Conheça as empreendedoras por trás do Mercado Manual. Elas lucram com consumo ético e artesanato

Giovanna Riato - 4 maio 2017Patricia (agora sócia da empresa) e as fundadoras Karine e Daniela: crescimento, críticas e novos horizontes à vista.
Patricia (agora sócia da empresa) e as fundadoras Karine e Daniela: crescimento, críticas e novos horizontes à vista (foto: Danilo Mantovani).
Giovanna Riato - 4 maio 2017
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Realizar um festival para promover os produtos feitos à mão, colocar o consumo ético em discussão e exibir artesanato brasileiro como peças de arte: check. A Floristas Produções conseguiu realizar e amadurecer com sucesso o Mercado Manual, evento criado no fim de 2015 que nasceu e segue acontecendo em parceria com o Museu da Casa Brasileira (MCB), em São Paulo, mas ganhou edições menores em outros lugares. Sem nenhuma experiência anterior na área de eventos, neste pequeno intervalo de tempo a empresa construiu um festival que hoje tem público cativo — e crescente.

As Floristas apareceram no Draft pela primeira vez há pouco mais de um ano (clique na foto para ler a reportagem).

As Floristas apareceram no Draft pela primeira vez há pouco mais de um ano (clique na foto para ler a reportagem).

Entre conquistas e tropeços, as sócias apontam que conseguiram provar um ponto: “Desde que comecei a empreender muita gente me disse que eu estava louca, que o projeto não fazia sentido. Hoje está claro que faz. Parece que chegamos para ocupar um espaço que estava vago e fazer um evento que as pessoas já queriam”, conta Daniela Scartezini, 39, a Dani, sócia e fundadora da Floristas ao lado de Karine Rossi, 44.

Recentemente Patricia Toledo, 45, que começou como parceira apenas do evento, completou o time ao se tornar a terceira sócia da empresa.

Um ano e meio desde a estreia do Mercado Manual e oito eventos depois — a 9ª edição acontece de 6 a 7 de maio no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, as sócias se estruturam e pensam nos próximos passos do negócio enquanto seguem na correria.

“O Mercado Manual tem só um ano e meio, mas parece bem mais”, diz Dani sobre a experiência intensa dos últimos meses. As três lembram que, no primeiro Mercado Manual, em dezembro de 2015, conseguiram atrair público superior a 3 mil pessoas – número que dobrou em edições seguintes.

O curioso, contam, é que de cara o encontro já encontrou seu espaço. “Parecia reunião de família”, conta Karine. E prossegue: “Era engraçado ver que as pessoas já se conheciam e se encontravam sem querer ali. Vimos que o clima era especial”. Na época o evento gerou de 265 mil reais em receita aos cerca de 50 expositores que participaram — foi mais do que elas calculavam. Um ano depois, no Mercado de dezembro de 2016, este valor já chegou a 565 mil reais.

NOVAS EDIÇÕES E UM EVENTO DE ARTESÃOS NO SHOPPING

O boca a boca gerado no encontro fez com que elas fossem convidadas para fazer edição pocket do Mercado Manual na Casa TPM, encontro para mulheres promovido pela editora Trip do qual participaram duas vezes. Foram chamadas ainda para levar o Mercado Manual para o MECA Inhotim, evento cultural que mistura shows, debates, workshops e exposição e aconteceu no museu mineiro em outubro de 2016.

Para as Floristas, oferecer entretenimento e oficinas é uma forma de fortalecer o consumo ético.

Em um ano e meio, as Floristas conseguiram transformar artesanato e consumo consciente em um negócio lucrativo.

“Foi uma loucura. O convite veio a menos de um mês do evento. Saímos correndo, convidamos os expositores, reservamos hotel e ônibus”, conta Patrícia, dizendo que na época incorporaram funções dignas de uma agência de turismo ao já amplo rol de tarefas da Floristas.

Karine encarou a missão de viajar com os artesãos a Minas Gerais para o evento. “Foi muito trabalhoso montar a estrutura lá, mas foi recompensador ver o espírito de rede, os artistas se ajudando”, conta ela, mostrando que ao longo do tempo a Rede Manual, que engloba o evento e tem o propósito de fortalecer os artesãos brasileiros, está se apurando.

No meio no caminho, com o crescimento do projeto a pleno vapor, nasceu a filha de Dani, que completou a família que já contava com um menino. Ela diz que mal conseguiu se afastar do trabalho, e faz uma reflexão:

“Minha impressão é que tenho três filhos: os meus dois mais a Floristas. Às vezes me sinto partida ao meio, com aquela sensação de que deveria estar mais aqui e mais em casa também”

O caminho é difícil, ela diz, mas vale a pena: “Pela primeira vez eu tenho realização plena com o trabalho, um propósito real de valorizar a cultura artesanal”.

QUANDO VOCÊ CRESCE E RECEBE CRÍTICAS

Com este olhar, em abril deste ano o Mercado Manual tomou um caminho que gerou alguma controvérsia: pela primeira vez o evento aconteceu em um grande centro de compras, o Shopping Morumbi, em São Paulo.

“Recebemos o convite e resolvemos ir. É um shopping que tem um olhar inovador e busca se reinventar”, conta Dani, lembrando que nasceu ali o Morumbi Fashion, hoje São Paulo Fashion Week. Com a decisão, as empreendedoras precisaram administrar críticas de que teriam “se rendido ao sistema”.

“Nossa casa é o MCB, que realiza o evento com a gente, mas o Mercado Manual pode acontecer em vários lugares”, afirma Dani, e prossegue:

“É fácil promover o consumo ético para o público da Vila Madalena. Queremos ampliar este debate e levar essa cultura para outras praças”

E diz mais: “Podemos sim usar o sistema de consumo que já existe para fortalecer o artesão. Mais de 40 mil pessoas passaram pelo mercado no shopping e conheceram os artistas da Rede Manual, um público que jamais alcançaríamos sozinhas”.

Segundo as empreendedoras, o evento sempre se apoiou no tripé de promover o consumo ético com os expositores, levar entretenimento com shows e realizar ainda oficinas gratuitas de fazeres manuais. A curadoria, contam, é ativo valioso, com escolha cuidadosa dos artesãos e da programação. A parte musical, por exemplo, é feita por Luiza Morandini, do Jazz nos Fundos e do JazzB.

“Deu certo porque conseguimos levar o evento do jeito que ele é para o shopping, que se adaptou para nos receber, não o contrário”, conta Patrícia, falando que a programação do Manual no Morumbi, como foi chamado o evento, foi completa. Com o bom resultado da iniciativa, outros quatro centros comerciais já procuraram as Floristas para promover algo do gênero, mas nada está definido por enquanto.

E O CONSUMO ÉTICO JÁ É QUASE LUGAR-COMUM (AINDA BEM)

Assim como os produtos e a cultura que promove, cada edição do Mercado Manual é “feita à mão”, como contam as empreendedoras.

“Fazemos ‘na unha’, correndo atrás de tudo e resolvendo a produção. O Manual no Morumbi foi a única edição em que conseguimos ter radinhos”, diz Karine, contando que o centro comercial arcou com os custos de produção e as organizadoras tiveram mais tranquilidade para gerenciar o evento como um todo — além, claro, de conseguir investir em rádios para facilitar a comunicação entre a equipe.

Em qualquer outra edição, no entanto, as três resolvem no gogó os mais variados pepinos: do ventilador quebrado ao show que atrasa para começar.

Um dos pilares das Floristas e o storytelling: a cada edição do mercado, a história dos artesãos é (bem) contada e valorizada, no site e na etiqueta dos produtos.

Um dos pilares das Floristas e o storytelling: a cada edição do mercado, a história dos artesãos é (bem) contada e valorizada, no site e na etiqueta dos produtos.

Nos últimos meses, elas conseguiram fortalecer o time da Floristas para dar conta de tanto trabalho: trouxeram a designer Juliana Vomero para integrar o time fixo e contrataram ainda, como freelancers, duas pessoas para ajudar na produção e no atendimento. “Estamos formando a equipe com amigos, trazendo gente que gosta do projeto”, afirma Karine. Com o crescimento e profissionalização, a empresa ganhou um escritório no começo de 2017, em Pinheiros (antes, a sede era na casa de Karine).

O negócio se sustenta com as receitas geradas a cada edição do mercado. O expositor paga uma adesão para participar — a meta é sempre fazer com que este montante cubra todos os custos do Mercado Manual. Lá elas ganham uma porcentagem das vendas, que remunera as três sócias e garante um valor para reinvestir no negócio. Depois de meses sem retiradas, elas conseguiram regularizar essa dinâmica. “Temos superado as metas de crescimento”, conta Patrícia.

O desafio, dizem, é conseguir investir para ampliar a atuação e diversificar os produtos.

“Nosso objetivo sempre foi fortalecer o pequeno empreendedor criativo e incentivar o consumo ético. Estimular as pessoas a comprar de quem faz. Hoje, ainda bem, esse discurso começa a ganhar muito espaço. Em alguns anos vai ser lugar-comum. Temos a preocupação de nos reinventar, encontrar novas formas de trabalhar essa nossa essência”, afirma Dani.

Uma das coisas que ficaram claras com a evolução da empresa é que o caminho é fortalecer ainda mais a experiência do evento, o posicionamento dele como um festival que celebra a cultura do feito à mão, não simplesmente como um bazar. Karine afirma que tornar o momento de compra algo especial é uma forma de fortalecer o consumo ético:

“Ninguém vai lá correndo. As pessoas vão com a família para curtir a programação, conhecer novos projetos e, eventualmente, comprar. É uma festa, mas com calma e com troca”

Para fortalecer isso, elas cogitam criar edições do festival com novos formatos. A ideia é incorporar ao evento uma aptidão forte das Floristas: o conteúdo que, afinal, é a origem da produtora — lá atrás o projeto nasceu focado em storytelling. “Estamos pensando em formatos, mas não há nada fechado”, diz Dani.

Ela sente que há certo desperdício em deixar a veia pulsante para contar histórias de lado. “Sempre tivemos muito cuidado com o nosso conteúdo, que é um dos nossos diferenciais. Fazemos questão falar da trajetória de cada artesão”, diz, lembrando dos posts sobre cada projeto nas redes sociais e da tag que acompanha os produtos comprados no Mercado Manual, um cartão que conta ao consumidor um pouco da história da marca que ele acaba de apoiar.

COMO EQUILIBRAR TALENTOS E POSSIBILIDADES

O plano, diz Dani, é seguir fazendo este trabalho de forma cuidadosa. Mais para frente ele pode se transformar em um novo produto.

“Já teve expositor nos procurando para fazer as redes sociais dele. Nós adoraríamos, mas infelizmente ainda não temos capacidade. Precisamos estabelecer isso aos poucos”, diz, falando da dificuldade que é equilibrar uma balança que pende de um lado com um monte de ideias e planos, mas fica desequilibrada por causa da dificuldade de levantar capital para investir. “Queremos atrair o apoio de marcas”, conta Dani.

Elas também querem tirar alguns planos antigos do papel. O primeiro deles é a Escola Manual, que pretende aprofundar a experiência das oficinas realizadas no Mercado Manual. A ideia é oferecer cursos e aulas com artesãos da rede.

“Queremos começar já no segundo semestre de 2017”, diz Dani. O segundo projeto (que deve ficar para 2018) é a criação de um e-commerce para vender os produtos feitos pelas marcas e projetos da Rede Manual. “O desafio aqui é descobrir como levar a experiência de proximidade com o artesão que tanto defendemos para o ambiente online. É uma fórmula que ainda não temos. Vamos desenvolver”, conta Patrícia. Karine fala da sua perspectiva dessa passagem do tempo:

“Lá atrás meu medo era a gente não conseguir realizar o festival. Hoje, o medo é de não dar conta de acompanhar o crescimento e aproveitar todas as potencialidades”

Assim, elas substituíram os primeiros desafios por novas ambições. A peleja é longa e, ainda que surjam novas inseguranças, as três sócias garantem que o fôlego para conduzir o negócio é o mesmo do começo.

“Sempre toquei vários projetos e fiz muitas coisas ao mesmo tempo. Hoje finalmente percebo que era assim porque nunca tinha encontrado algo que me centrasse. Como empreendedora o trabalho ficou mais intenso, mas ganhei realização pessoal”, conta.

Patrícia e Dani concordam e dizem sentir o mesmo. “As coisas fluem porque fazemos com o coração”, diz Patrícia, em sintonia com os artesãos da Rede Manual, que fazem com o coração — e com as mãos.

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