Lab89: um modelo de gestão quase comunista para gerir o nascimento do moderno capitalismo brasileiro

Camilla Ginesi - 7 out 2014
Oswaldo é convidado a falar de economia colaborativa em muitos lugares. Na foto, evento organizado pelo Fala Sampa
Camilla Ginesi - 7 out 2014
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Quarta-feira é o dia da semana mais tumultuado na casa da Laboriosa 89, espaço em que mais de 5 500 pessoas se encontram alternadamente para realizar projetos em áreas como música, gastronomia e empreendedorismo. De manhã, há uma reunião para quem quer aprender a viver em rede. Na hora do almoço, acontece um laboratório de cozinha. À tarde, um grupo que conecta vendedores a fornecedores de produtos se encontra. Isso só para citar as atividades regulares (esses projetos são, respectivamente, o EMpREenDErSE, o Cook Lab e o Vendendo em rede). Na última quarta-feira, por exemplo, houve também uma aula de meditação e um encontro de gamers. Todo mundo que frequenta a casa também está num grupo no Facebook. “A Laboriosa 89 é a casa e o grupo funcionando ao mesmo tempo”, diz o economista paulistano Oswaldo Oliveira, de 49 anos, iniciador do projeto.

Laboriosa é o nome da rua onde fica a casa, na Vila Madalena, em São Paulo – e 89, o número. Oswaldo escolheu esse nome porque não queria criar uma marca. “Não somos uma empresa, nem uma instituição”, diz ele. “Somos uma rede e Laboriosa 89 é o local onde essa rede se encontra.” A casa tem uma única regra: nenhuma atividade pode colocar em risco o todo. Ou seja, nada de ocupar o espaço fora dos parâmetros do Corpo de Bombeiros, nada de fumar na área interna, nada de vender bebidas para menores de idade… E por aí vai. Também há alguns procedimentos de limpeza, manutenção, festa e lixo. “Não que não possamos mudá-los de tempos em tempos”, diz Oswaldo.

Laboriosa 89

Empréstimo: pode usar o que quiser. Basta devolver.

No mais, a Laboriosa 89 (também chamada de Lab89) é um ambiente colaborativo, sem hierarquia, sem funcionários, sem administração e sem curadoria. O financiamento fica por conta das próprias pessoas que ocupam o local. “Nossas despesas são de 20 000 reais mensais, incluindo aluguel, IPTU, água, luz, internet e limpeza”, conta Oswaldo. “Cada um contribui com quanto quiser.” O aluguel é pago anualmente, como foi negociado com o proprietário do imóvel. Assim, não é preciso fechar a conta todos os meses. “Tem dado certo”, diz Oswaldo. Todo o dinheiro arrecadado com o que é produzido na Laboriosa 89 fica para quem produziu. “A rede só facilita os negócios”, diz Oswaldo. Quem quiser pode fazer uma cópia da chave da casa – e pode entrar e usar em qualquer horário do dia.

Foi durante a adolescência que Oswaldo começou a entrar em contato com seu espírito inovador. Pouco depois de terminar o ensino médio, ele fez uma viagem de barco pelo trecho navegável do Rio São Francisco – embarcou em Pirapora, em Minas Gerais, e, 1 500 quilômetros depois, chegou a Juazeiro, na Bahia. “Foram dez dias de liberdade e de mudança”, diz Oswaldo. Ele conta que, depois de vivenciar um pouco da aridez do sertão e da riqueza cultural do país, voltou para casa entusiasmado com todas as possibilidades oferecidas pela vida. Mas o pai dele já tinha um plano – arranjou um emprego para Oswaldo como auxiliar de pregão na Bolsa de Valores de São Paulo, onde trabalhava.

GANHAR DINHEIRO PARA FAZER O QUE QUISESSE, MESMO SEM SABER O QUE QUERIA

Oswaldo trabalhou pouco mais de 15 anos no mercado financeiro. Entre outros projetos, participou da criação e implantação dos contratos de opções de ouro e de juros futuros na BM&F. “É um ambiente interessante por causa da complexidade e da abstração”, diz ele. “São conceitos, operações e contratos que são criados do nada.” O plano de Oswaldo era ganhar dinheiro para, depois, fazer o que quisesse – sem saber exatamente o que queria.

Laboriosa 89

Oswaldo, iniciador da Laboriosa 89, trabalhou 15 anos no mercado financeiro, antes de “fazer o que quisesse” da vida

Quando achou que já havia juntado dinheiro suficiente, Oswaldo largou o emprego e decidiu explorar opções. Primeiro, foi visitar um amigo de infância, que havia se mudado para Itirapina, interior de São Paulo, e criado uma empresa de paraquedismo. “Era uma combinação sedutora: companhia de um grande amigo, esportes e natureza”, diz ele. Em poucos meses, ele se mudou para a cidade com a mulher e os filhos e passou a morar numa casinha com vista para uma represa. “Era um conto de fadas. Eu acordava cedo, praticava esqui aquático, buscava as crianças na escola e almoçava em casa todos os dias”, diz. Em pouco tempo, Oswaldo conheceu um grupo de alunos da Universidade Federal de São Carlos, cidade vizinha a Itirapina, e se uniu a eles para criar uma startup de desenvolvimento de softwares para internet.

“Era o começo da internet, ninguém tinha muita ideia do que estava fazendo”, diz Oswaldo. Seus principais clientes foram portais de notícias como Terra e Uol, que ainda estavam engatinhando. “Eles precisavam de ferramentas para publicar conteúdo, de servidores para rodar vídeos, de tudo um pouco”, diz ele. Certo dia, um dos funcionários disse que iria distribuir de graça na internet tudo o que fosse criado pela startup e começasse a dar dinheiro. Oswaldo achou que aquilo não estava certo. “Eu me perguntava por que alguém faria aquilo. Decidi conversar com ele.” Por causa desse funcionário rebelde, Oswaldo entrou para o mundo do software livre. “Ele revelou para mim um universo com uma lógica contrária à lógica que eu estava habituado, a patrimonialista do mercado financeiro. Passei a me interessar por tudo o que não era proprietário”, conta.

“Quando você não tem a proteção de um cargo, nem está inserido em uma hierarquia, você passa a ser somente você e a oferecer tudo o que sabe fazer”

Depois de completar cerca de dez anos à frente da startup, Oswaldo decidiu que não tinha mais sentido fazer parte de uma organização empresarial. Ele se desvinculou da startup e começou a atuar de maneira independente como iniciador de negócios em rede, sem representar uma empresa, usando apenas o próprio nome. “Quando você não tem a proteção de um cargo nem está inserido numa hierarquia, você passa a ser somente você e a oferecer tudo o que sabe fazer”, diz ele. Foi nessa época que Oswaldo conheceu alguns projetos que o influenciaram bastante. Um deles foi a Escola de Redes, uma rede de pessoas dedicadas a investigar as redes sociais. Outro foi a Casa Liberdade, um espaço em Porto Alegre muito parecido com o que a Laboriosa 89 é hoje.

A Laboriosa 89 foi a segunda casa do tipo iniciada por Oswaldo, em dezembro do ano passado. A primeira foi a Madalena 80, que ficava no número 80 da Rua Madalena, na Vila Madalena. O espaço, aberto sete meses antes, funcionava do mesmo jeito e o aluguel custava cerca de 6 000 reais por mês. Com o tempo, ficou pequeno demais para o crescente número de frequentadores. “Também tivemos alguns problemas com o proprietário do imóvel, que não entendia o entra-e-sai de gente o tempo todo”, diz Oswaldo. Em consenso, os frequentadores decidiram que era melhor se mudar. Foi quando o proprietário da Laboriosa 89 fez uma proposta. “Ele entendeu nosso projeto e quis fazer parte dele”, diz Oswaldo.

Lab89

Todos reunidos, em uma rápida reunião deliberativa na casa. As decisões surgem assim

Hoje, a Laboriosa 89 não para de crescer. “É muita gente, muita ideia, muito projeto e até muito lixo”, diz Oswaldo. “Aqui, vivemos na abundância e não na escassez.” Recentemente, os frequentadores da Laboriosa 89 criaram uma plataforma chamada Unlock, para arrecadar dinheiro para as despesas da casa de forma recorrente. Antes, as arrecadações eram feito por meio de urnas que ficavam espalhadas pela casa.

Hoje, quem quiser contribuir, cadastra o número do cartão de crédito na plataforma – e determina quanto dinheiro deve ser debitado todo mês. “Chamamos isso de mil vezes vinte”, diz Oswaldo. “Ou seja, se mil pessoas apoiarem com vinte reais mensais, fechamos nossas contas do ano.” Assim, de acordo com ele, a casa, além de livre, vai passar a ser gratuita.

draft card Laboriosa

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