Escalar em nível mundial começando por Seul… Por que não? A TotalCross fez essa aposta

Marina Audi - 19 set 2017Bruno Muniz, fundador da TotalCross, em frente ao Pangyo Startup Campus, prédio do K–Startup Grand Challenge, em Seul, capital da Coreia do Sul.
Bruno Muniz, fundador da TotalCross, em frente ao Pangyo Startup Campus, prédio do K–Startup Grand Challenge, em Seul, capital da Coreia do Sul.
Marina Audi - 19 set 2017
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São 9 horas da manhã em São Paulo e 9 da noite em Seul. No espaço de coworking da maior aceleradora da Coreia do Sul a Sparklabs, Bruno Muniz, 32, CEO da TotalCross – ferramenta de desenvolvimento de apps com um único código fonte em Java, que converte essa linguagem para todos os demais sistemas do mercado –, termina (ou quase) mais um dia de aprendizado. Ele está ali desde o começo de agosto e usará o espaço como escritório pelo menos até dezembro deste ano.

Já aclimatado ao ritmo de trabalho frenético dos asiáticos, Bruno mostra-se feliz de não precisar repetir comigo o horário de reunião da madrugada, que ficou comum entre ele e a equipe sediada em Fortaleza, sua cidade natal. Sob o comando do sócio e CTO Fábio Sobral, 33, sete pessoas continuam a tocar o dia-a-dia da empresa para atender os clientes já conquistados.

“Minha família entende que este é um investimento em minha carreira e uma oportunidade de escalar a empresa… em nível mundial. Por que não”? Bruno aposta que seu produto e modelo de negócio têm aderência com o mercado internacional e está em Seul para comprovar esta tese.

Ele é formado em Ciências da Computação pela Universidade de Fortaleza (Unifor)­ e começou no mercado de TI em 2005, como estagiário na Geosales, empresa focada em Soluções em Mobilidade Corporativa e portais de gestão web. Em 2008, Bruno foi convidado para se tornar sócio técnico da Geosales. Por lá ficou mais de 10 anos até vender suas ações em dezembro de 2016, quando decidiu dedicar-se full life à TotalCross, com novo CNPJ e apenas um sócio, o Fábio.

QUANDO SE ACREDITA NO FEELING — E NÃO NOS NÚMEROS

A tecnologia que fez surgir o produto da TotalCross é brasileira. Foi inicialmente desenvolvida em 2007, na tese de mestrado de Guilherme Hazan, e aprimorada ao longo dos anos. Até 2014, Guilherme manteve a própria empresa, mas não conseguiu atingir o mercado. Decidiu, então, vender o produto para a Geosales (onde Bruno estava) e tornou-se sócio da empreitada. Além de investimento no produto, a Geosales readequou o modelo de negócio, a equipe, a gestão e a ferramenta começou a ter relevância, ou seja, finalmente ganhar mercado.

Entretanto, Bruno e os sócios não dedicavam a atenção necessária a TotalCross e mantinham o foco na empresa-mãe. Mesmo assim, o negócio fluía e os clientes chegavam de forma orgânica, sem muito esforço. Bruno relata que após diversas mentorias com investidores, decidiu vender a sua participação na Geosales e comprar 100% da TotalCross:

“Meu pai achou que eu estava louco. O faturamento de uma era dez vezes maior que o da outra, mas sempre enxerguei o potencial global da TotalCross

A startup oferece uma ferramenta que facilita a criação de aplicativos que pretendem operar em sistemas diferentes. “O cliente pode usar a linguagem de programação Java junto com o nosso produto para desenvolver a aplicação, testar e fazer os requisitos uma única vez e na sequência distribuir para Android, iOS, Windows e Linux”, afirma Bruno.

UMA TECNOLOGIA PARA MUITOS SISTEMAS

O grande diferencial do produto, além da versatilidade, é que ele consegue distribuir isso tanto para sistemas mobile (smartphones) quanto para desktops e coletores de dados (equipamentos robustos criados por grandes empresas como Honeywell e Zebra, muito usados no B2B para operações de logística, estoque e inventário). Atualmente, a ferramenta é comercializada em modelo freemium – a primeira versão é gratuita e a mais completa, com recursos de cloud services, é taxada em modelo SaaS. No Brasil, a licença média gira em torno de 799 reais por mês.

Bruno Muniz e Fábio Sobral, da TotalCross, durante os dois meses que moraram em São Paulo e receberam mentoria da Startup Farm.

Bruno Muniz e Fábio Sobral, da TotalCross, moraram em São Paulo durante dois meses e receberam mentoria da Startup Farm.

Bem, se você não é desenvolvedor e nunca acompanhou a criação de um aplicativo, pode cair no erro de achar a TotalCross comum e até mesmo cara. Mas existem várias linguagens de programação no mundo e cada sistema usa uma. Por exemplo, para se criar um app para iPhone usa-se a linguagem ObjectiveC ou Swift, ferramenta específica criada pela Apple e que só roda em computadores da marca. Se a aplicação for para uso no sistema Windows será preciso usar uma outra linguagem chamada C-sharp (C#). E, se for para rodar em smartphones embarcados com o sistema Android, usa-se a linguagem de programação Java. “Muitas empresas ainda não conseguem enxergar esse custo de desenvolvimento do aplicativo em várias linguagens. Mas se a pessoa quer atingir o mercado inteiro, precisa ter a aplicação desenvolvida em todas elas”, conta o empreendedor.

Na prática, as empresas que desenvolvem aplicativos precisam programar duas ou mais vezes a mesma aplicação e, para isso, precisam de várias equipes. Bruno ressalta, ainda, que a manutenção de um app também pode se tornar onerosa porque é preciso adicionar novas funcionalidades, corrigir bugs e testar, caso contrário, fica-se refém de um aplicativo inacabado que pode não funcionar.

Outro problema muito comum que a TotalCross resolve é que tanto Android quanto iOS atualizam seus sistemas operacionais frequentemente, então é comum um app “quebrar” se não se adaptar imediatamente às novidades. “Acompanhar essas atualizações é responsabilidade minha. É meu produto que vai garantir que os aplicativos rodem de forma correta. Isso é uma redução de custos absurda para o cliente”, diz Bruno.

A TotalCross ainda não abriu nenhuma rodada de investimento. Está prestes a fazê-lo com orientação da aceleradora Startup Farm que ajudou na ampliação do networking com investidores. Até agora o negócio roda em bootstrapping (mantém-se do investimento dos próprios fundadores ou da receita que o próprio produto gera), o que já é um feito no empreendedorismo. A receita que os sócios ganham com os 100 clientes premium (espalhados por 10 países) é reinvestida no produto e em marketing. No plano gratuito, só em 2017, eles contabilizam 2 000 downloads, em 20 países.

POR QUE DESBRAVAR A ÁSIA

A maioria dos concorrentes da TotalCross já recebeu grandes investimentos e está nos EUA – onde também se encontram 19% dos desenvolvedores do planeta. Na Ásia, onde estão outros 20% de desenvolvedores do mundo (metade na Índia e metade na China), a startup brasileira não tem concorrentes. Por este motivo, e no intuito de capturar o mercado asiático, Bruno inscreveu a TotalCross no K–Startup Grand Challenge – programa de colaboração e troca de ideias entre startups coreanas e estrangeiras, com duração total de 10 meses. Em 2017, inscreveram-se 1 515 startups de 118 países. Apenas 49 foram selecionadas, sendo apenas três da América Latina (Brasil, Chile e Panamá).

O site da TotalCross está em português, inglês e coreano. Tudo para dizer que o produto roda os aplicativos em todos os sistemas operacionais, dispensando a duplicação de equipes e as atualizações.

O site da TotalCross está em português, inglês e coreano. Tudo para dizer que o produto roda os aplicativos em todos os sistemas operacionais, dispensando a duplicação de equipes e as atualizações.

“Durante os primeiros quatro meses aqui em Seul, vamos avaliar o mercado local e averiguar se ele realmente tem aderência ao nosso produto. Daí faremos um pitch”. O objetivo é que as 25 startups melhor avaliadas no Demo Day (apresentação para investidores e outras empresas de tecnologia), permaneçam na Coreia por mais seis meses e estabeleçam parte da empresa lá.

Bruno acredita nos diferencias de seu produto para conquistar uma das vagas: ele roda em mais aparelhos do que os concorrentes — e é o único voltado para desenvolvedores Java. Por sinal, um dos principais desafios da TotalCross é montar uma comunidade forte por trás da ferramenta, que se ajude, traga e colabore na solução de dúvidas. A startup investiu na tradução do site, em criação de conteúdo em inglês e coreano e até contratou um desenvolvedor em Seul para fazer o papel de evangelizador, já que o ecossistema por lá é bem fechado.

ERRAR PARA APRENDER

Na avaliação dos próprios empreendedores, a TotalCross cometeu um grande erro quando inicialmente desenvolveu uma estratégia de marketing muito focada no Brasil. “Mas foi um aprendizado gigantesco e o conceito estava correto. Validamos a estratégia de aquisição de clientes com um grupo de 28 startups daqui. A gente sabe o que tem de fazer”, conta Bruno.

Para chegar a esse nível de consciência, ele admite que cometeu outros erros e perdeu muito dinheiro. Lembra, por exemplo, que enquanto estava na Geosales (antes da aquisição da TotalCross), ele e alguns sócios tentaram abrir um negócio relacionado a telefonia. Mesmo sem nenhum conhecimento do mercado, acreditaram que seria fácil e que ganhariam dinheiro com pouco esforço. Bruno confessa:

“Aprendi da pior maneira que não existe ‘almoço grátis’”

Hoje, Bruno acumula experiência e se diz disposto a fazer o que for preciso para que a startup cresça. Em sua visão, é muito difícil continuarem com a operação só no Brasil. Há dois caminhos: abrir um braço na Coreia ou ir para os Estados Unidos. Por precaução, a TotalCross até já mapeou as cidades americanas que têm maior concentração de desenvolvedores Java e averiguou quais delas têm menor custo de vida. “O importante é correr atrás do sonho”, diz ele. Totalmente focado.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: TotalCross
  • O que faz: Ferramenta de desenvolvimento de apps compatível com todos os sistemas do mercado
  • Sócio(s): Bruno Muniz e Fábio Sobral
  • Funcionários: 9 (incluindo os sócios)
  • Sede: Fortaleza (CE)
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: NI
  • Faturamento: cerca de R$ 80.000 mensais
  • Contato: [email protected]
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