Estaleiro Liberdade: uma celebração do empreendedorismo – e do autoconhecimento

Anna Haddad - 13 jul 2015
O Estaleiro Liberdade (de Larusso, de óculo) é uma "escola pirata" focada em fazer seus marujos tomarem a rédea da própria vida.
Anna Haddad - 13 jul 2015
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No fim de 2011, Daniel Barros, 30, mais conhecido como Larusso (apelido que ganhou na faculdade em homenagem ao Karatê Kid) recebeu um tweet com uma proposta para que produzisse um vídeo. Formado em design pela UFSC, em Florianópolis, Larusso havia terminado o curso e se mudado para Porto Alegre para tocar o Nós.vc, uma plataforma de aprendizagem colaborativa que tinha recém fundado com outros dois amigos da faculdade, Guilherme Neves e Leonardo Andrade.

O tweet vinha de Daniel Weinmann, fundador da Engage, incubadora de projetos de tecnologia para engajamento e missão social que criou plataformas disruptivas e open source (de código aberto) como o Catarse, de financiamento coletivo. Larusso logo topou produzir o vídeo, e, com o trabalho, se aproximou da equipe da Engage e da Semente de Negócios, empresa de educação empreendedora fundada por Felipe Amaral — já que as duas empresas dividiam, na época, uma casa em Porto Alegre.

Em troca do vídeo, Larusso ganhou cópia da chave da casa e passou a trabalhar de lá. A conexão foi bastante rápida. Com muitos questionamentos em comum, Daniel Larusso, Daniel Weinmann, Felipe Cabral e Felipe Amaral tinham um em especial: não aguentavam mais falar sobre os problemas do sistema tradicional de ensino. Queriam, em vez de seguir apontando todos os males da educação, fazer algo propositivo e novo. Entre conversas, decidiram então que abririam as portas da casa todas as sextas-feiras para que as pessoas pudessem ensinar e aprender, de forma livre. Assim nasceu uma sementinha chamada Estaleiro.

NA RECEITA, APRENDIZAGEM LIVRE E DESENVOLVIMENTO HUMANO

Enquanto o Estaleiro acontecia, Cabral e Amaral fizeram uma viagem pela Europa, que incluiu visitas a várias escolas inovadoras, que encaravam o processo de aprendizagem de um outro modo, com novos óculos de mais liberdade e autonomia, como a Schumacher Collage, na Inglaterra, e Kaos Pilot, na Dinamarca. Na volta, os dois trouxeram muitas novidades e uma vontade grande de criar, na própria casa, um espaço de aprendizagem livre, voltado para o desenvolvimento pessoal e humano. Surgia então, no começo de 2012, o piloto do Estaleiro Liberdade, que herdava bastante dos projetos-mãe (Nós.vc, Semente de Negócios e Engage) em um mix de colaboração, horizontalidade, tecnologia e educação.

Alguns aprendizados do primeiro semestre deste ano, no Estaleiro Liberdade.

Alguns aprendizados do primeiro semestre deste ano, no Estaleiro Liberdade.

O nome Estaleiro vem da ideia de viajar, explorar os sete mares e, no caminho, se conhecer e se transformar. Liberdade vem da própria proposta de uma educação mais libertária, mas também da casa, localizada na Rua Liberdade, número 553. Com o surgimento do Estaleiro Liberdade, a casa também ganhou um nome: Casa Liberdade.

Em agosto de 2012 o primeiro site do Estaleiro Liberdade já estava no ar, e, logo depois, a primeira turma de marujos (como são chamados os participantes), composta por cinco pessoas próximas dos fundadores, já fazia encontros semanais na Casa Liberdade. Eram círculos de conversa para que os participantes pudessem se abrir e trazer à tona coisas realmente significativas para eles, como conta Larusso:

“Criamos exatamente os espaços que nós gostaríamos de ter frequentado quando estávamos em momentos de transição”

Tudo parecia ir muito bem. Larusso estava envolvido com dois negócios nos quais acreditava profundamente, o Nós.vc e o Estaleiro Liberdade, conectado à pessoas que compartilhavam seus questionamentos e ideais, e havia se mudado com a namorada para uma casa ao lado da Casa Liberdade. Foi aí que a vida deu uma volta grande: em poucos meses, ele terminou o namoro de três anos e teve que enfrentar o falecimento do pai.

Com a reviravolta, Larusso resolveu viajar. Estruturou e juntou recursos, através de financiamento coletivo, para fazer o que chamou de Expedição Liberdade, uma jornada para descobrir o que estava por trás de algumas das escolas mais incríveis do mundo e entender mais a fundo como funcionavam aqueles espaços de aprendizagem.

Voltou em novembro de 2012, energizado e com vontade de dar mais um passo importante no Estaleiro Liberdade. “Percebi que estávamos sendo super consistentes com vários movimentos importantes fora do país, mas que ainda precisávamos olhar com mais cuidado para a questão do empreendedorismo”, conta ele. Então, no ano de 2013, novos grupos, dessa vez com cerca de doze marujos cada, se formaram e vivenciaram o processo proposto, que ia se lapidando mais e mais a cada nova turma.

UMA REVIRAVOLTA FAZ O BARCO RUMAR PARA SÃO PAULO

Em dezembro de 2013, Larusso recebe outro chamado importante, dessa vez do Oswaldo Oliveira, economista dedicado à criação de negócios em rede, para cocriação de uma casa em São Paulo, a Laboriosa 89. Foi nesse processo de criação de um ambiente colaborativo, sem hierarquia, sem funcionários, sem administração e sem curadoria, que Larusso conheceu a consultora e coach Lella Sá, 28, hoje uma de suas sócias no Estaleiro.

Formada em organização de eventos na Universidade Anhembi Morumbi e pós graduada em gestão de projetos na ESPM, Lella vinha de um percurso de vida igualmente rico. Passou pela Hub Escola em 2011, e, em 2012, criou uma rede de pessoas ligadas a trabalho com propósito e significado, a IOU (junto com Henrique Pistilli). Depois, passou um período focada em estruturas organizacionais e mundaças de cultura de grupo através de consultorias empresariais. “Finalmente descobri que estava a serviço das pessoas e não das organizações. Eu via que pessoas transformadas deixavam as empresas se essas empresas não estiverem alinhadas com o propósito de vida delas. Passei, então, a me dedicar a desenvolvimento humano e me especializei em coaching e facilitação de grupos com base na antroposofia”, conta ela.

Com todas as movimentações acontecendo em São Paulo, Larusso sentiu uma profunda desconexão com Porto Alegre e decidiu se mudar. Empacotou as coisas e, em cinco dias, já estava na capital paulista, no apartamento dos amigos Leonardo e Guilherme, localizado na Vila Madalena.

Os piratas Lella Sá, Gui Neves e Daniel Larusso, com uma das turmas de marujos de 2015 do Estaleiro Liberdade.

“Quando cheguei a São Paulo, o Nós.vc já não era meu projeto principal. Eu estava aberto, considerando possibilidades. Mas percebi que não conseguiria fazer nada que fosse menos significativo para mim que o Estaleiro Liberdade”, conta ele. Foi quando mandou um email para Lella e a convidou para um café. Os dois compartilharam histórias e sonhos durante algumas horas e, enfim, decidiram fazer o Estaleiro Liberdade em São Paulo, junto com Guilherme Neves, 30, já sócio do Larusso no Nós.vc.

Larusso, Lella e Gui passaram então a estruturar o Estaleiro para rodar em São Paulo, com autonomia do Estaleiro de Porto Alegre, que seguia seu caminho por lá, apesar da conexão sempre viva entre eles. Em maio de 2014 nascia um novo site e a primeira turma em Sampa, de 24 marujos.

UMA METODOLOGIA PIRATA E MUTANTE

Atualmente, o Estaleiro Liberdade é um processo de quatro meses para o desenvolvimento de autonomia e liberdade, pensado, principalmente, para pessoas em momento de busca, em fase de transição e dispostas a embarcar em uma jornada de autoconhecimento e trabalhar o incerto. Larusso conta:

“Somos uma escola pirata porque não somos tradicionais. Somos escola no sentido mais genuíno da palavra: um espaço de tempo livre. Abrimos lugar para o vazio e assim criamos espaço para o novo. Ajudamos as pessoas a embarcar em uma investigação interna, a se questionar, criar clareza de propósito”

Assim como certamente não é uma escola tradicional, o Estaleiro Liberdade também não trata empreendedorismo ao pé da letra, como entendemos a palavra no mundo dos negócios. “Entendemos empreendedorismo como a capacidade de empreender a própria vida. Desenvolver negócios alinhados com o propósito pessoal é uma das coisas possíveis, mas empreender é mais que isso: é se conectar consigo mesmo e com o outro, ser responsável pela própria jornada, ser capaz de se expressar no mundo, de se sustentar e também conseguir colocar em prática seus projetos de vida”, afirma ele.

Na prática, o processo envolve quatro tipos de encontros semanais:

1) Círculos de livre interação: conversas profundas e significativas.

2) Workshops ferramentais ligados aos pilares propostos.

2) “Fazeção”: períodos para colocar a mão na massa e desenvolver projetos pessoais,

3) Mentorias: conversas individuais orientadas de acordo com as necessidades dos participantes.

Gui e Larusso, em palestra do Estaleiro Liberdade no Festival Path, em São Paulo.

Gui e Larusso, em palestra do Estaleiro Liberdade no Festival Path, em São Paulo.

As metodologias aplicadas pelos “piratas” (como são chamados os facilitadores) e são um amalgamado dos aprendizados de todos eles em vários campos e técnicas de facilitação de processos.

Todos os encontros são propostos, mas nada é obrigatório. Todo o processo se baseia na autonomia, protagonismo e abertura. Os marujos é que definem para onde querem ir e como vão fazer, sempre apoiados pela jornada e pela troca coletiva entre a turma e os facilitadores.

Como negócio, o Estaleiro Liberdade já testou alguns modelos. No começo em São Paulo, propunha-se uma meta de arrecadação coletiva a ser alcançada mensalmente pela turma de marujos. Mas a estratégia não deu muito certo. Hoje, há um valor fixo de 875 reais por mês a ser pago por cada marujo, totalizando 3.500 reais pela jornada de quatro meses.

Ainda assim, o modelo financeiro não é simples. “Não queremos quantidade de participantes, mas sim qualidade das interações e conversas. Por isso, temos uma proporção bem grande de facilitadores por participante, diferentemente do modelo de escola industrial”, afirma Lella. Até o início deste eles compartilhavam o espaço da Laboriosa 89, que está fechando e, com isso, o Estaleiro Liberdade passará a funcionar em uma casa (que é da família de Lella) no bairro do Butantã.

Para o futuro, fica a vontade de explorar ainda mais novos modelos de sustento, como o financiamento coletivo recorrente, que permite que todo mundo que reconheça valor no projeto possa financiá-lo. Em paralelo, existe o plano de abrir o código da plataforma e incentivar que pessoas repliquem Estaleiros da Liberdade — com total autonomia e liberdade, claro — pelo Brasil afora.

Quem está no mar sabe que a jornada é longa e que ajustes de rota são parte do desafio diário de seguir adiante. A cada semestre, uma nova leva de marujos é convidada a entrar no barco. Por sinal, estão abertas as inscrições para uma nova turma, que começa no dia 7 de agosto, em São Paulo. Homens ao mar!

DRAFT CARD

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  • Projeto: Estaleiro Liberdade
  • O que faz: Escola de empreendedorismo através do autoconhecimento
  • Sócio(s): Daniel Barros (Larusso), Lella Sá e Guilherme Neves
  • Funcionários: apenas os sócios
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: agosto de 2014
  • Investimento inicial: não houve
  • Faturamento: NI
  • Contato: (11) 97608-1066 lellasa@lellasa.com
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