não rouba senha. Hacker não invade sistema. Hacker é o cara que manja muito de alguma coisa. Se alguém com esse perfil roubar senhas ou invadir sistemas, trata-se de um “hacker desonesto”, de um “hacker bandido”, ou de um “hacker ladrão”. Muitas vezes a polícia precisa da ajuda de outro hacker para prender essa pessoa.
Curiosamente, o segundo termo é o menos compreendido. As pessoas olham para “maratona” como uma competição, e essa é a maior distorção que alguém pode fazer nesse caso. O termo maratona é usado aqui no sentido de muita dedicação, de uma jornada longa na qual serão feitos muitos esforços. Num hackathon, um grupo de especialistas (hackers) se junta para UNIR esforços e resolver o problema proposto. Não é um ambiente de competição — muito pelo contrário! Um hackaton TEM que ser um ambiente de colaboração, porque os hackers precisam COMPARTILHAR seu conhecimento, gerando aprendizado e resolvendo o problema.
Um hackathon que não produz nada ao seu final é um fracasso. E atenção: não existe “ganhador” de hackathon
Ou todos produziram algo fantástico e todos ganham, ou todos ganham pelo aprendizado. Se uma pessoa ou uma equipe específica sai de um hackathon com um prêmio, mas sem aprendizado e sem um produto desenvolvido (ainda que não esteja pronto), ela pode ter ganhado um prêmio, mas perdeu um hackathon.
2) Big Data
Muita gente confunde “Big Data” com “um banco de dados grande”. Alguém só faz essa associação se não estiver disposto a ler mais do que as duas palavras: “big” e “data”.
Não basta um banco de dados ser grande para falarmos de “Big Data”. Este nome singelo significa muito mais. Significa mais do que os próprios dados: ele envolve processos e análises. O primeiro passo nessa jornada é coletar dados de uma forma insana, quase irracional. Guardar todas as informações que conseguir, ainda que de forma desestruturada. Isso é só o começo. É como separar os ingredientes para fazer o bolo. Aquele monte de coisas não é um bolo. Para fazer um bolo ainda há todo um processo pela frente.
Uma vez que os dados estejam sendo coletados (e isso é contínuo), os cientistas de dados (gente que precisou estudar muito sobre bancos de dados e sobre teoria da informação) e os analistas de negócio (gente que já trabalhou nos processos da empresa) começam a trabalhar juntos para tentar identificar padrões nesses dados e criar e validar teses que podem revelar coisas sobre o negócio da empresa que a análise das informações obtidas como “fotografias” (o método tradicional) não permitem enxergar.
Tecnologias de “Big Data” não vão jamais fornecer respostas por si só
Se quem está envolvido no processo não entender MUITO de tecnologia e dos negócios da empresa, é dinheiro jogado fora. E sim, precisa saber programar e precisa saber matemática.
3) Inteligência Artificial, Machine Learning
Neste assunto a “prestidigitação” rola solta. Dá a impressão que algumas pessoas acreditam que a Inteligência Artificial é suficiente para substituir a inteligência natural.
Curiosamente, para “treinar uma máquina”, ou seja, para “aperfeiçoar um algoritmo”, é necessário que um ser humano, ou um processo criado por um ser humano, continue dando retorno para esta a máquina. Algoritmos avançados são capazes de se “automodificarem” para buscar melhores respostas, mas para que isso aconteça, um humano tem que dizer se a nova resposta é melhor ou pior (ou criar outro mecanismo que faça isso).
Num resumo muito genérico (até porque, como disse, não sou especialista no assunto), a inteligência artificial se baseia em algoritmos (programas) que conseguem fazer a “automodificação” que mencionei. Num programa tradicional, o desenvolvedor determina cada decisão que o algoritmo vai tomar. Se forem fornecidos os mesmos dado, o algoritmo fornece a mesma resposta.
Algoritmos de inteligência artificial são criados para “testar” diversas possíveis decisões. Uma vez que alguém “valida” a resposta à qual o algoritmo chegou (se ela é correta ou não, ou se ela é melhor ou não do que a última resposta), o sistema vai “memorizando” essas variações, e com isso descobrindo padrões e “aprendendo” quais variações do algoritmo geram melhores soluções. Como o computador é uma máquina muito rápida (os mais potentes, hoje, fazem 100.000.000.000.000.000 operações por segundo), esse processo de “tentativa e erro” consegue descobrir rapidamente os “melhores caminhos”.
De novo: para lidar com este potencial é preciso saber programar — e saber matemática
4) Realidade Virtual
Essa é relativamente fácil de conceber, mas de novo: para fazer as promessas saírem do PowerPoint, é preciso estudar muito a tecnologia. Por mais que existam ferramentas e frameworks que facilitem a vida do desenvolvedor, ainda será necessário saber programar e ter ótimos conceitos de geometria analítica e geometria descritiva para construir soluções com Realidade Virtual. Isso sem falar em conceitos de design para tornar e experiência realista e agradável.
Enquanto a Realidade Virtual nos transporta para um mundo virtual, esta tecnologia traz elementos virtuais para o nosso mundo real. É fantástico poder “sobrepor” as informações que bem entendermos ao mundo em que vivemos, mas de novo: o que tem por trás disso é tecnologia, e não magia. Para fazer isso, primeiro precisamos TER as informações que irão nos ajudar. Não adianta prometer que “ao ver uma pessoa com seu óculos ‘RA-2020’, você poderá ver informações sobre o signo da pessoa, que faculdade ela fez, onde trabalhou, tipo sanguíneo e se está disponível para relacionamentos”. Isso pode até ser tecnicamente possível, através de reconhecimento facial e uma consulta a uma base de dados que agregue todas essas informações, mas será que quem promete isso tudo é capaz de entregar? Afinal, qualquer pessoa que assistiu Os Jetsons pode prometer carros que voem (e tecnicamente, isso é possível), mas daí a produzir um protótipo para as pessoas testarem tem uma grande diferença…
6) Chatbots
“Pergunte ao <insira um nome descolado aqui> e ele te dará todas as respostas.” No filme 2001, Uma Odisséia no Espaço, de 50 anos atrás, Stanley Kubrick já vislumbrou isso com o HAL-9000. Ainda antes, em 1966, já tinha sido desenvolvido no MIT o programa ELIZA, que “conversava” com as pessoas como se fosse um analista. Após a chegada da internet comercial, (em 1995, no Brasil), muitos “ops” do mIRC (operadores, ou administradores dos canais) já desenvolviam programas que se passavam por humanos respondendo aos usuários.
Em pleno 2017, essa tecnologia volta como novidade…
É claro que a tecnologia permite uma interação muito melhor, mas para fazer com que os “chatbots” realmente respondam de forma eficiente, é necessária muita programação. Sem muito estudo e trabalho, os “chatbots” feitos com base nas ferramentas disponíveis no mercado vão se parecer mais com as terríveis URAs (unidades de resposta audível) que nos atendem quanto tentamos ligar para alguma empresa de telecomunicações!
7) Blockchain
O paralelo mais simples com a tecnologia blockchain é a do cartório. Hoje, é o cartório que garante a veracidade de algumas informações. Uma casa só é sua se ela estiver registrada em um cartório. Qualquer pessoa poderá ter a confirmação que aquela casa é sua: basta consultar o cartório. A tecnologia blockchain proporciona essa mesma “fé pública” sem a necessidade de seres humanos nem documentos físicos. As informações são armazenadas de forma criptografada numa rede distribuída por inúmeros computadores ao redor do mundo. Essa infraestrutura garante que a informação, uma vez registrada, não pode ser adulterada. Você pode armazenar documentos e transações nesse sistema, o que poderia substituir sua carteira de motorista, os documentos de propriedade e de licenciamento de seu veículo e, até mesmo, o seu cartão de crédito. Até seu dinheiro pode ser substituído: você pode trocar seus Reais por Bitcoins. Essa transação fica armazenada na infraestrutura de blockchain e o mundo saberá que você agora possui “n” Bitcoins. Se você fizer uma transação e trocar alguns bitcoins por algum produto, essa transação também fica registrada e o mundo agora saberá que você não possui mais os Bitcoins que gastou.
A blockchain proporciona basicamente isso: o armazenamento seguro e com “fé pública” de informações. Ela não vai “adivinhar” nada para você
Se alguém prometer que através de blockchain uma solução vai “garantir” alguma coisa, saiba que a única coisa que o blockchain garantirá é a integridade da informação.
Para saber, por exemplo, se uma pessoa é boa pagadora, você terá que levantar informações sobre essa pessoa e armazená-las no sistema previamente (ou pagar para alguém que já tenha essa informação). Blockchain por si só, assim como sistemas de Inteligência Artificial, não são Oráculos. Eles não sabem nada que não lhes tenhamos informado ou para os quais não tenhamos criado algoritmos que permitam-lhes encontrar, descobrir ou aprender.
Luciano Palma, 49, é engenheiro eletrônico com MBA em Gestão Empresarial. Tem mais de 20 anos de experiência em empresas de tecnologia (Google, Intel, Microsoft). Viveu na Inglaterra e na Itália, desenvolvendo softwares para gestão avançada de imagens digitais. É fundador da Desquebre (startup que ajuda as pessoas a consertarem seus equipamentos de linha branca), e é um dos organizadores do GBG São Paulo.
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