Por Pablo Barros
Vivemos um tempo de grandes mudanças no modo como vivemos e consumimos. Essas mudanças demandam novas formas de produzir e de consumir, ante a escassez dos recursos naturais disponíveis e do crescimento da base de consumidores, em especial nos países emergentes.
Influenciar os consumidores a fazer escolhas e ter estilos de vida sustentáveis é um dos grandes desafios atuais para governos e empresas em todo o mundo. Esse é um terreno repleto de oportunidades para a realização de negócios, ao tornar possíveis mudanças significativas nos estilos de vida e hábitos de consumo da população.
Esse esforço não se restringe a buscar o aumento da percepção do consumidor de sua responsabilidade. Obviamente, conscientização e educação desempenham papéis fundamentais nesse percurso, mas, sozinhas, não resolvem a questão – não na escala e na velocidade necessárias.
No Brasil, por exemplo, as pesquisas mostram um aumento de consciência em relação às questões ambientais nos últimos 20 anos. Mas esse aumento de consciência não tem levado, necessariamente, pelo menos não no mesmo ritmo, a mudanças significativas nos hábitos e nas escolhas dos consumidores.
Qual seria então a saída para a construção de modos de produção e de consumo, e de estilos de vida e de comportamentos mais sustentáveis?
A resposta não é simples. Nós propomos três pontos: moldar a oferta, criar o desejo e encurtar o caminho da escolha.
MOLDAR A OFERTA
Em primeiro lugar, precisamos de melhores ofertas: produtos e serviços mais limpos, mais saudáveis, mais econômicos e convenientes. As marcas só irão fazê-lo, de verdade, se isso fizer sentido econômico, em termos de negócio. (Já passamos do limite da perfumaria que não leva a lugar algum).
É entrar para ganhar: criar e vender produtos e serviços e que sejam benéficos para o consumidor – e não apenas para a “sociedade em geral”. Repare em negócios relativamente recentes, bastante rentáveis e inovadores, que mudaram radicalmente os hábitos de consumidores – sem precisar apelar para a “consciência planetária” de ninguém: a OLX é uma plataforma que deu à compra e venda de bens usados uma escala e um status nunca antes visto; o Easy Taxi e os demais aplicativos que o seguiram mudaram radicalmente a forma como pegamos táxi diariamente, tornando essa tarefa mais cômoda, rápida e mais segura para motoristas e passageiros (e menos poluente, já que as corridas e as chamadas são otimizadas). Na mesma linha, o Airbnb está reconfigurando a indústria do turismo, tornando qualquer pessoa um possível locatário de quartos, apartamentos e casas, gerando renda e aproximando pessoas.
Para não ficarmos restritos ao setor de serviços e de negócios relativamente recentes, podemos citar o caso de empresas que se reinventam: a Nike, boicotada massivamente por muitos anos, devido a problemas sérios em sua cadeia de produção na Ásia, não somente se reinventou nesse sentido, mas colocou sua força de marca para apoiar e propagar a prática do esporte.
A Nike não quer somente vender artigos esportivos, mas busca também influenciar positivamente seus consumidores no que se refere ao bem-estar, à saúde e ao combate à obesidade, por exemplo. Trata-se de um posicionamento bem-sucedido em termos de negócios – e que traz benefícios reais para seus consumidores e para a sociedade.
CRIAR O DESEJO
O segundo aspecto é a criação do desejo. Várias vezes escutei em grandes multinacionais de bens de consumo: “O pessoal da área de marketing acha que esse apelo ’sustentável‘ não vende”. Ora, não vende o quê? E de que apelo se está falando? E para qual consumidor? Não que cuidado com o ambiente e a preocupação com o todo não sejam fundamentais, mas não têm importância para todos, não da mesma maneira. Para a grande maioria das pessoas, o vizinho que tem dificuldades para descer as escadas é muito mais importante que o último incêndio nas fábricas de roupas de Bangladesh que suprem grandes marcas de fast fashion que tanto consumimos. Para muitos, a segurança dos filhos no playground é muito mais relevante do que as árvores que caem na Amazônia. E a grande maioria das campanhas de organizações e empresas que buscam pautar posturas mais sustentáveis olham ao longe e esquecem de falar sobre o que está acontecendo aqui perto.
O todo é de extrema importância, claro. Mas o consumidor acaba se importando primeiro com aquilo que tem conexão direta com a sua vida. Se nós, que trabalhamos com sustentabilidade, não quisermos ficar falando para nós mesmos, de convertidos para convertidos, temos que adaptar o discurso e a mensagem para aqueles com quem queremos conversar.
As marcas têm um papel fundamental na construção dessa conversa – afinal, quem entende mais do que elas de criação de desejo e de convencimento de pessoas? Se o marketing tem o poder de influenciar, porque não usá-lo a favor de negócios que transformem a sociedade por meio de produtos e serviços que gerem mudança de comportamento nos consumidores?
Precisamos melhorar as ofertas – e torná-las acessíveis e desejadas. Isso passa muito longe da maioria das campanhas “salve o planeta, seja consciente” que ainda vemos tanto por aí. Sejamos claros, honestos e humildes: o consumo, de modo geral, está muito longe de ser consciente.
Somos movidos por instintos muito menos racionais do que gostaríamos de admitir. E desde sempre o marketing usa elementos de sedução associados às necessidades e aos desejos básicos do comportamento humano: status e interação social, identificação com o grupo, segurança, liberdade, conexão, reconhecimento, relevância, auto-aperfeiçoamento, entre tantos outros. Teria sentido não dispor dessas mesmas armas para se criar uma influência positiva?
Não podemos combater aviões com estilingues. Os desafios sociais e ambientais que enfrentamos são gigantescos e seria inocência acharmos que podemos vencê-los sem a ação efetiva das empresas e das marcas.
ENCURTAR O CAMINHO
O terceiro ponto, talvez o menos difundido no Brasil, é um dos motivos fundamentais de estarmos realizando o Fórum Novas Fronteiras e o Consumer Behavior Change Framework: encurtar o caminho da escolha para os consumidores.
Quando falamos em influenciar o comportamento, tão ou mais relevantes do que as ofertas e a criação do desejo é aumentar os incentivos e reduzir as barreiras para o comportamento a ser incentivado e – e dificultar a consecução dos hábitos que queremos ver desincentivados.
Muitas vezes, intervenções simples na estrutura podem ter grande eficácia. E essas intervenções podem estar muito além da cognição e da consciência – somos muito menos “racionais” do que imaginamos. O aspecto irracional de muitas de nossas decisões cotidianas tem sido apontado por inúmeros autores. Em seu livro Predictably Irrational (algo como “Previsivelmente Irracional”), o pesquisador Dan Ariely aponta como nossas escolhas são originadas a partir de valores fortuitos e casuísticos, e não em valores absolutos e estruturais. O autor e seu trabalho integram uma corrente de estudo chamada Behavioral Economics, ou Economia Comportamental, uma interseção entre estudos de psicologia e economia que busca investigar o processo de julgamento e de tomada de decisão.
Segundo Dan, não somos somente irracionais em muitas de nossas escolhas, mas o somos de forma sistemática e repetitiva – a ponto de nossa irracionalidade se tornar previsível. Essa previsibilidade, que choca nossa noção de controle e racionalidade, abre também portas para a eficácia de algumas das intervenções de que falamos aqui. Bem-vindo ao mundo da economia comportamental!
Diferentes fatores de motivação têm diferentes pesos em nossas escolhas, sem que essas sejam racionalmente calculadas. Em várias situações, normas sociais tendem a ser fatores motivadores muito mais efetivos (e, em geral, mais baratos) do que recompensas financeiras. De fato, em algumas situações, incentivos financeiros podem exercer um efeito contrário àquele que você busca criar.
Atrelar-se a normas sociais é uma das formas de “encurtar o caminho” para que a modelagem da oferta e a criação do desejo sejam potencializadas. Em boa parte dos casos, a solução está na “arquitetura da escolha”, nos nudges, em pré-escolhas, na própria forma como a oferta é apresentada.
Muitas vezes soluções simples podem encurtar o caminho da escolha. Pense em quantas vezes por dia você diz: “não preciso da minha via” e a maquininha já imprimiu sua via do cartão, a qual você certamente irá jogar fora em algum momento. E se a máquina só imprimisse a via se você pedisse? Isso pode parecer simples, mas não é. O impacto econômico e ambiental e de pequenas ações, em escala, se torna enorme.
A lógica inversa também funciona: a “arquitetura da escolha” foi usada, por exemplo, para aumentar o número de doadores de órgãos: em formulários online para esse fim, a taxa de pessoas que optam por se tornarem doadoras, se a opção for default (opt out), é muito maior do que a taxa numa transação em que teriam de marcar essa opção (opt in).
O caso dos aplicativos de táxi também demonstra como a “arquitetura da escolha” é poderosa: chamar o taxi pelo aplicativo é mais rápido e eficaz. E nós tendemos sempre a buscar a simplicidade, por questões muito anteriores ao nosso tempo – herdamos essa conta inconsciente de esforço e de tempo dos nossos ancestrais, numa época em que economizar recursos significava viver – e desperdiçá-los, morrer.
As possibilidades trazidas por abordagens de Economia Comportamental e de pesquisas em Neurociência do Consumo são infinitas. Até mesmo governos começam a perceber a importância de interferências dessa natureza. Um exemplo é o trabalho realizado pelo Behavioural Insights Team, ligado diretamente ao governo inglês, que desenvolve abordagens com base em Economia Comportamental para aplicação em políticas públicas, como álcool e direção, gravidez na adolescência, prevenção e saúde, entre outros.
O caminho é vasto. E absolutamente factível. Cada um de nós pode se tornar um catalisador de tendências de consumo, uma antena que capta e decodifica o comportamento do consumidor. Esse é o melhor caminho – o mais sustentável – para gerarmos bons resultados para as marcas que administramos, para os consumidores que atendemos e para a sociedade em que vivemos.
Pablo Barros, 35, é fundador e diretor da Eight Sustainability Platform, organizadora do Fórum Novas Fronteiras do Comportamento Consumidor, que será realizado de 12 a 14 de maio, em São Paulo.
Este artigo foi escrito em colaboração com a consultora Alessandra Pereira.