Mestre Keizen Ono: 90 anos com cabeça e vitalidade para deixar qualquer um no chão

Camila Antunes - 27 abr 2016
O mestre com um discípulo: o aikido exige precisão, beleza e fluidez dos movimentos
Camila Antunes - 27 abr 2016
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“Aikido é bom para pessoas fracas”, diz o mestre Keizen Ono, com um sorriso misterioso. Alguns minutos depois, sem se erguer da cadeira, este senhor japonês de 90 anos demonstra como derrubar o oponente (com um terço de sua idade e ainda por cima postado de pé) puxando-o unicamente pelo dedo mindinho. Como ele consegue?! “Idade. Precisa envelhecer para isso.”

Desenvolvido no Japão a partir da década de 1920, o aikido é uma arte marcial que não envolve chutes e socos: ao contrário, baseia-se no princípio da não resistência e da não violência. A força empenhada no ataque é direcionada de volta ao agressor, que em geral cai no chão num rolamento.

Aprender a cair faz parte do jogo e da vida. Por isso, as aplicações práticas dessa arte vão além do tatame. “A prática do aikido permite entender e observar como reagimos diante de uma situação de crise”, diz a jornalista Olga Curado, que usa os ensinamentos do aikido em cursos de liderança e media training para um público-alvo formado por políticos e empresários.

Olga faz parte do grupo de discípulos de Ono, o mais antigo praticante de aikido no Brasil. Os alunos desempenham o papel de intérpretes para o professor, que mesmo vivendo no país há mais de 80 anos se expressa com dificuldade em português.

Kenji Ono (o nome Keizen foi dado a ele mais tarde, por seu mestre Reishin Kawai) nasceu em Tóquio, em 1925. Era o mais velho de seis irmãos. Nos anos 1930, a crise econômica no Japão levou a família a tentar a sorte no Brasil, numa estadia que deveria ser temporária. Em 1934, após três meses de viagem a bordo do navio Manila Maru, desembarcavam no porto de Santos em meio à leva de imigrantes. O destino seria as lavouras do interior paulista.

Vida de lavrador

Nos anos seguintes, Kenji, seus pais e irmãos levaram uma vida itinerante, estabelecendo-se como colonos em fazendas de localidades como Agudos, Paraguaçu Paulista e Ribeirão Grande. Nessas propriedades, cultivavam café e outros gêneros agrícolas. O clima, a alimentação, o idioma, o tipo e as relações de trabalho: tudo exigia adaptação. No Japão, o pai era engenheiro elétrico; no Brasil, precisou se habituar à rotina de lavrador. Depois de muito tempo, conseguiram reunir recursos para adquirir um sítio na região de Lutécia, onde plantavam sobretudo algodão. Com a situação mais estável, a família que já era grande foi dobrando de tamanho: Kenji casou-se e teve seis filhos.

Em 1957, o pai morreu e Kenji mudou para a capital paulista com a mulher e os filhos. Tinha então 32 anos. Estabeleceram-se no bairro de Santo Amaro, e ele arrumou um emprego como polidor de peças de metal na oficina de niquelação de um amigo que viera do Japão no mesmo navio. Preocupava-se em não repetir o destino do pai, que tinha diploma universitário e terminou os seus dias na roça. Ao mesmo tempo, queria dar aos filhos a possibilidade de avançar nos estudos (e conseguiu: todos foram para a faculdade). Nessa época, ele começou a praticar judô. Compensava o tipo físico franzino potencializando ao máximo os movimentos do corpo. Em quatro anos, Kenji conquistou a faixa preta.

O aikido entrou em sua vida por uma série de casualidades. Ainda menino, com 12 ou 13 anos, leu um artigo a respeito numa página de jornal que tinha servido de embrulho para um pacote enviado do Japão. Naquela era “pré-Google”, não havia como pesquisar sobre o assunto, mas o aikido ficou em sua cabeça. Muitos anos depois, acompanhando o pai doente em uma visita a São Paulo, Kenji descobriu e comprou um livro sobre o tema, escrito pelo próprio fundador da arte marcial, Morihei Ueshiba (célebre pela frase: “Quem vence alguém é um vencedor, mas quem vence a si mesmo é um invencível”). Até que, já em 1963, ele soube por um programa japonês de rádio que o mestre Reishin Kawai estava trazendo o aikido para São Paulo.

Em março de 1963, quando Kawai inaugurou no centro da capital paulista o primeiro dojo (local de treinamento) de aikido da América Latina, Kenji Ono matriculou-se de imediato, e passou a treinar aos sábados, pois só nos fins de semana sobrava tempo para frequentar as aulas. Tinha início aí uma profunda relação de gratidão e respeito. Em 1965, Kenji já dava assistência ao mestre no comando das aulas. E, em 1967, assumiu de vez a academia e passou a formar suas próprias turmas (nessa época, ele havia deixado o emprego na oficina de niquelação). Com Kawai, Kenji – rebatizado pelo mestre de Keizen, que significa “humildade total” – também aprendeu a aplicar shiatsu e acupuntura. Por quase quatro décadas, atendimentos em domicílio dessas técnicas foram sua principal fonte de renda.

Em busca da essência

Nos anos 1970, Keizen Ono retornou duas vezes ao Japão. Na primeira, em 1971, permaneceu por dois meses no país, fazendo cursos e ampliando seus conhecimentos no Aikikai Hombu Dojo, a principal sede de aikido no mundo. Numa segunda visita, em 1977, pesquisou durante quatro meses os aspectos espirituais relacionado à arte marcial. Desde então, ele tem se dedicado ao estudo da energia essencial (o “ki”, presente na palavra aikido, que também é composta pelas palavras “ai”, que significa harmonia ou amor em japonês, e “do”, traduzido como caminho). “É a mesma energia do Big Bang, que está por tudo, mas nós não percebemos.”

Exercícios de respiração pelo abdômen e posturas que favorecem a consciência dessa vibração são o foco de suas aulas. Keizen Ono hoje tem o título de shinhan (mestre), mas prefere ser chamado de sensei (professor). Das sete cores de faixa e oito possíveis graduações, falta-lhe a última, o oitavo dan. “É para eu continuar animado”, brinca o sensei. Depois da faixa preta, o aikido ganha ainda mais complexidade: além de precisão, beleza e fluidez nos movimentos, passa exigir estudos e disciplina na parte filosófica e espiritual.

Por meio do aikido, Ono Sensei encontrou respostas para levar uma vida equilibrada e repleta de sentido. Encontrou também um novo amor: já separado, conheceu Daisy, que foi sua aluna. Casaram-se quando o mestre beirava os 60 anos e juntos tiveram mais dois filhos. Em 1995, o casal construiu uma nova academia no bairro da Aclimação. Embora tenha uma prótese de 40 centímetros no lugar do fêmur e tome remédio para pressão, Ono levanta todos os dias às 5 horas da manhã para rezar antes de dar aula para a turma das 7 horas. A possibilidade de compartilhar seu aprendizado é sua maior motivação.

Em 2015, a trajetória de Ono Sensei chegou aos cinemas: ele foi um dos personagens do documentário Envelhescência, que retrata formas mais livres de se viver a Terceira Idade. “Ao conversar com sua família e seus alunos, percebi que estava diante de uma pessoa fantástica”, diz o diretor Gabriel Martinez. “O desgaste de fêmur que ele enfrentou por anos, se negando a parar de dar aulas, é de uma perseverança muito atípica, não deixando que as dificuldades físicas obstruíssem seu caminho. Quando Ono foi ao médico especialista em quadril e entrou caminhando com a esposa no consultório, o doutor disse: ‘Essa radiografia não pode ser sua, porque se essa lesão fosse na sua perna você estaria numa cadeira de rodas. Vá, faça outra radiografia e volte aqui’.”

Hoje, recuperado da cirurgia, ele é capaz até mesmo de se ajoelhar para reverenciar os antepassados ao pisar no tatame. E tem um truque que diz ser infalível para afastar a dor: aplicar moedinhas de 1 centavo, de cobre, com um esparadrapo nas articulações. “Não tem remédio mais barato”, brinca.

 

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