As empresas nunca precisaram tanto de uma ideologia para viver. Abraçar uma causa não é só bom mocismo: é uma necessidade. Cada vez mais, os clientes exigem que as empresas ofereçam algum retorno para a sociedade. Quase metade dos consumidores preferem comprar marcas que apoiem uma causa, apontou a pesquisa Good Purpose, feita pela Edelman com 8 mil pessoas ao redor do mundo em 2012. Um aumento de 47% em relação à mesma pergunta feita dois anos antes. Ter essa identidade definida ajuda não só as vendas, mas também aumenta o valor intangível da marca. Por outro lado, abraçar uma causa qualquer, superficialmente, pode ser um tiro no pé. Para isso, estão surgindo consultorias especialistas em orientar, montar estratégias e comunicar todo esse processo.
“Causa não se cria, não se fabrica, não se inventa de uma hora para outra”
A frase acima reflete o pensamento do cientista político Leandro Machado, que há quase dois anos criou a Cause, especializada em ajudar outras empresas ou organizações a encontrar e defender suas causas. “O que fazemos é uma investigação completa, dentro e fora da empresa, para encontrar quais são as causas que fazem mais sentido à marca”, diz ele.
“Não adianta, por exemplo, uma cadeia de supermercados inventar que é a favor das bicicletas. O marketing pode até criar um passeio ciclístico, mas o cliente logo vai ver que as entregas ainda são feitas de moto, que não existem bicicletários… Verá que tem alguma coisa errada”, diz. É aí que entra o trabalho de empresas como a Cause, que costumam ser chamadas de especialistas em cause marketing.
A partir da pesquisa, quando um tema coerente é encontrado, Leandro e seu time estruturam todas as outras áreas da empresa. “Se for mobilidade urbana, então vamos pensar: de que reformas precisamos nas lojas para que sejam mais bike friendly? Qual incentivo que dou para funcionários usarem mais bicicletas? Quais associações posso apoiar?”, diz. Um trabalho que pode unir empresários, entidades de classe, ONGs e até governo. Tudo em busca de ações mais profundas e transformadoras do que simples campanhas de marketing costumam ser capazes.
Com propósito parecido nasceu a Design de Causas, há cerca de um ano, que desenha causas sociais com foco em informação. A jornalista e fundadora da empresa, Brenda Fucuta, retrata o cenário:
“Antes, as empresas faziam doações, criavam institutos, fundações. O problema é que assim não se divulgavam, não se posicionavam. Faziam isso de forma fragmentada, sem internalizar o conhecimento”
Segundo ela, muitas vezes nem os próprios funcionários ficam sabendo das ações da empresa. Que dirá os consumidores. “Hoje há uma necessidade de posicionamento. O público espera que devolva-se algo em capital social”, prossegue Brenda. Mas não de qualquer jeito. Usar storytelling para contar histórias que não existem, por exemplo, nem pensar. “O envolvimento (da empresa) precisa acontecer de forma sincera. As empresas sabem que serão cobradas. As redes sociais já se antecipam nessa cobrança”, afirma Brenda.
O time da Design de Causas trabalha de duas formas: fazendo consultoria para a sensibilização de públicos (clientes, fornecedores ou os próprios funcionários, por exemplo), ou orientando empresas que já têm uma causa definida, mas seguindo uma linha de longo prazo. “Outros tipos de empresa, como agências de publicidade ou branding, podem fazer esse trabalho de associar uma causa à marca. Mas geralmente fazem isso a curto prazo, de um jeito muito específico. Nossa estratégia é a construção de relações de longo prazo, para atender verdades da empresa, quando ela descobre um tema mobilizador”, diz Brenda.
EXPERIÊNCIA PARA TRANSFORMAR
Além de trabalhar para aumentar o valor intangível das empresas, a Cause e a Design de Causas têm em comum outro bem intangível extremamente valioso: são formadas por ex-executivos experientes, que têm formações complementares e já comandaram grandes projetos de marcas como Editora Abril e Natura.
Por quase 10 anos, o cientista político Leandro Machado trabalhou na Natura. Começou na área de relações com o governo, passou por várias outras até ser responsável pela comunicação da presidência da empresa. Lá, conheceu Mônica Gregori, que foi responsável pela comunicação e marca, marketing corporativo e por uma unidade de negócios da Natura, e o antropólogo e jornalista Rodolfo Gutilla, criador da área de sustentabilidade da empresa.
Em 2009, Leandro deixou a Natura para ser porta-voz do co-presidente da empresa, Guilherme Leal, que se lançara vice da então candidata a presidência Marina Silva. Leandro viajou aos Estados Unidos para conhecer alguns dos escritórios que trabalharam na campanha de Obama. Dois deles tinham áreas dedicadas à defesa de causas e posicionamentos, ou “advocacy”, um conceito que Leandro já conhecia das ciências políticas. Mas, agora, havia ali algo diferente. “Eles faziam estratégia de comunicação, pressão, mobilização e realmente conseguiam atingir um objetivo. Isso ficou na minha cabeça”, diz ele.
Anos depois, Leandro convidou Mônica e Rodolfo para montarem a Cause. “Depois das manifestações de 2013, tivemos a certeza de que estávamos criando uma empresa conectada com o espírito da época. As pessoas querem se engajar, nem que seja só para postar no Facebook”, diz ele. Entre projetos entregues e em andamento, a Cause já soma mais de 10 clientes — 60% deles ONGs, associações de classe e institutos, e 40% são empresas.
Já Brenda Fucuta, da Design de Causas, trabalhou na Editora Abril por mais de 20 anos. Saiu em 2013, quando cuidava da Unidade de Negócios Femininos. “Foi muito interessante o aprendizado com o público feminino. Saí de lá com o projeto de mostrar como a demografia estava mudando o ambiente para as mulheres”, diz ela. Para criar a empresa, Brenda convidou seu irmão, Júlio Fucuta, jornalista com passagem pela Abril e pela agência de comunicação RLC, onde desenvolveu estratégias para marcas e liderou projetos como a criação de uma agência de comunicação para as Paraolimpíadas de 2012. Para completar o time, entrou como sócio Caio Coimbra, profissional de planejamento que foi head de marketing do Planeta Sustentável no Grupo Abril e trabalhou ainda com marcas de peso como AmBev, Globo e Banco Real.
A experiência dentro de grandes empresas, deu a eles uma compreensão profunda do cenário. “Sabemos bem como é o dia-a-dia corporativo, a importância do resultado trimestral, do anual. Isso é fundamental para saber que estratégia montar”, diz Caio. A ideia de usar a experiência corporativa para empreender veio junto com a vontade de fazer a diferença, como Julio diz:
“O Brasil e o mundo estão passando por um processo importante de mudança. Queremos cuidar do propósito das empresas e fazer algo que faça sentido para nós também”
O ramo das consultorias que se preocupam exclusivamente com causas é novo, mas já guarda experiências interessantes. Uma boa história é a do projeto encomendado à Cause por uma farmacêutica brasileira instalada na região metropolitana de São Paulo. Com financiamento do BNDES para construir uma segunda fábrica, a contrapartida era que a empresa aplicasse parte da verba em um projeto sócio-ambiental. Mas, qual?
COMO É ENCONTRAR UMA CAUSA, NA PRÁTICA
Leandro conta que a Cause mobilizou antropólogos e jornalistas para mergulharem em uma pesquisa de quais eram os problemas dali. “Olhe a ironia: uma empresa de saúde há 30 anos no município e o maior problema era justamente a saúde”, diz. A solução foi buscar uma política federal que já existia, o e-SUS, do Ministério da Saúde, para ser implementada no município, com o apoio da prefeitura e de outras lideranças locais. O resultado será a informatização completa dos atendimentos da rede de saúde pública do município. “O Ministério oferece o software, e com os recursos estamos comprando equipamentos, treinando funcionários e fazendo a comunicação do projeto e o engajamento da comunidade. Encontrando a causa certa, conseguimos resolver de verdade um problema grave da região. E, agora, as pessoas sabem quem são os responsáveis pela mudança”, afirma.
Pesquisa e equipes multidisciplinares são fundamentais no trabalho dessas consultorias. A Design de Causas adota como sistema de trabalho o tessellation, em que diversos módulos podem ser trabalhados, de acordo com a necessidade. Dependendo do projeto, o grupo pode contar com a colaboração de profissionais como semiólogos, demógrafos, historiadores, repórteres, designers e videomakers. “A empresa pode estar no módulo de alinhar causas, ou em outro de juntar marketing com social. Conhecemos as pessoas certas para cada função, e isso faz a diferença”, diz Brenda.
O primeiro trabalho da empresa foi o projeto Rupturas, para a Editora Abril. Apresentado ao mercado na forma de documentário, o estudo abordou o envelhecimento e traçou os novos ciclos da mulher brasileira. Em outra frente, os sócios da Design de Causas preparam também um site para defender uma causa adotada por eles: uma melhor convivência entre gays e heterossexuais. “Criamos um site chamado Paz pelo Amor, com conteúdo relacionado ao assunto, como os medos e a desinformação que envolvem essa relação. Agora estamos convidando empresas a abraçarem essa causa”, conta Brenda. O momento é também de prospectar. “Estamos com briefings bem encaminhados tanto com empresas como com agentes do governo”, diz Caio.
COMO COBRAR POR ALGO DE VALOR INTANGÍVEL?
As duas empresas não revelam quanto cobram. Ambas afirmam que tudo depende do tamanho do projeto e do estágio em que está. O tipo de cliente também afeta este valor. “Temos sido muito procurados por ONGs e sabemos que não dá para cobrar o mesmo que cobraríamos de uma empresa, porque não vão ter recursos para pagar”, diz Leandro Machado, da Cause. Nesse caso, eles tentam transmitir o conhecimento. “Montamos um workshop para que os funcionários da ONG consigam trabalhar sozinhos”, diz.
Investir e tratar com seriedade as causas que abraça é algo que traz um retorno duradouro às empresas. “O fato de ter uma causa não necessariamente blinda uma empresa contra crises, mas certamente faz com que ela se sobressaia dentre as outras que estão no mesmo barco”, diz Caio. Quem tem uma causa, verdadeira e bem cuidada, vale mais.
A Ingredion entende que não basta ser bom para a empresa, precisa gerar valor para quem está dentro e fora dela. Conheça mais sobre a estratégia de responsabilidade social da companhia.
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