Tatear. Essa é a palavra que define a atuação da Floristas, empresa que nasceu como uma produtora de conteúdo e começa a alçar voos mais altos — e interessantes. Karine Rossi, 42, e Daniela Scartezini, 37, vêm tateando para descobrir e entender qual rumo o negócio deve seguir e encontraram um caminho que acreditam ser promissor: a Rede Manual, uma plataforma esteticamente impecável que pretende empoderar e conectar artistas, designers, pequenos produtores. Aqueles que fazem com as mãos. É, mais uma vez, o tato. A ideia é valorizar o empreendedor de si mesmo e elevar o artesanato brasileiro ao nível de arte.
As sócias vão abrir para os makers brasileiros um site que expõe a história dos fazedores, seus produtos e também é um e-commerce. O espaço virtual foi ao ar agora em novembro, ainda sem a ferramenta para que sejam feitas as compras, que deverá ser lançada em breve. A ideia vem combinada à Escola do Fazer, que trará cursos sobre as áreas de conhecimento dos artistas e artesãos. O palco para mostrar tudo isso é o Mercado Manual, que tem a primeira edição marcada para este final de semana, dias 4 e 5 de dezembro, no Museu da Casa Brasileira (MCB), em São Paulo, e deve se tornar semestral a partir de então.
É no evento que as sócias querem dar o pontapé inicial para o projeto, medir o interesse do público com uma régua mais fiel e, claro, valorizar o movimento dos artesãos. Segundo elas, a curadoria, feita em parceria com o MCB, é um dos ativos mais valiosos do Mercado Manual. São cerca de 45 expositores de produtos e 10 de alimentação, além de shows e oficinas. Por lá ninguém vai encontrar o batido puxa-saco de crochê. A ideia é oferecer ao público produtos realmente únicos. Entre os exemplos estão a 4hands, que faz cajóns de percussão artesanais, a ceramista Helô Galvão e Teka Brajovic, figurinista que decidiu adaptar o visual teatral a acessórios que podem ser usados no cotidiano.
EMPREENDER A PARTIR DA INSATISFAÇÃO
O projeto Mercado Manual coroa os anos de trabalho da Floristas. Até o fim de 2014 a empresa era apenas uma produtora de conteúdo nascida do descontentamento de Daniela com a trajetória profissional em agências de publicidade, área em que acumulou 12 anos de experiência, com passagens pela Bullet e Ogilvy. Ela conta:
“Há cinco anos eu era diretora de arte e lembro dessa onda de insatisfação no mercado. As pessoas não viam mais sentido e ninguém entendia o que estava fazendo ali”
Em busca de significado, ela mudou o rumo e foi trabalhar no marketing da The Walt Disney World Company. Paralelamente, como um respiro, criou a Floristas, inicialmente como um blog, sem qualquer ambição financeira para contar a história de pessoas que se descobriram em seus fazeres. “Queria inspirar os outros a entrar em seus processos criativos”, diz.
A primeira entrevistada foi a jornalista e fotógrafa Gleice Bueno, que em pouco tempo entrou para o projeto para também contar as histórias a partir do seu olhar. Em seguida, sociedade cresceu com a chegada da jornalista e redatora publicitária Karine Rossi, amiga com quem Daniela trabalhou na agencia NewStyle, do Grupo ABC, e que também estava em busca de novos ares.
Elas tocaram o projeto por cerca de dois anos como uma válvula de escape da rotina maçante no trabalho. As coisas ganharam outro tom quando Daniela engravidou e passou a olhar para a Floristas como uma possibilidade efetiva de gerar receita para as sócias. Em 2012 veio a coragem para se dedicar exclusivamente ao projeto. Segundo ela, o momento era perfeito: a Karine tinha acabado de sair de um emprego e a Gleice também estava grávida.
Decidiram concentrar a energia produtiva na Floristas com a meta de torná-la rentável. Em setembro de 2013 nasceu a Amo Meu Fazer, ou AMF para os íntimos, uma revista digital que reúne as histórias antes contadas no blog, com toda a plasticidade à que têm direito: fotos de alta qualidade (feitas pela Gleice) e textos sensíveis. A iniciativa tinha a missão de servir como uma vitrine para atrair trabalhos e faturamento. O plano funcionou e elas conquistaram marcas interessadas no tino das Floristas para o storytelling. Usaram o toque afetuoso e feminino em ações para empresas como DrogaRaia, Nestlé e Johnson & Johnson.
CRISES, QUESTIONAMENTOS E RUPTURAS PARA, ENFIM, VIR A RENOVAÇÃO
Tudo ia bem até que, em 2014, a inércia em que a Floristas tinha entrado foi interrompida. Gleice se deu conta de que não queria trabalhar com comunicação para empresas e decidiu sair da sociedade. A mudança fez Dani e Karine se questionarem. Daniela, que no meio deste furacão ainda ficou doente e passou três meses de cama, descreve o momento:
“Abrimos mão de tudo para investir no nosso projeto e de repente estávamos virando uma agência, vivíamos participando de concorrências e trabalhávamos com marcas. Não era o que queríamos”
A saída de Gleice, diz, as ajudou a verem o que estava acontecendo com o o negócio e as obrigou a refletir sobre se era isso mesmo que queriam. Era um momento de ruptura. Enquanto a Floristas ficava sem rumo e Dani superava o problema de saúde, Karine encarou uma separação após 12 anos de casamento. Não foi fácil enfrentar a reviravolta, mas, passado o turbilhão, elas decidiram continuar no negócio. O problema, neste caso, é que já não sabiam bem qual era o negócio depois de tanta mudança. Mantiveram a AMF, mas deixaram de lado o storytelling para marcas. “Enquanto você abrir a porta para o que não quer, você nunca vai fazer o que quer”, resume Dani. Elas fecharam definitivamente a passagem para o lado publicitário, ainda sem entender o que fariam a partir dali. “Ligamos o radar para ver o que acontecia”, conta.
Essa guinada fez Dani assumir a sua ligação com o mundo artístico e se inscrever no curso de curadoria de arte na PUC São Paulo. Foi ali que o radar encontrou algo. Na sala dela estava também a Cristiane Alves, coordenadora do Educativo do MCB. Ficaram amigas e Dani apresentou a Amo Meu Fazer. “Ela adorou e ficou interessada em uma parceria, mas não sabíamos como fazer.”
O insight foi acontecer em Londres, enquanto Daniela passava alguns dias de férias no fim de 2014. Ela percebeu que a cultura dos mercados e feiras de pequenos produtores, efervescente na cidade, não tinha espaço no Brasil. “Fiquei louca e de lá já liguei para a Karine. Era aquilo que tínhamos de fazer.” Para as sócias, a ideia casava com a trajetória da AMF até então. Elas já tinham o contato com os makers e o plano da Escola do Fazer. Chegaram até a oferecer curso, em 2013, de uma das empreendedoras retratadas na revista eletrônica, mas, no meio de tanta mudança, a iniciativa acabou ficando de lado. Com o conceito do mercado, as coisas começaram a fazer sentido. “Nós já éramos uma rede de artesãos. Faltava só ajudá-los a vender os produtos. Tudo começou a acontecer de forma muito orgânica”, diz Karine. Era hora de refundar o próprio negócio.
Em julho deste ano as duas tinham o projeto do Mercado Manual pronto para levar ao Museu da Casa Brasileira. “Fizemos uma reunião com a diretoria e eles decidiram apoiar”, lembra Dani. O MCB entrou como cocriador do evento, ajudando na curadoria e na decisão sobre as atrações. De cara o museu já sugeriu a data em dezembro, que estava livre e é promissora pela proximidade com o Natal. Elas toparam na hora.
A META: TRANSFORMAR ARTESANATO EM OBJETO DE DESEJO
Com o tempo curto e a pouca experiência na área de eventos, as Floristas buscaram mais braços para fazer o Mercado Manual virar realidade. Em agosto chegou Patricia Toledo, estilista formada pela Esmod Paris e amiga de longa data de Dani, para ser parceira do projeto. Ela passou por grandes empresas, como Cia Marítima e Grupo Valdac, mas desenvolveu o lado empreendedor na marca própria AsDuas e como co-fundadora e diretora criativa do e-commerce Coquelux. “Acompanhei a evolução de uma startup”, conta ela. Quando saiu da empresa, despertou o olhar para o artesanato. Chegou a iniciar uma pesquisa sobre o trabalho de artesãos brasileiros, mas a ideia ficou para trás ao descobrir que estava grávida, em 2013.
Além do lado criativo, Patricia sabe como administrar um negócio. “Sou planilheira”, diz. Era justamente o que a Floristas precisava. A meta dela, ao lado das novas parceiras, é transformar artesanato em objeto de desejo. Entre as inspirações estão o site americano The Little Market e a Maiyet, marca que transforma produção manual em artigo de luxo.
A expectativa é que o Mercado Manual seja um divisor de águas para a Floristas. Depois dele, a ideia é focar completamente no fortalecimento da estrutura de valorização dos artistas brasileiros. A primeira edição, elas já se deram conta, não vai se pagar. A receita do evento vem de um valor fixo pago por cada expositor e de um porcentual escolhido sobre as vendas feitas lá. “Como não tínhamos experiência, calculamos mal o custo fixo e acabamos recebendo menos que o necessário”, afirma Daniela. Para colocar o evento em pé elas contam com parcerias, com a ajuda dos amigos e com investimento do próprio bolso. Enquanto isso, se viram para pagar as contas em casa colocando a mão em economias feitas antes e, no caso de Patrícia e Dani, com o apoio dos maridos para segurar a barra por algum tempo. “No meio do processo pensamos várias vezes que não ia dar, mas decidimos ir em frente”, diz Daniela.
A meta é reverter essa situação ao atrair o apoio de empresas nas próximas edições. “Nossa ideia é ajudar o pequeno, não queremos onerar o artesão e rentabilizar em cima do maker. O objetivo é ter apoio para reduzir os custos para o expositor e mesmo assim conseguir garantir as margens”, diz Karine. Elas calculam que a primeira edição gerará um faturamento de 200 mil reais para os participantes.
Depois do evento, com os resultados em mãos, será o momento delas enfim fazerem o plano de negócio da Rede Manual, adaptando a ideia do Mercado para o e-commerce. Já a Escola do Fazer poderá contar com o apoio do Museu da Casa Brasileira. Com tanto trabalho pela frente, as sócias da Floristas acreditam que o aspecto mais importante da iniciativa é trazer a orientação e a visibilidade que os artesãos precisam. “Em muitos casos é necessária uma curadoria”, diz Patricia. O desafio é pegar estes empreendedores pelas mãos e ajudá-los a encontrar o melhor caminho. Com o mesmo tato com que elas se acham e se transformam também.
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