Novas alianças entre designers, produtores e usuários devem ser criadas. A tecnologia fornecerá ferramentas ilimitadas para que essa participação deixe de ser um mito. Essas ideias sintetizam o pensamento do designer austro-americano Victor Papanek, autor de Design para um mundo real: Ecologia Humana e Mudança Social (1971) e Móveis Nômades (1973). Suas obras anteciparam conceitos como open design, participação, inovação aberta, incubação — entre outros termos que hoje são uma realidade. Um exemplo disso tudo colocado em prática como modelo de negócio está em operação há dois anos: é o Studio dLux, fundado pelo jovem arquiteto paulistano Denis Fuzii, de 26 anos.
Formado na faculdade Belas Artes, ele, assim como muitos profissionais de sua área, bebeu muito dessa fonte. Da inspiração, criou um escritório de arquitetura e design que elabora e executa projetos digitalmente e disponibiliza gratuitamente parte de suas criações para download em uma plataforma open source. Tudo isso da garagem de casa, onde hoje divide o espaço com mais dois arquitetos e duas estagiárias.
QUANDO O INSIGHT VEM DO COTIDIANO DE TRABALHO
Tudo começou com uma encomenda bastante específica. Uma cliente o havia contratado para criar a iluminação de um salão de festas e, além disso, pediu ao arquiteto “uma cadeira desmontável e de fácil armazenamento”. Denis, que se diz um apaixonado por mobiliário, foi além da simples entrega, afinal cadeiras assim já existem. Mas ele colocou a mão na massa, pesquisou incontáveis formas de produzir a tal cadeira, que acabou batizada de Kuka. Nesse processo de concepção, criação e desenvolvimento de produto ele acabou descobrindo o mundo novo da fabricação digital, possível graças à uma máquina chamada CNC, uma fresadora que corta chapas a partir de um arquivo digital.
Com a cliente satisfeita e o projeto entregue, Denis começou a divulgar a cadeira nas mídias sociais, e isso chamou a atenção de uma amiga de faculdade, Beatriz Guedes, 26 — hoje uma das parceiras do Studio. Bia se encantou com a cadeira e queria ter uma Kuka pra chamar de sua, mas havia um detalhe: ela estava em Barcelona, na Espanha, onde cursava uma especialização. Foi nesse momento que Denis teve um insight: por que não (re)produzir a cadeira em outros lugares do mundo? Trataram de encontrar um produtor local que tivesse uma CNC e o pedido da amiga se tornou realidade.
Esse episódio foi o divisor de águas para Denis, que decidiu enviar o arquivo do seu projeto para FabLabs (laboratórios de inovação pra criação de protótipos) do mundo todo. Sua cadeira, a primeira de uma série que viria posteriormente, chamou a atenção de Nikolas Ierodiaconou, ganhador do Ted City Prize pelo projeto WikiHouse de fabricação open source. Nick é também um dos fundadores da OpenDesk, hoje a maior plataforma de mobiliários para produção local open source.
Denis conta que apostou nesse caminho para divulgar o trabalho, um caminho que não requer investimento em marketing, mas que pressupõe uma visão avançada do que é propriedade. Nem todo mundo entendeu:
“Meus amigos e minha família acharam que eu estava louco. Eles não conseguiam entender os motivos pelos quais eu liberaria gratuitamente um projeto ao qual me dediquei três meses para realizar”
Naquele momento, em outubro de 2013, a OpenDesk estava ainda em fase de incubação e Denis foi convidado a participar da elaboração da plataforma. A missão de Denis era encontrar uma forma de minimizar erros na hora de montar os móveis projetados pelos designers. Isso porque a espessura dos materiais pode variar de país para país, o que pode comprometer a entrega final. “Hoje, a plataforma oferece um descritivo para os makers (produtores locais) para que eles saibam como proceder a caso a espessura da chapa seja diferente daquela descrita no projeto original”, diz ele.
Em dois meses na plataforma, as duas cadeiras de sua autoria, Kuka e Valoví, tiveram 5 mil downloads e foram produzidas em mais de 100 países. Há seis meses, Denis tornou-se representante da OpenDesk no Brasil. Ele, afinal, estava certo: em pouco tempo viu seu trabalho ganhar escala mundial.
Uma dessas cadeiras, a Valoví, foi exposta no Salão de Milão de Móveis em maio deste ano. Ela é composta por 20 peças de madeira que se encaixam na montagem, feita sem nenhum tipo de prego, parafuso ou cola. No Salão, foi a única peça assinada por um designer estrangeiro a ser produzida localmente. “A nossa profissão ainda está muito atrasada no que se refere à cadeia de produção”, afirma Denis. Ele fala mais sobre como a filosofia que abraçou:
“Design aberto é transferência de conhecimento. É empoderar o outro ao liberar seu potencial criativo, permitindo que as pessoas possam usar e adaptar esse conhecimento da melhor forma às suas necessidades”
O arquiteto é um entusiasta do conceito e fez dele seu modelo de negócio, a partir da oportunidade que se abriu com a OpenDesk. Com o propósito de conectar designers, produtores locais e clientes, a plataforma elimina intermediários e os custos de exportação e importação, minimizando também custos de logística e distribuição, o que é bom para o bolso de todos os envolvidos e para o meio-ambiente.
Eis a equação: os arquivos da cadeira Valoví, por exemplo, estão disponíveis para download gratuito sob a licença Creative Commons. Mas ela é vendida no site pode ser adquirida, montada ou desmontada, por 379 reais. Do preço final, 12% vai para a OpenDesk, 8% para o designer e o restante vai para o maker, um produtor selecionado pela plataforma.
Denis conta que, no início do negócio, a maior dificuldade foi localizar produtores com o maquinário adequado. Em São Paulo existiam apenas dois makers catalogados. Dois anos depois, já são 14 profissionais. “O design aberto não se resume ao livre acesso, mas também incentiva a democratização da produção e as economias locais”, conta o empreendedor.
Ela diz que a seleção dos makers ainda deve ser aperfeiçoada ao exemplo de Londres, onde nasceu a OpenDesk. “Além de uma lista de produtores, existe um ranking onde as pessoas dão uma nota de acordo com as suas experiências.” Ele mesmo já trocou figurinhas com uma pessoa no México que baixou o projeto de uma de suas cadeiras e fez uma adaptação, inserindo braços que não existiam no desenho original.
VANTAGENS E DESVANTAGENS DE UMA PLATAFORMA ABERTA
Denis é categórico ao afirmar que seu escritório dificilmente poderia ter realizado tantos projetos em apenas dois anos se não fosse o modelo de design aberto.
No entanto, há algumas desvantagens. A principal delas, em sua opinião, é a falta de controle sobre o uso comercial dos projetos. “Pode haver pessoas que usam o nosso trabalho para ganhar dinheiro, mas ainda assim acredito que esse seja um modelo que pode mudar o mundo. Imagina o que poderia ser feito a partir de um sistema de captação de água ou energia solar em formato open source?”, diz.
Ele participou da elaboração de um projeto de WikiHouse na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, a WikiHouse Rio. Por ora, eles tentam viabilizar uma parceria com o poder público da cidade para a instalação de uma CNC que possa tornar o projeto uma realidade para moradores da comunidade.
Outra característica da fabricação digital de mobiliário é que requerer menos recursos e oferecer maior alcance. Atualmente, diz Denis, o uso de madeiras nobres é cada vez mais raro no mercado de mobiliário. Chapas de compensado e MDF são os materiais mais usados para essa finalidade e podem ser melhor aproveitados através da fabricação digital.
Com uma chapa de compensado padrão (2,20 x 1,60 m) é possível fabricar três cadeiras, o que minimiza o seu custo final. Além disso, a máquina de CNC viabiliza projetos mais elaborados. Os detalhes de uma cadeira como a Valoví, feita exclusivamente com peças de encaixe, exigem alta precisão de corte. Um marceneiro dificilmente conseguiria executar a tarefa com perfeição usando ferramentas padrão, diz o arquiteto.
Outra vantagem é a economia de tempo. “Um marceneiro demoraria cinco horas para cortar todas as peças para um gabinete de banheiro. Com a CNC é possível fazer isso em uma hora. Nós conseguimos entregar o projeto de uma cozinha completa em 20 dias. Essa produção pode se estender por mais de 50 dias em um processo padrão”, diz.
No entanto, ele conta que o acabamento das peças tem sido uma dificuldade, pois os produtores que têm a máquina digital geralmente não são especialistas nisso. A solução que encontraram foi adquirir a própria CNC que é operada em uma fábrica em Rio Claro, no interior paulista. Lá, as peças são produzidas até seu acabamento final.
PARCERIAS PARA EXPANDIR A FABRICAÇÃO DIGITAL
Como desdobramento das idas e vindas a Rio Claro, eles ajudaram a criar uma plataforma de e-commerce open source lá mesmo. Assim, há quatro meses nasceu a Mono Design como uma solução para ganhar mais agilidade, minimizar custos e facilitar a venda para pessoas físicas. É através da plataforma que a Valoví é comercializada.
Tanto a Mono como a Opendesk são entendidos como parceiros do Studio dLux. “É uma relação ganha-ganha. Sem parceria não conseguiríamos expandir. Sabemos para quem podemos pedir uma colher de açúcar”, fala Denis. Ele tem mais planos para o futuro próximo. Quer ter um espaço físico em São Paulo pra promover novos designers. Da mesma forma que eles tiveram seus projetos reconhecidos no mundo todo graças à parceria com a OpenDesk, Denis e sua turma sonham em projetar outros jovens profissionais que raramente conseguem espaço em showrooms de grandes marcas.
“Queremos ter um espaço colaborativo onde a gente possa produzir, expor, dar workshops sobre fabricação digital e design aberto, uma espécie de FabLab”, diz ele. Outro desejo é entregar projetos completos para o mundo todo, da concepção e fabricação das peças, passando pela iluminação, pintura até a decoração. “Acreditamos no conceito do design quilômetro zero. Com a fabricação digital, podemos vender para o mundo todo sem ter o deslocamento”, diz.
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