Ei, grande empresa, quer conversar de verdade com as startups? Cola aê…

Ricardo Cavalini - 9 out 2015Ricardo Cavalini, do Makers: "As startups são muito diferentes umas das outras – mas a gente costuma olhar para elas, e tratá-las, como se fossem todas iguais..."
Ricardo Cavalini, do Makers: "As startups são muito diferentes umas das outras – mas a gente costuma olhar para elas, e tratá-las, como se fossem todas iguais..."
Ricardo Cavalini - 9 out 2015
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Por Ricardo Cavalini

 

Sou fundador do Makers, plataforma de educação ligada à inovação. Nos cursos que realizamos, recebemos muita gente de startups. Talentos dos mais variados perfis que, em sua maioria, nunca trabalharam numa grande corporação — e, portanto, não entendem como as grandes empresas funcionam. Também trabalhamos em projetos com grandes empresas — cujos executivos, em sua maioria, nunca empreenderam — e, portanto, não sabem como funciona a vida sem crachá nem contracheque. Como era de se esperar, há problemas de relacionamento entre grandes empresas e startups. Diferenças que advêm de erros de julgamento e de entendimento.

Grandes empresas costumam olhar para empresas pequenas e enxergar candidatas a fornecedor. E o relacionamento que essas corporações costumam ter com seus fornecedores nem sempre funciona quando se trata de startups. Está criado um círculo que nunca se fecha.

Uma empresa geralmente reflete seus líderes. Isso vale para companhias de todos os portes, mas é muito mais evidente em startups. Por isso, em alguns casos, analisar uma startup se confunde com entender seu sócio-fundador.

E as startups, tais quais seus fundadores, não são iguais umas às outras. Não é porque todas são empresas pequenas e novas que podem ser entendidas de uma única forma – às vezes elas não são nem mesmo comparáveis entre si.

Fiz a categorização abaixo para mostrar algumas diferenças básicas entre startups. Não é uma tentativa de criar um enquadramento binário nem uma definição simplista que abarque todas as startups. Mas se servir para mostrar quão distintas podem ser as empresas que jogamos embaixo desse guarda-chuva, está valendo…

Startup “Vale do Silício”

Esta é a típica empresa que vem à cabeça da maioria das pessoas quando você fala em “startup”. São as empresas baseadas em tecnologia, altamente escaláveis, que fazem IPO (Initial Public Offerings, que é quando as empresas abrem suas ações nas bolsas de valores) ou são vendidas a empresas maiores, tornando seus fundadores milionários.

De modo geral, são empresas cujo modelo de negócio ainda não foi totalmente provado. Ou seja: ainda são apostas. E por “escaláveis”, entenda uma empresa que pode gerar milhões em faturamento e em lucro com um time relativamente pequeno de funcionários, num curto espaço de tempo. Esta é a escala, e a aceleração, que agrada os investidores, os venture capitalists.

Detalhe importante: se uma startup é um empreendimento de risco, esse risco é maior para seus fundadores do que para seus investidores. Mesmo que o empreendedor não esteja colocando dinheiro do bolso na empresa, ele dedica alguns anos da sua vida, de modo intenso, a ela. Proporcionalmente, esse tempo e esse foco são mais valiosos para o fundador do que o dinheiro investido é para o sócio capitalista. Para o investidor, uma startup é uma de suas iniciativas. Para o empreendedor, são alguns anos de vida enterrados ali, são suas melhores energias.

Outro ponto importante: ainda que tenha recebido um bom investimento, o dinheiro e o tempo serão sempre escassos numa startup. Negócios nascentes podem até ter mesa de pingue-pongue e um monte de outros mimos que passem a ideia contrária, mas na prática, startups correm contra o tempo. E não há tempo a perder. Muito menos ao redor de uma mesa de pebolim ou à frente de uma máquina de fliperama.

Mas o grande pecado das grandes empresas ao lidar com startups é desrespeitá-las a partir da diferença de estatura entre ambas. Vi muitas propostas indecorosas feitas a startups por grandes empresas que estão acostumadas a abusar de fornecedores, especialmente os pequenos, com menos margem de manobra e menos força numa negociação.

Isso significa abusar do próprio poder econômico. Como um adulto agindo de modo covarde diante de um bebê. Já vi de tudo. Até propostas para trabalhar de graça (ou em troca de remunerações ridículas, valores muito abaixo daqueles praticados no mercado), ante a promessa de virar um grande cliente no futuro ou de obter visibilidade.

Isso pode ser letal para uma startup, cuja estrutura enxuta não permite esse tipo de “investimento” num cliente. E na maioria das vezes relações que nascem tortas não se endireitam jamais. Então há muitas empresas grandes no Brasil que, em vez de fomentar o nosso ecossistema empreendedor, acabam dilapidando-o. Em vez de atuar como incentivadoras de novos negócios, assumem por vezes uma postura de rapina.

Então quais seriam os caminhos corretos para uma grande empresa se relacionar com uma startup?

O primeiro é se tornar um cliente ou fornecedor da startup. Parceria não rola. O executivo da grande empresa ou está dando uma de esperto ou então, de boa fé, acha que está ajudando, quando está apenas atrapalhando, ao querer tratamento especial. Uma startup é uma empresa como qualquer outra. Merece o mesmo respeito e a mesma justeza no tratamento.

Até porque, para fazer uma parceria de verdade, alguém do alto escalão da grande empresa (provavelmente o presidente) teria que discutir os termos do deal com o presidente da startup, o que normalmente não acontece. Presidente de empresa que fatura 1 bilhão não gosta de sentar pra conversar com uma que fatura 1 milhão.

O que sobra, então, é só executivo esperto querendo economizar às custas de quem é pequeno e muitas vezes não está em condições de dizer “não” como gostaria.

O irônico é que o oposto também é verdadeiro: o empreendedor muitas vezes não costuma respeitar executivos de grandes empresas. Ele pode até ter boas justificativas para isso. Mas essa postura não ajuda em nada seu negócio. Não se paga arrogância com arrogância.

O segundo caminho é a empresa maior virar sócia-investidora da empresa menor. Mas, atenção: como sócia-investidora, o papel da grande empresa será ajudar a startup, e não o contrário. A startup irá ajudar a corporação, e retornar o investimento realizado, se ela der certo. E ela não dará certo se for explorada pela corporação. Virar sócio não pode ser um atalho para pagar mais barato por um insumo ou serviço.

Haveria um terceiro caminho para o relacionamento entre corporações e startups: a compra da empresa menor pela maior. Aqui, valeu lembrar que o perfil de um empreendedor de startup nem sempre se encaixa dentro de uma corporação. Empreendedores e executivos não têm necessariamente o mesmo DNA. Essa aproximação às vezes mostra ao empreendedor que ele não é tão bom gestor quanto imaginava. E mostra à corporação que ela não era tão inovadora quanto gostaria. O que pode gerar uma dupla frustração.

Startup “Hollywood”

Normalmente você reconhece esse tipo de empresa quando sabe tudo sobre o fundador, mas nada sobre o negócio. Em alguns casos ele até vira celebridade, passando a ser chamado para palestrar – muito mais por sua imagem pessoal do que por seus feitos empresariais. Aliás, essa é outra forma identificar uma startup Hollywood – seu dono ganha muito mais dinheiro com palestras e livros do que em sua empresa.

Este é o grupo que mais coloca o assunto startup na mídia e na boca do povo – o que é bom, por divulgar a cultura do empreendedorismo. Mas ao passar um entendimento do mundo do empreendimento em que tudo é alegria e diversão, muitas vezes essa divulgação acaba sendo mais maléfica do que benéfica. Porque mitifica as coisas. Cria uma inverdade. E gera frustração.

A irrealidade das Startups Hollywood é incensada pela impressa. Afinal, esse mundo maravilhoso é um bom produto midiático.

Enquanto a média de idade dos caras de startup é de 30 anos em São Paulo e de 32 no Vale do Silício, no Estados Unidos, é muito mais atrativo e sedutor para a imprensa mostrar uma menina bonita que abandonou a faculdade, nunca fez nada de relevante e diz ser empreendedora serial do que um cara que se formou em administração, tem 35 anos e toca uma startup em um segmento menos charmoso, como serviços empresariais.

Tem gente séria nesse grupo? Tem sim. Mesmo. Tipo jogador de futebol metrossexual. Não é porque ele está preocupadíssimo com a maquiagem, com o cabelo e como os ângulos em que é capturado pelas câmeras no estádio que ela não jogue um bolão nem faça uma porção de gols.

Do ponto-de-vista da grande empresa, este empreendedor tem um ótimo perfil para ser chamado a dar palestras e participar de eventos. Eles têm talento para lidar com a mídia e com o público. São carismáticos até quando fingem ser polêmicos, pois estão falando exatamente o que o público deles gosta de ouvir. E podem ser úteis a alguns objetivos de treinamento e provocação criativa aos talentos nas grandes empresas.

Aqui, um ponto importante. Se você, na corporação, deseja se aproximar do universo das startups, saiba que talvez seja obrigado a fazer um trade-off, ou seja, ao escolher um determinado público, muito provavelmente perderá outro. Para ver como o ecossistema do empreendedorismo pode ser multifacetado e contraditório.

Caras de startups “Vale do Silício” têm dificuldade para aceitar caras de startups “Hollywood”. Para começar, porque não entendem como um cara à frente de uma startup pode dedicar tanto tempo a aparecer na mídia. Trabalhar em startup não é fácil e consome 200% da sua agenda e da sua energia. A lógica é que ou você se dedica a ser um bom Bruce Wayne ou você dedica a ser um bom Batman.

Outro motivo que leva a essa desconfiança é os empresários “Vale do Silício” acreditarem que esse comportamento dos empresários “Hollywood” é ruim para o ecossistema, pois gera poucos negócios e deturpa o entendimento do que é uma startup, das suas dificuldades reais e das suas necessidades.

Isso gera uma condição em que alguns empreendedores não querem se misturar com outros para não serem vistos da mesma maneira. Esse sentimento e esse comportamento são reais e percebo que a maioria das grandes empresas (bem como organizadores de eventos e iniciativas de inovação aberta) não percebem isso ao endereçar o mundo das startups.

Startup “Vale do Silicone”

Esses negócios se autodenominam “startups”, mas, ao menos no meu entendimento, não são.

Não considero, por exemplo, um Food Truck uma startup. As barraquinhas de lanche “fixas” já existiam. Assim com os trailers e os carros utilitários adaptados para vender cachorro-quente e sanduíche de pernil na rua. O que acontece, com o movimento dos Food Trucks, é uma mudança de formato em um segmento já bem estabelecido no Brasil. (Sequer o modelo de negócio sofreu qualquer inovação.) OK, podemos chamar qualquer negócio nascente de “startup”, mesmo que ele não traga uma disrupção ao mercado. Mas confesso que prefiro guardar a conotação de inovação do termo “startup” para negócios que tragam alguma novidade ao mercado. Senão é apenas hype vazio ou estrangeirismo idiota.

Por isso proponho aqui a categoria “Vale do Silicone”, não para ser pejorativo, mas para enfatizar o mau uso do termo estrangeiro, a tradução apressada, aplicada de qualquer jeito a qualquer coisa. Chamar toda empresa nova e pequena de “startup” faz você parecer o Joel Santana falando inglês – e traduzindo silicon por “silicone” e não por “silício”.

Para a corporação, a melhor maneira de olhar para este tipo de “startup” é mesmo fornecedor. Ainda que não seja muito inovadora, ela pode resolver problemas como uma entrega melhor ou com um preço menor.

Startup “Lifestyle Job”

A diferença desta para aquela que chamei de startup “Vale do Silício” é a escala. Ela não tem expectativas de crescer muito. E pode se tornar um negócio redondo – mas pequeno. O que não seria tão atraente para um grande investidor.

Não se trata de incompetência gerencial nem apetite por dinheiro nem falta de uma visão empresarial mais aguda. Trata-se de uma dimensão mais pessoal do negócio e do que se quer dele. A empresa pode um dia vir faturar uma ou duas dezenas milhões de reais por ano. Ela será maior que a maioria das empresas no Brasil, gerará empregos e poderá ser rentável para seus fundadores – ainda assim, talvez nunca venha a ser atraente para investidores de risco. Esse desencontro de expectativas quanto a tamanho e escala costuma ser um fator importante no estranhamento entre as grandes empresas e as startups.

Em alguns casos, o empreendedor nem mesmo tem o desejo de se tornar uma empresa grande, quer apenas fazer um trabalho do qual tenha orgulho e crescer de forma sustentável. E tudo bem. Nada de errado com isso.

Apesar de muitas startups “Vale do Silício” terem um modelo de negócio “líquido” (palavrinha da moda para referir empresas com grande capacidade de adaptação às oportunidades), uma startup “Lifestyle Job” pode ser ainda mais flexível e ágil, dado a sua estatura mais leve, para se adequar às condições da estrada.)

Para a corporação, essas startups podem ser boas opções para acquihire (quando o interesse repousa mais nos talentos ou no time do que nos produtos ou serviços da startup) ou para a criação de iniciativas em conjunto – joint ventures, acordos comerciais ou operacionais etc.

E aqui também vale o recado: saiba diferenciar uma startup de um fornecedor qualquer, porque uma abordagem errada pode estragar a relação para sempre. No mês passado, por exemplo, uma grande empresa me pediu para fazer a ponte com uma startup. Conversando com o fundador da startup, o que escutei foi: “eu já tentei fazer negócio com eles umas 10 vezes, sempre trabalhamos um monte e o projeto nunca nasce. Eu não posso mais perder tempo com eles”.

O problema não era de dinheiro – havia verba para o projeto. O problema era de timing, de estilo, de processo. A grande empresa imaginava estar negociando do seu jeito um projeto novo. A startup, no entanto, com outra realidade e com outro modus operandi, já estava fazendo a opção lógica de não investir mais tempo em uma frente que já tinha se provado pouco producente. O que poderia gerar um casamento ótimo já estava enveredando para uma separação precoce e algo ressentida.

Poderíamos falar ainda das startups “PPT”. Como empreendedorismo está na moda, não é incomum conhecer alguém que está “começando uma startup”. (É meio que um pleonasmo dizer isso.) O sujeito tem longas discussões sobre modelo de negócios, pede contatos de possíveis clientes e investidores aos amigos, tem mil post-its coloridos pregados no business model canvas na parede, mas a empresa não sai do projeto, fica eternamente na gaveta, presa ao papel ou à tela do computador.

É um comportamento do tipo “vou entrar na academia” – você compra o tênis e a roupa mas nunca aparece para malhar. A alguns, falta coragem. A outros, força de vontade. Para outros, ainda, a conversa sobre empreender é apenas uma maneira de se promover ou de fingir (para si mesmo, inclusive) que está saindo da zona de conforto.

Já vi até startups que não nasceram porque o grupo de fundadores não conseguiu achar alguém perfeito para tocar a empresa. Ora, parte importante de empreender é tocar a empresa. E alguém perfeito não existe. Ou então dedique-se a ser investidor, a vira um anjo. O que é outra história. Só não dá para imaginar que abrir uma empresa é ter uma ideia, vê-la crescer e dar certo sem correr risco e sem botar a mão dentro, para ser vendida em seguida por alguns milhões, permitindo aos sócios-fundadores saírem de vez da gestão para presidir o conselho. Não é assim que funciona o mundo (real) das startups. Esse tipo de situação é uma exceção. E, mesmo quando acontece, só acontece lá na frente, depois de muita ralação. Trata-se do último capítulo do livro. E não está certo que ele venha a existir.

Daria para listar vários outros tipos de startups. Mas acho que esses perfis descrevem bem uma boa gama das startups que conheci. Espero que essa reflexão lhe seja útil. E bons negócios!

 

Ricardo Cavalini, 44, é fundador do Makers.

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