É difícil descrever brevemente Marcelo Lacerda. Ele tem 56 anos e uma longa trajetória dedicada à tecnologia, ao empreendedorismo especialmente em negócios disruptivos (antes mesmo deles terem esse nome). Além de muita experiência, de alguns milhões de dólares e tanto de vitórias como derrotas para contar, ele tem o privilégio de observar o ecossistema brasileiro com lentes de quem também enxerga — e investe — lá fora.
Filho de mãe paulista e pai gaúcho, após se formar em Engenharia Elétrica e Ciência da Computação na UFRGS, integrou a equipe que projetou uma aeronave (paixão perene, hoje ele pilota o próprio helicóptero) na Embraer. Em 1987, com o sócio que o acompanha desde então, Sérgio Pretto, fundou uma empresa pioneira de software de “correio eletrônico”, a Nutec.
No início dos anos 1990, empreendeu o que diz ter sido sua maior aventura: embarcar para os Estados Unidos vislumbrando que a Nutec Corporation prosperasse em Mountain View. Se o Wall Street Journal mais tarde viria a chamar Marcelo Lacerda de “o Bill Gates brasileiro”, como fez, o fato é que o Bill Gates americano e sua Microsoft levaram a melhor na hora de lançar o sistema computacional que dominaria o mercado mundial: o Windows 3.0.
De volta ao Brasil, em 1996, a Nutec lançou um inovador provedor de acesso e o portal de conteúdo ZAZ. Três anos depois, Marcelo venderia, por alguns milhões, o controle da empresa para a Telefónica, que rebatizou o portal de Terra. Ele ficou mais um ano na companhia, morou fora do Brasil e atuou como executivo global em operações estratégicas e delicadas, como numa (inglória) tentativa de conciliar interesses e visões de mundo tão divergentes quanto podem ser as de espanhóis e americanos.
Com Rogério Silberberg e Sérgio Pretto, co-fundou a F.Biz em 2000. Nascida de uma sacada sobre o poder de influência do site Fulano.com, a agência digital se tornaria uma das maiores do país, sendo comprada pela WPP em 2011. Mais alguns milhões na conta, mas nada que esfriasse sua sede de descobrir novas maneiras de empreender.
Em 2008, com a colega de UFRGS Silvia de Jesus e Sérgio Pretto (sempre ele), fundou a Blue Telecom. Atuando no mercado de TV a cabo e banda larga, a empresa comprou diversos micro fornecedores e tornou-se a segunda maior do Brasil, com 150 mil assinantes e uma estrutura gigantesca. Era, porém, muito menor que a líder TVA, com 17 milhões. No ano passado, vendeu a Blue para a Claro.
Quase 3o anos depois, Marcelo segue onde sempre esteve: investindo lá na ponta, na trincheira, em negócios e produtos que sequer conseguimos imaginar. Em sociedade com dois americanos e com os brasileiros Antonio Carlos do Amaral e Rodrigo Teixeira, fundou a Magnopus, que atua com efeitos especiais em Hollywood, em realidade virtual e realidade aumentada.
Marcelo recebeu o Draft em sua ampla e bonita casa, no Morumbi, em São Paulo. Por ali estavam a esposa Adriana Coelho e os filhos Leonardo, 21, e Alexandre, 17. Antes de começar a responder nossas perguntas, no entanto, levou uma boa meia hora perguntando ao Adriano Silva absolutamente tudo sobre a operação do Draft. É, não se entrevista um sujeito como ele sem colocar à mesa os códigos do seu próprio software de empreendedor. É assim que se cria o futuro.
Você viu a internet nascer, morrer, e agora estamos na era dos aplicativos e redes sociais. O que vem depois?
O próximo capítulo, que está bem no início, é esse momento de invasão cognitiva do digital. A gente vai viver um negócio que é o tal do AR, essa realidade aumentada. Nesse momento, vejo tudo que aconteceu como uma preparação para esse momento em que a gente vai ver o mundo amplificado, adquirindo a realidade com os equipamentos sensoriais. Vamos enxergar um mundo novo, ampliado, aumentado.
Logo vai chegar um momento em que não se notará a diferença entre essas realidades. Porque na verdade não tem, né? Tudo é uma tempestade de elétrons sob a qual caminhamos
O que fica, desse momento, é o momento em que a biologia e a tecnologia se fundem e criam esse novo ser humano. Ampliado, amplificado, não sei como chamar, mas é um ser humano diferente.
A fronteira não é mais online e offline, passa a ser, então, a realidade real e a virtual?
Me lembro de um dos primeiros provedores de acesso, a Netcom. Isso em 1991, quando eu morava em Palo Alto (nos EUA). A internet começou no Brasil em 95, mas desde antes eu falava: isso vai revolucionar o jeito que a gente se comunica. Só que agora, as coisas que estou vendo vão nos revolucionar! Vamos ser dispositivos biológicos, tecnológicos, andando pelo mundo. Não consigo nem entender o que vai ser.
É outra escala de transformação. A gente está inventando um novo ser humano. Quando você começa a entrar no mundo das partículas, não há diferença uma unha e uma ideia. No nosso projeto novo, a gente desenvolve bastante coisa para o Rift (o óculos de realidade virtual do Facebook). Já tive a experiência de ficar 30 minutos com o Rift e a verdade é que, depois de algum tempo, aquela passa a ser a sua nova realidade. O cérebro se adapta e começa a viver aquilo. Então, estamos falando de uma mudança de outra ordem de grandeza.
E quem é esse “nós”?
Tem uma firmeca (é assim que Marcelo se refere aos seus empreendimentos) nova. Nunca fiz nada sozinho, mas fiz quatro firmecas: o Terra (a Nutec, que virou ZAZ), a F.Biz, a Blue Telecom, e agora estou em meu quarto projeto, que tem bem a ver com essa conversa. Chama Magnopus e começou há três anos e hoje temos 39 pessoas trabalhando. É uma criação com esses três meninos, quarentões, o Rodrigo Teixeira (brasileiro conhecido em V-Effects), o Ben Grossman e o Alex Hennemg (que ganharam o Oscar de efeitos especiais com A Reinvenção de Hugo Cabret). A Magnopus fica em Los Angeles, e eu passo uma semana por mês lá.
Ela vai gerar conteúdo?
No momento, está dividida em três áreas. Uma, que chamo de serviços, fez toda a estrutura de software e de imagem do filme Mogli, O Menino Lobo. Numa outra área, de conteúdo, compramos os direitos para AR/VR/Cinema/TV de um livrinho que gostamos muito, o Worst Case Scenarios. A roteirização é nossa e queremos desenvolver alguma coisa aí. E tem uma área de tecnologia, na qual desenvolvemos alguns projetos específicos, que não posso dar detalhes, mas um deles, o Endeavor Magnopus, envolve colocar uma câmera numa estação espacial. Isso, pra mim, é uma espécie de volta às origens, pois comecei como programador.
Você empreende há quase 30 anos. O que mudou no Brasil?
Esse não é o meu momento mais animado com o Brasil. Preciso fazer essa confissão, que é complicada, mas ainda precisamos construir o país. Quem gera riqueza somos nós.
Quem gera emprego são os empreendedores. Governo é despesa, backoffice. Olhando em retrospecto, a minha geração toda se deu mal. O Brasil é um país essencialmente contrário aos negócios
Veja a Blue, a tese dela era comprar ativos de cabo, ativos de rede, uni-los e criar um novo produto de telecomunicações. Ficamos oito anos nesse processo. Não tenho do que reclamar, ganhamos dinheiro, mas, do ponto de vista de inovação, não conseguimos implementar o que queríamos. Lá pelas tantas, a gente estava só tentando vencer o final do mês. Isso numa empresa que faturou 230 milhões de reais em 2015, uma empresa de verdade. E você não consegue fazer as coisas.
Algo melhorou de 1987 para cá?
O que melhorou de fato, no setor de tecnologia, foi o acesso a capital. A Nutec, em 1991, captou talvez o primeiro venture capital brasileiro, 200 mil dólares para fazer a operação nos EUA. Mas lá é diferente. Lá tem o Friday Failure, acho especatular. Sujeito vai lá, conta que perdeu 3 milhões de dólares, todo mundo aplaude. Por quê? Primeiro, porque ele investiu junto, perdeu junto, então é honesto. Depois, porque um país com uma cultura intolerante a falhas mata o empreendedorismo. Falhar faz parte de empreender, aliás, a maioria vai falhar.
No que o mercado brasileiro é específico?
O que tem aqui é a volúpia consumista de comunicação do brasileiro. Uma cultura absurda. No Terra, uma vez visitamos o Orkut e perguntamos a ele a razão do sucesso daquilo no Brasil. Ele foi sincero: não tinha a menor ideia (risos). Essa característica a gente tem. Mas nunca inventamos nada em tecnologia. O grande fracasso da Nutec foi o Image, que era uma interface de relacionamento. Perdemos um monte de dinheiro e de tempo. É um fracasso que até hoje me incomoda.
Como você vê nosso ecossistema empreendedor?
Tenho dificuldade de achar essas comunidades, hoje, no Brasil. A gente não está gerando uma garotada hungry, que quer fazer diferença, que tem ideias e quer realizá-las. Isso nem é o empreendedorismo ainda, é anterior, é a paixão pela tecnologia.
Para a tecnologia florescer, é preciso ter uma paixão obsessiva por estruturas que são, antes de tudo, edifícios mentais
Só depois é que você vai materializar. Claro, tem que ter um surplus de capital. E tem que ter um mercado.
O que mais é preciso ter nesse ecossistema?
Durante muitos anos, participei de competição de natação. Sempre fui o pior dos melhores, ou seja, entre os vencedores eu era sempre o perdedor, então minha vida de competição era um suplício (risos). Mas, hoje, vejo os garotos israelenses numa disputa de vida ou morte… E isso leva a níveis de excelência onde começam a surgir barbaridades como um Waze da vida. Isso não surge do nada. Tem todo um ecossistema por baixo, que forma uma cadeia de relacionamento, de competição informal, de surplus de capital, de tudo.
E, nesse caldo de cultura, é preciso uma plataforma de país que seja fácil de lidar. No Brasil, por exemplo, entender a legislação tributária de telecomunicações é impossível, desistam! Como diz um dos fundadores do 3G Capital, o problema do Brasil não é a corrupção, é estatístico. Lá fora é a corrupção é de 3% da receita, aqui é 46% (risos). Não tem como ser eficiente num ambiente desses.
Então, para resumir, temos que reinventar todos esses ambientes. Não faz sentido um país desse tamanho contribuir tão pouco para o mundo. Estamos devendo. Antes de mais nada, para nós mesmos, mas para o mundo também.
Na hora de contratar, qual virtude essencial você busca em um profissional?
Consigo medir a inteligência e a cultura matemática, por exemplo, muito rápido. Todo mundo fala de caráter, mas isso é mais difícil de medir. Nesse momento da minha vida, cheguei a uma estranha conclusão: se você colocar uma pessoa de boa fé num ambiente muito ruim, você acaba contaminando-a, e vice-versa. Então, essencialmente, inteligência e uma coisa tão importante, ou mais, que é força de vontade.
Fale sobre a relação com os sócios. Qual é o segredo para dar certo?
O que tenho feito na minha vida é explorar o talento alheio. Este é o meu grande trabalho. Óbvio que regiamente remunerados, mas essencialmente eu exploro o talento alheio. Então, para mim, não tenho mais nenhuma posição a defender. A esta altura, não tenho nada a provar quando estou na frente de um talento. E sou sempre muito curioso. Se tenho um talento é o de, diante de um grande talento, assumir uma impessoalidade.
A fórmula é deixar o cara trabalhar, crescer, ser feliz?
Se a gente pegar a geração de agora, conheço o Larry (Page) e o Sergey (Brin, fundadores do Google). O Mark (Zuckerberg, do Facebook) eu não conheci pessoalmente. Mas eles não estão nem aí. Parece que superaram isso de autoafirmação, sabe? Esse não estar nem aí, claro, não pode ser confundido com inação. Os projetos precisam ter dono. Se dentro do time uma discussão se polariza, você tem de exercer seu papel. Muitas vezes uma decisão mais rápida é mais importante que uma decisão certa.
Qual é a sua visão sobre mulheres em cargos de comando nas empresas?
As mulheres vão dominar o mundo executivo nos próximos 5 a 15 anos. É estranho, porque a mulher é mais vaidosa, digamos, esteticamente, mas menos vaidosa do ponto de vista profissional.
Todas as mulheres com que trabalhei, e são muitas, são super objetivas e muito menos vaidosas que os homens
São mais pragmáticas. Mas, fazendo uma distinção, tenho visto mulheres mais executoras, menos empreendedoras. Os homens continuam inventando mais, tendo algum tipo de criatividade. Mas, como executivas e executoras, as mulheres são imbatíveis.
Como você divide as suas horas do dia? Trabalha até tal horário?
Trabalho o tempo todo. A gente trabalha o tempo todo.
Mas você nunca deixou de andar de snowboard, de viajar com os amigos para surfar. Como faz esse equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional?
Não tem nenhum equilíbrio, é um caos permanente (risos). Eu e a Adri temos um negócio de vida familiar que é muito importante, que preservamos. E, com os amigos, todo ano tem uma surf trip, há mais de 15 anos. É muito gostoso.
Você tem alguma rotina sistemática com saúde, alimentação?
Com exercício sim. Sempre fiz muito esporte e meus filhos surfam comigo. A gente vai muito para o litoral Norte, tenho casa em Maresias (SP) há 20 anos.
Se você tivesse um milhão de dólares (risos) para investir até as 18h de hoje, onde seria e por quê?
Petrobras. Porque, para ser até 18h, tem que ser anticíclico, tem que pegar um ativo que pareça desvalorizado, por qualquer aspecto, e algo que você acredite que vá ter uma reversão.
Você já criou empresas, vendeu empresas. Que conselho daria para o cara que está na posição de vender uma startup?
A dica é: venda. Se você tiver um interessado, não deixe ele escapar. Dê um jeito de fechar o negócio.
O poder tende a ser solitário. O que vc faz para evitar o isolamento?
A condição humana é solitária. Eu sou muito solitário. Tem algo que notei nos últimos anos, que numa determinada época algumas pessoas muito próximas a mim me tratavam como se eu tivesse um Master Plan. Estava tudo dando errado e elas achavam que eu sabia exatamente o que fazer pra reverter. Eu não tinha a menor ideia, e admitia isso. Mas, hoje, eu nem digo. Deixa elas pensarem (risos).
O que você considera o maior acerto da sua carreira?
Não ter desistido, mesmo quando todos os indicadores eram de falha. Isso é recursivo.
E o maior erro, algo que você consertaria se pudesse?
No início da década de 1990, a gente tinha desenvolvido uma plataforma gráfica que não tinha nada parecido na época. Pouco depois, o Windows 3.0 mudou o mundo, fez que todo mundo tivesse que ter um computador. Nesses quatro anos, a gente tinha um negócio que podia ter sido o Windows 3.0. Na época da Nutec, foi nosso primeiro produto. Eu fui aos EUA com a missão de fazer esse negócio, por óbvio, vingar. Era tão absurdo o que a gente tinha, que eu não consegui.
Onde você deseja estar daqui 10 anos, fazendo o quê?
Em 2003, quando saí do Terra, me declarei em sabático “for life”, fiz umas contas e resolvi. No entanto, isso durou só quatro anos. Mas não quero fazer nada. Ler meus livros, ler boas matérias. Viajar, talvez.
Como as pessoas vão se lembrar de você?
Tomara que não se lembrem, tem coisa muito mais interessante acontecendo por aí. Não penso em legado. (fica pensativo) O que acho é que é muito difícil criar filhos. Queria que eles me achassem um cara “Thug”, como eles dizem. Esse ano, em janeiro, eu estava em Sunset (no Havaí) com eles. Um dia, o mar estava muito grande para mim. Eu caí, fiquei na zona de impacto, levei muitas ondas na cabeça e demorei muito tempo para voltar ao canal, mesmo estando com colete de flutuação. Quando voltei, estava sem ar, não conseguia nem falar. Lá estavam os meus dois filhos, eles acompanharam tudo. Aí o mais velho (Leonardo) me diz: “Papai, você vai ensebar muito?” (risos). Em seguida o Xande, fala: “Papai, se você achar que está muito grande, sai. Amanhã, quando o mar estiver menor, você volta”. Isso, para mim, é rito de passagem. Ver seus filhos de olho em você, de olho no velho… Isso eu gostaria de legar, não ao mundo, mas aos dois. O legado de que estou tentando, de que estou junto, de que tomo umas vacas mas volto. Voltei com eles para o pico, né?
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A perspectiva branca e europeia molda desde cedo nossa visão de mundo. Recém-lançada no Web Summit, a edtech Biografia Preta quer chacoalhar esse paradigma aplicando uma “IA afro referenciada” ao ensino de História (e demais disciplinas).
Alê Tcholla começou a trabalhar aos 16, no departamento financeiro da TV Globo, mas sabia que seu sonho era outro. Foi desbravando novos caminhos até fundar a blood, agência que cria experiências de marca em eventos presenciais e online.