A geração de energia solar é dominada pelos painéis de silício desde os anos 1980, nos acostumamos a ver estes aparelhos nos tetos de prédios e em campos solares. A empresa mineira Sunew, porém, quer disputar este mercado com o OPV, uma membrana orgânica que transforma luz em eletricidade. A empresa é o primeiro fruto do centro de pesquisa CSEM Brasil, iniciativa de Belo Horizonte que investiu 100 milhões de reais em tecnologia desde 2009 e, agora, começa a disputar mercado com seu primeiro produto comercialmente viável.
OPV é uma abreviação para Organic PhotoVoltaic, material que combina polímeros orgânicos e plásticos em um filme flexível. Leve e maleável, o produto pode envelopar estruturas e objetos, possibilitando a geração de energia em qualquer superfície que receba luz do sol, sem interferir com a paisagem.
Suas aplicações são diversas: o futuro prédio da empresa de softwares Totvs, na Zona Norte de São Paulo, terá 2 mil metros quadrados de sua fachada cobertos pelo OPV, o que vai gerar energia para alimentar 2,5 mil computadores. A Fiat quer cobrir o teto do seus carros com o material e a Votorantim pretende utilizar bóias geradores de energia no lago de uma de suas barragens hidrelétricas. Capas de celulares, mochilas e casacos também podem ser geradores pessoais de eletricidade.
A Sunew inaugurou sua unidade de produção de OPV em 2015. Agora, busca desenvolver aplicações para seu produto em parcerias com grandes empresas. Quer vender OPV no atacado para diminuir os custos de produção, que ainda deixam o produto mais caro do que os painéis solares.
INVERTENDO A LÓGICA DA INOVAÇÃO
A Sunew é fruto de um modelo raro, onde o business é resultado de um centro de pesquisa e não o contrário. Normalmente, grandes empresas abrem centros de pesquisa satélites à sua atividade principal, mas o CSEM Brasil foi criado para desenvolver caminhos que poderiam levar a geração de novos negócios. A iniciativa começou com a Fir Capital, um banco de negócios da capital mineira que partiu de sua expertise da construção de empresas para estabelecer a pesquisa orientada aos novos negócios. Guilherme Emrich, presidente da Fir, e David Travesso Neto, seu sócio, bancaram a ideia.
Isso porque, enquanto a microeletrônica orgânica ainda está dando seus primeiros passos, os painéis de silício já estão próximos da estagnação. Tiago Alves, CEO do CSEM Brasil, fala a respeito: “As moléculas orgânicas são maleáveis, ainda estamos longe de encontrar o desenho final. Há muito campo para crescer e custos para cair”.
Ele prossegue: “O processo de criação do CSEM Brasil foi uma mistura de utopia com uma boa dose de sofisticação jurídica e financeira”. O grupo de investidores definiu as premissas de sua futura pesquisa: ser algo com potencial disruptivo econômico e social; algo novo no Brasil; ter um diferencial de competitividade em escala global; ser relevante a setores estratégicos.
Fundaram, então, seu centro de pesquisa sem fins lucrativos, onde todo resultado precisa ser reinvestido em pesquisa. Buscaram inspiração no CSEM Suíça: “Eles nos ajudaram na estruturação do centro de pesquisa, mas tudo que fazemos aqui é brasileiro, a grana, a tecnologia. Não somos uma filial da Suíça, o que a gente faz aqui os caras não sabem fazer lá. Somos parceiros”, Tiago faz questão de ressaltar.
O ENGENHEIRO QUE ERA SURFISTA
Tiago entrou ainda no primeiro mês dessa história, em 2009. Estava na Inglaterra há quase dez anos e queria voltar para o Brasil quando conheceu a Fir. Havia passado muito tempo no mercado de capitais e também no de semicondutores, foi escolhido por Guilherme e David para ser o diretor do CSEM Brasil, onde chegou para montar a equipe, estruturar a pesquisa e atrair investimentos.
Ele nasceu em 1974, em Recife, filho de uma psicóloga e de um comerciante. Cresceu na praia de Boa Viagem, à época ainda livre de tubarões, e surfava todo dia. Se formou em engenharia eletrônica e administração, passou pela IBM, por telecoms e conseguiu uma bolsa para seu MBA em Cambridge. Quis voltar ao país quando a esposa engravidou e o convite para o CSEM Brasil chegou em boa hora.
O CSEM Brasil utilizou os 100 milhões de reais investidos em duas linhas de pesquisa: microssistemas em cerâmica, como microchips e sensores (que ainda não está pronta para o mercado); e eletrônica orgânica para a geração de energia — que deu fruto à Sunew.
COMO CRESCER APESAR DO CUSTO BRASIL
A principal acionista da Sunew é o CSEM Brasil, em sociedade com o braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDESpar), com a Fir Capital e as comercializadoras de energia Tradener e CMU Energia. A fábrica de OPV foi instalada no Centro de Inovação e Tecnologia Senai/Fiemg, a Federação das Indústrias de Minas Gerais.
Tiago entende que o modelo é atrativo tanto para o setor privado quanto para o público, uma vez que gera capital social ao unir potencial disruptivo, retorno econômico e impacto social, sem ser estatal. “Isso é tudo que os órgãos de fomento querem”, diz:
“Encontramos boa vontade dentro da burocracia. Tivemos muita ajuda de governos, muita gente que via que a coisa fazia sentido e queria ajudar”
Porém, apesar dessas pessoas, o caminho ainda é difícil. Tiago aponta que o custo Brasil é uma realidade que inside em todas as etapas, complicando especialmente o processo de importação. O diretor relata que, após muitas idas e vindas, um fornecedor da Bélgica cogitou não vender mais para o CSEM.
Mas o potencial do setor é grande demais para ser ignorado. O CSEM trabalha com o cálculo de que a nossa jazida solar é, no mínimo, 60 vezes maior do que a da Alemanha, o maior produtor do mundo. Tiago prossegue: “O cálculo de eficiência por metro quadrado é algo brutal. Tem reservatórios que se você cobrir 0,1% da área do lago vai gerar a mesma energia que a hidrelétrica gera. Não tem como ignorar”.
Ele entende que O CSEM Brasil e a Sunew funcionam porque conseguem aliar utopia e visão realista de business:
“A busca utópica é mais defeito de nascença do que vocação. Aqui todo mundo é empreendedor maluco, todo mundo pensa grande”
Ele, à frente de 13 funcionários da empresa, que tem sede em Belo Horizonte, tem consciência de seu papel. “Agora estamos aí, montamos uma das primeiras fábricas do mundo de semicondutores de próxima geração com capital e tecnologia brasileiros. Meu papel também é lembrar a todos de que somos capazes”, diz ele, enquanto o sol brilha forte.