Troca, aluga, doa, usa e reusa quantas vezes for possível e desejável. A peça de roupa que não é boa para um, pode ser para outro e, se for bom para todo mundo, todo mundo usa. Uma de cada vez, é claro. O que temos visto é, cada vez mais a sustentabilidade e a economia compartilhada adentrando, como business, o universo pessoal do vestir.
Já existem várias as iniciativas, no Brasil e no mundo, de levar a sério o que antes era feito em rodas de amigos (como troca de roupas) ou em viagens para o exterior (quem nunca se gabou de ter comprado algo num flea market londrino?). Brechós não são coisa do passado mas, em alguns casos, ganharam um upgrade. Como a roupateca da House of Bubbles, casa acaba de ser inaugurada em São Paulo e que, entre outras coisas, oferece assinatura mensal de aluguel de roupas. O proprietário, Wolf Menke, 34, aposta em uma relação saudável com o consumo, na qual é mais valioso usufruir do que possuir. “Precisamos de furos e não furadeiras, é assim simples”, diz.
Semana passada, na seção Seleção Draft, falamos sobre a mais recente iniciativa da ProjectHub, o Future Makers, que convida empreendedores das áreas de moda e design a apresentarem projetos inovadores e sustentáveis. As inscrições ficam abertas até dia 10 de novembro. Nesta reportagem, reunimos quatro projetos — entre negócios principais e paralelos — de profissionais que decidiram apostar várias fichas na ideia de sustentabilidade do vestir: a já citada House of Bubbles, o Projeto Gaveta, o Trocaderia e o Roupa Livre (de quem já falamos aqui). Todos sustentáveis, mas cada um com sua pegada.
House of Bubbles
O novo espaço do empreendedor Wolf Menke fica na mesma rua das irmãs predecessoras House of Work, House of Food e House of Learning, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Se você apostou que tem “house” no nome, acertou, mas saiba que de óbvia a House of Bubbles não tem nada. Com investimento inicial de 320 mil reais, o local funciona como uma roupateca com lavanderia self-service no andar de cima e bar com ofurô no andar de baixo. Tudo pensado para funcionar integradamente, se assim o cliente quiser.
Roupateca é um trocadilho com biblioteca porque a ideia é praticamente a mesma dos livros, só que com roupas. A diferença fica por conta do sistema de pagamento, que é por assinatura mensal. Quem paga 100 reais pode alugar uma peça nova por mês, 200 reais dão direto a três peças e 300, por seis peças. À disposição estão roupas, acessórios, bolsas e sapatos. Cada aluguel tem a validade de 10 dias. Na devolução, basta levar a roupa lavada — e aqui o mensalista pode utilizar as máquinas de lavar e secar Brastemp, já que a casa tem uma parceria com a Whirlpool.
“Quando fiz o benchmark, encontrei uma lavanderia-bar na Bélgica patrocinada por uma outra marca, levei a ideia para a Whirlpool e a equipe foi entusiasta de um movimento de renovação de pensamento sobre o consumo”, conta Wolf, que se mudou para a Europa para acompanhar a mulher (ela acaba de ser transferida para Paris) mas vai manter-se lá e cá por conta dos negócios. Lá, Wolf começou a pesquisar que house poderia abrir na capital francesa mas acabou, por enquanto, trazendo a ideia para o Brasil. “Os apartamentos parisienses são pequenos e caros, não têm lavanderia e as pessoas que usam lavanderia na rua não têm o que fazer enquanto esperam a não ser olhar o smartphone. Pensei então nessa junção de lavanderias, bar e espacinho para trabalhar. Meu sócio, Gabriel Klein, trouxe o conceito que começou aqui, roupateca por assinatura. Trouxemos a moda para perto do nosso conceito de sharing economy”, diz.
A roupateca da House of Bubbles é uma co-criação de Menke com as empreendedoras Dani Ribeiro, 34, e Nathália Roberto, 34, idealizadoras do bazar Entre Nós, projeto de curadoria de roupas usadas. São elas as responsáveis pela curadoria das roupas e acessórios ao lado da estilista goiana Ana Clara Elias, 23, que trabalha com moda sustentável e revitalização de peças. “Eu e a Dani estávamos muito incomodadas com o fato de ainda ter venda envolvida no Entre Nós e começamos e pesquisar novos formatos para o projeto até que chegamos à ideia de uma biblioteca de roupas. Então procuramos o Wolf e ele tinha pensado a mesma coisa mas o projeto dele já estava a mil. Foi muita sincronia mesmo”, diz Nathália, que fundou, em 2013, a Kind, um laboratório de inteligência do feminino (empresa que toca junto a Clarissa Soneghet) e trabalhou durante oito anos como executiva de moda até descobrir que queria viver de outra forma.
“Minha relação com o consumo mudou radicalmente quando decidi abrir mão da carreira corporativa para empreender. Entendi que preciso de bem menos coisas para viver e que isso me deixa mais leve, mais feliz. Não tenho apego, o que não uso, faço circular”
Wolf compartilha da visão sustentável de vestir-se e também aplica em sua vida pessoal. Ele conta que, de quatro anos para cá, foi reduzindo seu guarda-roupas para que tivesse tudo à mão na hora de viajar. “Na mudança para Paris, tudo o que tenho coube em uma mochila de viagens. Nunca imaginei nada tão libertador”, diz o empresário.
Projeto Gaveta
Giovanna Nader, 29, e Raquel Vitti Lino, 30, se conheceram em Barcelona, no fim de 2010. Formada em administração na ESPM, Giovana fez pós-graduação em branding na cidade catalã e prestou consultoria para a Inditex (grupo da loja Zara que foi tema de seu TCC). O fato foi para seu currículo e, de volta ao Brasil dois anos depois, ela trocou a habitual área de marketing pela de moda, além dos palcos — ela é também atriz de teatro. Já Raquel escolheu moda desde a graduação, no Senac e na Faap. Em Barcelona, fez um curso de design, área em que trabalha juntamente com ilustração e identidade visual. A experiência espanhola, além de consolidar a amizade das duas, trouxe também o gosto por brechós e feiras de troca. “Lá, faz parte da cultura. As pessoas levam suas coisas para mostrar sem preconceito”, diz Giovanna.
O Projeto Gaveta surgiu quando uma amiga em comum, também da área de moda e com o armário lotado, disse a emblemática frase na hora de se arrumar: “eu não tenho roupa”. “Foi diante dessa cena que a Raquel sugeriu que trocássemos as peças que não usávamos”, conta Giovana. Ela lembra que ao recrutar amigas para o evento houve tantas interessadas (no total foram 75 participantes) que elas decidiram abrir uma campanha de financiamento coletivo de 5 mil reais no Catarse, para bancar os custos. Essa primeira edição aconteceu na Escola São Paulo, em novembro de 2013, e junto elas criaram e-mail, perfil no Instagram e fizeram toda a parte de comunicação do novo negócio, que consiste em organizar eventos de trocas de roupa. Valeu a pena: elas atraíram a atenção das revistas RG e Veja.
“Nosso principal diferencial é a curadoria das peças. As pessoas interessadas se cadastram por e-mail e nos mandam o que querem trocar cerca de dois meses antes do evento e selecionamos o que acreditamos ter potencial de troca (estar em bom estado), independentemente de estilo. Então enviamos um e-mail para a dona das roupas dizendo o tanto de moedas que ela terá para trocar. O que sobra, doamos para uma instituição parceira”, diz Giovanna. Depois do primeiro evento (eles são anuais) o Projeto Gaveta saiu no Hypeness e daí para conseguir um patrocínio (de uma marca de amaciante de roupas) foi um pulo.
O segundo evento rolou no espaço cultural b_arco e teve 150 participantes. Pouco depois, a então Ministra da Cultura Marta Suplicy incluiu o setor da moda entre os beneficiários da Lei Rouanet e o Gaveta foi um dos contemplados — é assim que tem se bancado. “A captação é muito difícil e só passamos a ter um pequeno salário em julho deste ano, depois de dois anos fazendo o evento de graça. Ano que vem começa a captação de novo, mas já temos empresas interessadas”, conta a empreendedora. Para completar a renda, as sócias continuam trabalhando (como autônomas) em suas áreas de formação.
A próxima edição do Projeto Gaveta acontece no dia 28, em novo formato. Desta vez, o evento será realizado no MIS (Museu da Imagem e do Som), e além da já tradicional troca de roupas, terá também várias barracas de brechós no espaço em que funciona o estacionamento do museu, exposições, mostra de filmes sobre o universo da moda, palestra, e workshop. “Queremos que os participantes tenham uma grande experiência a sustentabilidade. Começamos com a rede de troca, ampliamos para moda sustentável e hoje queremos ser um grande movimento para uma moda mais humana já que consumo tem a ver com autoestima e muita gente compra para tentar preencher um vazio existencial”, diz Giovanna.
Trocaderia
O Trocaderia é um evento mensal e itinerante de trocas de roupas em São Paulo — contabiliza mais de 5 300 trocas e 500 participantes em nove edições até agora — que surgiu com um post despretensioso no Facebook. Em sua página pessoal, Nathália Capistrano, 30, escreveu algo do tipo “quem topa trocar as roupas que não usa mais?” e teve um feedback tão grande que percebeu que não daria para fazer o evento na sala de casa. E então desceu para o salão de festas do prédio. Parece amador? A segunda edição do Trocaderia (quando o nome foi definido) apareceu no programa “Mais Você” da Rede Globo e, na reportagem, a apresentadora Ana Maria Braga entrou para trocar uma peça de roupa. Já a sétima edição aconteceu na Casa TPM em uma parceria com o Natura Sou, que tinha um um viés de sustentabilidade e consumo consciente.
A proposta do Trocaderia é simples: os participantes do evento, que se inscrevem previamente por e-mail, podem trocar entre si até cinco peças novas, seminovas e bem cuidadas de roupas, calçados e acessórios. Durante as trocas, eles decidem quanto vale os produtos, deles e dos outros participantes. “O foco é em quanto aquele item ainda vai ser usado e não no quanto custou. Não interferimos nas trocas nem na escolha dos valores. Muitas meninas acabam doando peças para as outras, ou até fazendo uma troca que não seja só de uma peça por outra. Acreditamos em valor das peças e não em preço”, diz Isabela Mantovani, 25, que ao lado de Gabriela Bianco, 38, e Nathália, fecha a trinca de sócias da Trocaderia.
A entrada do evento, que já aconteceu em lugares como House of Work, Casa Galpão, Casa TPM e nas finadas Cowave, Lab89, custa 10 reais, valor suficiente apenas para viabilizá-lo, ou seja, o Trocaderia é um projeto paralelo das meninas. “O consumo consciente, a moda colaborativa e um olhar mais sustentável são assuntos-tendência e uma mudança comportamental está no ar. Acreditamos nisso e estamos aprendendo a colocar em prática em nossas vidas. É incrível poder fazer parte desse momento, estimulando que outras pessoas também abracem uma nova forma de consumir e de se relacionar com o que consomem”, conta Isabela, que é formada em moda, fez MBA em Gestão de Negócios e trabalha na área de marketing de moda na holding VGB. Nathália é publicitária e trabalha na criação da W/McCann. Também publicitária, Gabriela trabalha na área de planejamento na Agência Gude.
“Queremos que toda essa troca não ocorra só no evento, mas na vida cotidiana das pessoas”, diz Isabela. A décima edição do Trocaderia está para acontecer mas a data ainda não está definida. Quem se interessar é só ficar de olho na página do evento do Facebook.
Roupa Livre
Evento surgido há exatamente um ano que virou negócio social itinerante nas mãos de Mariana Pellicari, 27, Gabriela Mazepa, 33, e Elisa Dantas, 29, o Roupa Livre já teve sua história contada no Draft. Há diversas iniciativas dentro do projeto com o Mapa da Mina (dicas colaborativas de locais para doação de roupas, costureiras, oficinas e cursos, marcas e estilistas, brechós, etc) e o e-book Guia Roupa Livre (que ensina como estender a vida útil das roupas, tirar o melhor proveito das peças, o que fazer quando não fizerem mais sentido no guarda-roupa etc), que já funcionam há algum tempo. Mas há novidades: em breve o Roupa Livre vai abrir um serviço de consultoria para pessoas que quiserem montar uma versão do projeto ou até abrir seu próprio negócio relacionado ao consumo sustentável de roupas. Mariana fala a respeito:
“Estamos criando oficinas para desconstruir os modelos de negócio tradicionais e construir novos, adequando ao cenário que defendemos, de que não precisamos de mais roupas novas”
Outra novidade do Roupa Livre é uma parceira com a loja carioca Farm, que apoiou uma turma de oficinas do Roupa ministrada no Rio por Gabriela. “Eles ofereceram peças de estoque que foram re-roupadas. E ainda fizeram uma oficina especial para equipe deles em que os ajudamos a despertar um novo olhar para a moda sustentável”, conta Mariana.
Além das consultorias, o modelo de negócios (social e horizontal) do Roupa Livre baseia-se em crowdfunding para se sustentar. A planilha de custos é aberta e o apoio pode ser feito através de financiamento coletivo recorrente (com contribuição mensal) ou por contribuição pontual. Escolhido pela aceleradora de projetos com impacto social Social Good Lab, o Roupa Livre vai lançar um aplicativo de trocas de roupas que já finalizou a parte de testes e — mais uma novidade — a arrecadação, que será feita pelo Catarse, começou na última terça-feira. Contagem regressiva.
“Mais livros, menos farmácias”: como um grupo de uma centena de amigos – na maioria, profissionais da saúde – se uniu em torno desse mantra e do amor pela literatura para pôr de pé a Casa 11, onde o lucro importa menos que o propósito.
Anne Galante só conseguia se concentrar nas aulas quando tinha linha e agulhas nas mãos. Hoje, ao lado da irmã, Ana, ela empreende a Señorita Galante, que combina artigos de decoração, aulas de crochê e tricô online e projeto social.
Brincos, colares, pulseiras e braceletes: tudo feito com plástico recolhido das ruas. Saiba como a designer gráfica Anna Boechat reinventou sua trajetória e hoje cria ecojoias que embelezam clientes e viralizam nas redes sociais.