Ele errou em quase tudo. Mas a ideia era boa e está dando certo: um clube de café por assinatura

Daniela Paiva - 4 jun 2015
Felipe, que "errou em tudo" na Have a Coffe, em uma expedição a uma das 30 fazendas produtoras parceiras.
Daniela Paiva - 4 jun 2015
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“A gente errou… praticamente tudo”, diz o mineiro Felipe Souza, 30, idealizador do Have a Coffee, uma plataforma digital que estimula a cultura do café especial e faz disso um negócio com modelo bem contemporâneo. Apesar dos muitos erros cometidos, que contaremos nessa conversa acompanhada de um bom café, o negócio deu certo.

Mensalmente, a Have a Coffee entrega, via assinatura, pacotinhos de 250 ou 500 gramas (34,90 e 64,90 reais) de café, preferencialmente em grãos, ou moído mesmo. A cada mês, é feita uma seleção minuciosa do tipo de café, que vem de produtores diferentes. Um mesmo produtor pode voltar à seleção se apresentar novidades no produto, como novas técnicas de trato, ou a chegada de uma safra ainda mais incrível que a anterior. Felipe trabalha com os chamados cafés especiais, classificados dessa forma a partir de critérios de análise sensorial que conferem pontuação e notas, além de uma série protocolos e padronizações estabelecidas pela Social Coffee Association of America (SCAA) norte-americana.

A sacada da Have a Coffee é encontrar o sujeito que produz esse tipo de café pelo Brasil, em geral situado nas regiões próprias para o cultivo da varietal arábica (da qual é feito o café especial), que são Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Bahia.

 

No site da Have a Coffe, a cada mês um produtor diferente é selecionado e seu produto é enviado aos assinantes.

No site da Have a Coffee, a cada mês um produtor diferente é selecionado e seu produto é enviado aos assinantes.

Mas voltemos ao sinceríssimo empreendedor que é Felipe, um cara que, até conseguir transformar sua (boa) ideia em um negócio organizado e sustentável, tomou muito gole atravessado, especialmente antes da estreia oficial da empresa, em agosto do ano passado. À lista dos erros “em tudo”:

“Primeiro, gastamos muita grana para trazer o café, torrar, envasar, a embalagem que usamos não era a melhor”, enumera Felipe. É apenas o começo do engasgo. “Aí, como o café era recém-torrado, algumas embalagens estufaram por conta do gás e explodiram”, conta. A lição? “O café especial não pode receber iluminação. Tem que ser uma embalagem toda vedada, valvulada, e a nossa não era.”

Era abril de 2014. Os problemas citados acima começaram na pré-venda do produto, quando estavam em fase de teste para o lançamento do site propriamente dito. Mas, antes mesmo de entrar no ar, a coisa estourou e o sucesso – 100 assinantes em uma talagada só — 0 obrigou a fazer uma pausa estratégica. Antes do desastre tomar dimensões maiores, era preciso reorganizar a casa. E avisar os recém-adquiridos clientes. Felipe conta:

“Tivemos que parar tudo e mandar um email honesto falando: ‘galera, íamos inaugurar o site, mas não rolou. Precisamos de mais dois meses.’ Com isso, os clientes ficaram conosco”

Seis meses depois, a base de assinantes já tinha saltado para 500 pessoas. Hoje, a Have a Coffee tem mais de 30 produtores de café parceiros e o site recebe 5 000 visitantes por semana. A empresa faturou 100 mil reais no ano passado e tem previsão de break-even para o início de 2016.

Parece um passe de mágica? Mas não foi nada disso. Vamos voltar um tiquinho no tempo, na prosa, e entender as etapas que Felipe atravessou até sair do estágio “fiz tudo errado” e chegar ao ponto atual, de “vamos tomar um café?”.

ACELERADORA É BOM, MAS SÓ SE VOCÊ ACELERAR TAMBÉM

Envolvido na realização do negócio que imaginara no ano anterior, em janeiro de 2014 Felipe colocou uma landing page no ar para as pessoas que se interessassem pela ideia cadastrarem seus emails. Em uma semana, como contou, o Have a Coffee recebeu 100 pedidos de contato. Animado, decidiu inscrever o projeto na Start You Up, aceleradora capixaba filiada ao Startup Brasil e eleita uma das 10 melhores do país. Seu projeto foi escolhido.

“No lugar de pegar dinheiro no banco, um ‘paitrocínio’, ou outro caminho, o da aceleração me pareceu o mais legal. Mesmo porque este projeto é muito custoso para ganhar escala e tração. Eu ia precisar de uma rodada de investimentos”, conta Felipe.

O próximo passo de sua estratégia foi o convite ao futuro sócio, Marco Antônio Oliveira Santos, que mora no Rio de Janeiro. Administrador com experiência em e-commerce, Felipe precisava de um braço criativo para o design e o marketing do novo negócio, enquanto ele ficaria sendo o homem do café, envolvido na caça aos produtores, no cuidado com o preparo, a torra etc.

Encontrou Marco por indicação de um amigo. A conexão foi estabelecida por conta de uma propriedade de Marco de plantio de café na Bahia. O publicitário estava afim de entrar ainda mais no mercado. “Tomamos um café, e ele saiu sócio”, diz.

Faltava, ainda, o outro braço, o tecnológico, que veio com a entrada de Makoto Hashimoto e Rodolfo Spalenza, programadores, na sociedade. Eles trabalham na Wine.com.br, loja de vinhos digital que comprou a Giran, empresa de desenvolvimento de software. Felipe atuara como gerente de marketing e produtos da Giran de maio de 2013 a maio de 2014.

O pacote enviado aos assinantes (depois que Felipe corrigiu o "vacilo" nas embalagens) protege e garante a qualidade do café.

O pacote enviado aos assinantes (depois que Felipe corrigiu o “vacilo” nas embalagens) protege e garante a qualidade do café.

Aí você pensa: “Ah, o cara entrou para a aceleradora, encontrou os sócios certos e largou o emprego para se dedicar ao próprio negócio”. Nada disso. Até agora, nenhum deles pôde largar o emprego. Marco trabalha em uma agência de publicidade no Rio, Makoto e Rodolfo estão na Wine e Felipe atua na área de finanças da Bitcast, um escritório de engenharia, além de ser professor convidado do Senai. “Não tem glamour. A gente se reúne no final do dia, no almoço, no fim de semana, à noite, quando dá”, afirma.

Deste jeito, que é o jeito possível, Have a Coffee passou pela capacitação do programa, recebeu suporte físico e um survival money de 30 mil reais. Com a grana da aceleradora e mais uns 30 mil reais do seu bolso e dos sócios, Felipe encarou inúmeras viagens por fazendas no interior do país, para entender a estrutura da produção. Encontrou um sistema complicado, com produtores vendendo seus grãos no mercado de commodities, perdendo muito dinheiro e prestes a abrir mão do negócio. Isso sem falar nas dificuldades com algumas cooperativas.

Nessa altura, percebeu que a sua empresa teria de assumir uma outra missão, além da entrega do café especial: estimular a produção, ajudando os proprietários a desenvolverem seus negócios via abertura de espaço no mercado, direct trade com preços justos (compra dos grãos) e que valorizam o produtor, elevação do padrão, suporte etc. Voltaremos a este assunto mais adiante.

De volta à grana, as conversas da startup com potenciais investidores ainda estão acontecendo, e alguns namoros quase resultaram em compromisso recentemente. Mas, é tenso. Mais tenso ainda se você acreditar que a aceleradora vai fazer tudo por você e pelo seu empreendimento, como alerta Felipe: “O processo de aceleração não é a salvação, a coroa na cabeça. Eram 10 startups quando começamos, quatro morreram em menos de um ano porque acreditaram que ia aparecer um investidor de repente e salvar o negócio”. Em vez de coroa, coloque enxaqueca nessa cabeça:

“Minha startup tem 500 assinantes em todo o Brasil e eu não consigo dormir porque não tenho uma empresa consolidada por trás para dar assistência a esses clientes”

Também não dá para gastar todas as suas energias de empreendedor na busca pelo investidor, sob o risco de ver minguar a que é necessária para fazer a máquina do negócio girar. Ainda imersos no vaivém de planilhas e reuniões com investidores que cozinham a decisão final, Felipe optou por seguir em frente com as etapas da empresa independentemente de receber suporte financeiro.

NÃO ESTAMOS PRONTOS, MAS VAMOS ADIANTE

Uma dessas ações inclui uma sede física em São João do Alto Viçosa, zona rural de Venda Nova do Imigrante, no interior do Espírito Santo e em plenas Montanhas Capixabas. O local é um galpão nas terras de um dos sócios, que servirá de espaço para micro torrefação e uma loja física para degustação. Esse passo muda bastante a operação, já que hoje o processo de torra é feito em parceria com a Trentino Cafés Especiais.

Além das degustações, a Have a Coffe quer promover viagens dos assinantes do clube às fazendas produtoras.

Além das degustações, a Have a Coffee quer promover viagens dos assinantes do clube às fazendas produtoras.

Outras frentes previstas são a promoção de eventos Have a Coffee – o que inclui uma visita guiada dos assinantes aos cafezais dos produtores —, a repaginação do site, e a consolidação de algumas parcerias que já estão em andamento. Dentre elas, a com o Mestre Queijeiro (em São Paulo) e com a La Fruteria (no Rio). “Vamos fazer as coisas acontecer. Como e de que jeito, não sabemos, mas vamos fazer”, afirma Felipe, e diz mais:

“Se você teve uma boa ideia, tente executá-la. É preciso ter consciência das coisas, entender os movimentos, mas é essencial executar”

Mesmo que essa execução aconteça de trás para a frente, como foi o caso da Have a Coffee — que primeiro formou o clube de assinantes para depois formatar o produto, o que só vai acontecer agora com a micro torrefação e a cafeteria modelo. “Eu precisava convencer os caras de que tinha mercado. Quem ia botar 30 mil reais numa micro torrefação? Em um clube de assinaturas de café online, sim”, conta.

Felipe da execução, da operação do negócio, e principalmente de e-commerce. Sua experiência profissional acumula funções de gestão e-commerce da Adcos Loja Virtual e de projetos de marketing do Grupo iMasters, de Tiago Baeta (já entrevistado pelo Draft). “Sempre trabalhei em operação e fiz as coisas acontecerem. Tenho um pouco desse problema. Não gosto de ficar desenhando, planejando, discutindo em reuniões infindáveis. Vamos colocar em prática e vamos nessa”, diz o empreendedor.

COMO TUDO COMEÇOU

Felipe é mineiro, de Governador Valadares, e mora no Espírito Santo desde os cinco anos . Em 2005, Felipe realizou a típica movida valadarense rumo aos Estados Unidos enquanto cursava a faculdade de administração. Participou de um programa de estágio na Procter & Gamble e trabalhou na Gillette em uma cidade próxima à Boston. Aí, foi ficando, ficando, ficando… Trabalhou em hotel, depois no Starbucks, depois num restaurante e café. Ali, nesse último job, teria plantada a semente para o seu negócio — algo que Felipe só perceberia anos depois.

O dono do restaurante era grego e, nos fundos da bodega, torrava café com uma máquina específica. Felipe achou aquilo muito legal, passou a se interessar por café e a consumir com outros olhos os produtos vendidos no Starbucks, mas ainda não vislumbrava isso como um possível negócio.

Só mais adiante as ideias se encaixaram. De volta ao Brasil, Felipe queria empreender, e o café fez sentido por conta de sua ascensão no mundo gourmet. É verdade que ele também tinha um certo histórico familiar, com parentes envolvidos no cultivo cafeeiro em Minas Gerais. Outra vantagem era morar no Espírito Santo, um local estratégico para a se movimentar entre as principais microrregiões produtoras de café no país.

De olho na onda crescente do consumidor exigente, o cara interessado em saber como o café está sendo plantado, se é orgânico, se é produzido com consciência ambiental e social, Felipe colocou a primeira landing page no ar (aquela, que atraiu 100 interessados, os primeiros assinantes do clube).

Lembra que voltaríamos a falar da missão paralela da Have a Coffee, de estimular a produção e fechar parcerias com produtores? Pois certo dia, em meados de 2014, depois de muito conversê e cafezinho com sua turma de amigos, Felipe recebeu a indicação para conhecer a Fazenda Ninho Da Águia, comandada pelo surfista Clayton Barrossa Monteiro. Paulista, ex “perdido na vida” para a família, Clayton começou a cuidar de uma propriedade dos parentes aos 22 anos e hoje, aos 40, atingiu uma excelência que não poderia ter caído melhor nos planos de Felipe.

Logo depois que a Have a Coffee fechou a parceria com Clayton, o café da fazenda foi eleito o melhor do país na premiação Coffee of the Year, uma das mais importantes do setor. O site de Felipe bombou — e o resto é a história que contamos acima. E aí? Vamos tomar um cafezinho?

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Have a Coffee
  • O que faz: Serviço de assinatura digital de cafés especiais
  • Sócio(s): Felipe Souza, Marco Antônio Oliveira Santos, Makoto Hashimoto e Rodolfo Spalenza
  • Funcionários: 4 (os sócios)
  • Sede: São João do Alto Viçosa (ES)
  • Início das atividades: agosto de 2014
  • Investimento inicial: R$ 60.000 (metade capital social, metade investimento dos sócios)
  • Faturamento: R$ 100.000 (em 2014)
  • Contato: contato@haveacoffee.com.br
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