Liberdade à flor da pele

Bruno Leuzinger - 25 nov 2015
“As escolhas estão o tempo inteiro falando: ‘e agora, para onde você vai?’", brinca Camila
Bruno Leuzinger - 25 nov 2015
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Treze estrelinhas pontilham a palma da mão esquerda de Camila Cornelsen. Trata-se da constelação de Capricórnio, seu signo e a mais recente das “dez ou onze” tatuagens que colorem a pele da jovem curitibana, de 32 anos. Uma delas, no antebraço direito, é obra de uma tatuadora de Milão, Amanda Toy, que Camila já seguia nas redes sociais. “Eu estava em Barcelona, em 2012, para estudar direção de fotografia. Mandei uma mensagem e ela respondeu na hora. Aí, peguei um avião e fui à Itália só para tatuar com ela.” O desenho mostra um pássaro voando para fora de uma gaiola – uma ideia de liberdade.

Camila é assim: livre. Sua tattoo mais impactante é um coração alado com um buraco de fechadura, que cobre seu tórax desde que ela tinha 18 anos. “Eu estava na faculdade, Curitiba nessa época era meio careta… Aonde eu ia as pessoas ficavam chocadas, olhando.”

O choque repercutiu até na família, e olha que ela cresceu num ambiente liberal. Filha de um fotógrafo e uma produtora de TV, Camila é neta de Ayrton Cornelsen, arquiteto e engenheiro célebre no Paraná. “Cresci no meio dos desenhos, as plantas dele sempre estavam presentes em casa.” A atmosfera e a convivência incutiram nela a sensibilidade para as artes visuais e o desejo de trilhar uma profissão ainda atípica para as mulheres: Camila botou na cabeça que iria estudar engenharia civil.

É difícil escolher a carreira quando se é tão jovem. Ela entrou na faculdade com 17 anos recém-completos. Tirava ótimas notas, mas no meio do curso começou a se questionar. Ao se formar, em 2005, decidiu passar um tempo em São Paulo para descobrir o que queria da vida. Morou no apê de uma amiga da mãe, que estava vago, matriculou-se numa pós em engenharia econômica e entrou no processo seletivo do programa de trainee de uma empresa de computação. Enquanto isso, ralava como bartender no AMPGalaxy, um cultuado e hoje extinto reduto moderninho em Pinheiros.

“Isso não é para mim”

Difícil também é saber a hora de largar tudo e dar uma guinada, seguir sua real vocação. Exige coragem. “Não é uma tomada de decisão segura. Eu fiz cinco anos de faculdade para daí, em dois minutos, dizer: ‘isso não é para mim’.” Camila foi até a última fase da seleção, mas se sentia cada vez menos à vontade. “As pessoas ficavam uma querendo ferrar a outra… Pensei, ‘nossa, não quero trabalhar com esse tipo de gente’.” No fim, não passou no trainee – e respirou aliviada: ufa. “Foi o momento em que eu me dei a chance de pensar: ‘ok, eu posso fazer outra coisa’.”

Ainda assim, ela diz que desistir da área de exatas foi a decisão mais difícil de sua vida. No caso de Camila, significou optar pela rotina de autônoma e abrir mão de tentar carreira numa grande empresa. Quando o pai a convidou para fotografar com ele um calendário para uma fabricante de caminhões, Camila largou de vez a pós e voltou para Curitiba. Ela começara a tirar fotos ainda na época da faculdade. “Eu ‘roubava’ a câmera do meu pai e fotografava shows de punk rock ou hardcore… Em algum momento ele começou a prestar atenção nas minhas fotos e a ver que eu levava jeito.”

Em 2007, Camila criou uma nova faceta. Uma noite, numa baladinha roqueira de Curitiba, viu a amiga e baterista Claudia Bukowski ser convidada para formar uma banda – e se convidou também, na cara-de-pau, sem tocar um instrumento. “No primeiro ensaio, como ninguém pegou no microfone, comecei a cantar, a inventar uma letra.” Sob o nome artístico Cacá V, virou a vocalista do Copacabana Club. É dela o hit “Just Do It”: “Just do it cause you want it/Just do it cause you like it/Just do it cause you feel it/Not because you saw it.” Faça o que te der na telha, desde que seja o que você deseja.

A banda estourou para além do circuito indie curitibano. Entre 2010 e 2011, foram 100 shows por ano, um a cada três dias – incluindo uma turnê nos EUA, com direito a participação no festival South By Southwest, no Texas. E a garota que não sabia tocar provou que sabia cantar e dançar (tinha feito sapateado por 15 anos). Camila contagiava a plateia em performances empolgantes: de repente, no meio da música, descia do palco e dançava com o público. Os shows, porém, não pagavam as contas – e chegou um momento em que ela teve de escolher entre priorizar a música ou a fotografia.

“E agora, para onde você vai?”

O ano decisivo foi 2012. Camila se inscreveu em cursos de direção de fotografia para cinema em Londres e Barcelona. Após um mês na Catalunha, voltou a Curitiba e não viu onde aplicar os novos conhecimentos. Naquele ano, se mudou de novo para São Paulo, em busca de mercado e agora fazendo o que realmente quer da vida. Cobrindo férias na produtora Paranoid, conheceu a diretora Vera Egito. Viraram amigas. Com Vera, Camila fez clipes de Arnaldo Antunes e Ana Cañas e foi a diretora de fotografia de Amores Urbanos – o primeiro longa-metragem das duas estreia em abril de 2016.

Camila tem se mantido ocupada. Desde 2012 realiza o projeto X Real, em que clica moças nuas e publica as fotos no site, sem retoques. Em 2014, viajou com o pai à Patagônia e à China, fotografando para um livro corporativo, encomenda de uma empresa de informática. Recentemente, fez direção de fotografia de seis curtas para os canais Telecine – aceitar o job implicou em desistir de uma ida a Curitiba para ensaiar com o Copacabana Club e reativar a banda (o último show foi em setembro de 2014).

Ela admite que sente falta do palco, do contato com o público. “Quando fiz os cursos na Europa pareceu uma decisão natural, mas pesou no meu projeto de música. Tenho que trabalhar muito para me manter no mercado.” Camila, porém, não mostra arrependimentos. “As escolhas estão o tempo inteiro falando: ‘e agora, para onde você vai?’. Mas eu acho bom isso, porque te deixa ativo. Te faz parar para se questionar.”

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