“Não gosto de meritocracia, nem de competitividade, nem de trabalhar até tarde. E sou publicitário”

Luiz Buono - 9 fev 2016Luiz Buono, 59, publicitário: "Por que o trabalho tem que ser algo ligado ao sofrimento? Ao esforço? Quem disse isso?"
Luiz Buono, 59, publicitário: "Por que o trabalho tem que ser algo ligado ao sofrimento? Ao esforço? Quem disse isso?"
Luiz Buono - 9 fev 2016
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por Luiz Buono

Me considero um publicitário diferente: não gosto de meritocracia, não gosto de competitividade, não gosto de trabalhar até tarde, não gosto de show off, enfim, não gosto de um monte de estereótipos do meio.

Depois de muitos anos dentro de agências de publicidade, passando por mídia, planejamento e atendimento, do analógico às mais sofisticadas estratégias digitais, cheguei a um ponto onde o que mais me motiva não é a atividade em si, mas o prazer pelo desenvolvimento da cultura da agência. E isso passa por um dia a dia cheio de desafios. O maior deles, conter a vontade de se envolver em todos os trabalhos, para abrir espaço para nossas pessoas. Aliás, quando se fala em cultura de agência, estamos falando basicamente de pessoas, dos nossos talentos, o bem mais precioso que temos.

Tenho a sorte de ter uma sócia como a Marisa Furtado que delega para mim o que mais gosto de fazer: construir e zelar pela cultura da agência. Tento formar um grupo de pessoas unidas pelo desejo de acordar de manhã com vontade de vir para a Fábrica, porque aqui ele tem um espaço fomentado para o crescimento.

Num cenário em que todos têm acesso às mesmas informações, ferramentas, o grande desafio não é mais fazer melhor, mas criar um campo de possibilidades, um ecossistema fertilizado, funcionando redondo, com as pessoas empoderadas e incentivadas a explorar suas potencialidades, que se tornam “exponencialidades” quando conectadas a uma rede qualificada de talentos. Tudo é uma questão de terrenos férteis; neles, o ótimo se desenvolve.

Uma das questões mais prementes no mundo das agências é o tempo, os tais “horários esticados”. Horário de trabalho? Cada um faz o seu. Quem define o timing é a necessidade do trabalho e o impacto disso no trabalho do meu parceiro: não posso fazer com que “meu tempo” prejudique o tempo do meu parceiro.

Publicidade não tem nada a ver com quantidade de horas que uma pessoa trabalha. O sujeito pode fazer o seu próprio tempo, desde que na “hora H”, na reunião com o cliente, o trabalho encante. Caso contrário, pode virar noites que não adianta nada.

Sonho com o dia em que todos trabalhem sentindo que estão de férias. Por que o trabalho tem que ser algo ligado ao sofrimento? Ao esforço? Quem disse isso?

Aprendi que, quando a gente coloca a cabeça para descansar, ela retribui com ideias, insights, coisas boas. No ano passado, pensando em novos avanços para nossa gestão, fiz uma viagem aos Estados Unidos para estudar Mindfullness, uma técnica derivada da meditação que os americanos estão usando muito, inclusive no Google, onde um engenheiro especializado nisso treina seus funcionários. Mas o maior aprendizado da viagem foi a conexão com um grupo de pessoas que buscam essa vibe mais autêntica.

Essa conexão me proporcionou experiências maravilhosas, que nada tinham a ver com “ensinamentos teóricos”. Vivíamos pelo sentir o presente, pelo senso de conexão. Uma vez começamos a ter um stress por conta do atraso do ônibus que viria nos buscar. Mas, pasmem, foi exatamente esse atraso que nos permitiu ver um dos mais lindos pores do sol de toda nossa vida.

A lição é: menos intervencionismo, porque as coisas têm que ser como são. Isso para mim é acreditar no mistério.

A maior lição que tive das minhas andanças pelo estudo da mente humana, que nos ajuda muito nos nossos processos de envolvimento aqui na Fábrica, foi o entendimento de que tudo que pensamos e sentimos são identificações da nossa mente. Mente é ego. E por trás da mente está o nosso lado que observa, nossa alma.

E a coisa mais importante do mundo é fazer crescer o observador dentro de você. Porque ele é a consciência. E, quanto mais forte for, menos você se identifica com seus estados mentais. Fazendo uma analogia: nossa consciência, nosso ser mais verdadeiro, é o céu; e as nuvens são nossos estados mentais. O grande lance é observar as nuvens passando e ter a certeza de que não somos ela, somos sempre o céu azul, lindo. E, quanto mais assimilamos isso, melhor a qualidade do trabalho.

A melhor maneira de desenvolver o observador é com a meditação. Ao passar algum tempo observando sua respiração, você treina para ser um observador de si mesmo. E qual o estado mental ideal? É aquele em que você está o mais limpo possível; limpo de suas negatividades, limpo de seus pensamentos ruins, limpo de sentimentos aprisionantes que limitam nossa capacidade criativa, e nessa limpeza abre-se o campo para o trabalho feliz, original e recompensante.

Repare em seu corpo neste exato momento: provavelmente você está agindo de acordo com algum estado mental que se reflete nele. Ao colocar toda a sua atenção nas áreas do corpo que o estão incomodando, você elimina isso imediatamente. Não sei se expliquei direito, mas isso é o que chamamos: colocar a consciência para funcionar. A consciência traz qualidade para sua presença e elimina suas negatividades; traz você de volta para o seu estado mais autêntico de “Ser”.

As pessoas estão muito identificadas com suas individualidades, e isso gera um personalismo no trabalho. Penso num ambiente de força ao coletivo, sem hierarquia. Daí você me diz: mas alguém tem que mandar! Sim, quem manda é a ideia adequada, quem manda é o trabalho fruto de um ato de colaboração.

Pessoas em conjunto produzem melhores e mais diversificadas soluções que pensamentos individuais. Como posso deixar de ouvir a opinião da nossa faxineira, moça do café, recepcionista, boy? Como posso deixar de ouvir quem está vendo coisas no ônibus, no metrô, na conversa com o zelador, no mercadinho fiado da esquina, enfim, como posso deixar de ouvir a vida e somar todas essas experiências?

Antes de cada reunião, sugiro que as pessoas fechem os olhos por 30 segundos. Isso faz com que voltem para o silêncio e, assim, se desapeguem de seus pensamentos e fiquem prontas para entrar numa conversa produtiva, sem dispersões.

O que mais mata uma reunião é que as pessoas não estão presentes, estão devaneando, presas a estados mentais, e isso impede uma conexão bacana e geradora de ideias.

Toda noite pego meu cachorro e levo minha mente para passear. É uma das melhores formas de limpar a mente. Se você está com um desafio muito grande a ponto de se tornar um problema para sua cabeça, vá para casa, tome um belo banho, uma ducha, e o que restar depois disso é o verdadeiro problema. O resto eram apenas pensamentos e sentimentos negativos colados em você.

De que adianta ter um modelo de gestão financeira se o que governa a empresa são as crenças da liderança? Estou cansado de ver planilhas financeiras na gaveta. O que vai decidir se você vai inscrever alguns cases em festivais ou não? Não é a planilha financeira, mas o senso de valor e prioridade que você dá para isso. Lucro? Sempre uma consequência. Se me preocupo muito com ele, perco o momento, perco a autenticidade no trabalho; passo a um estado mercantilista, e não de alguém que está lá cultivando o prazer de fazer bem feito.

Não adianta você ter os melhores profissionais, a melhor tecnologia, se não tem um grupo de pessoas comprometidas em fazer o melhor, com “envolvimento genuíno” com os clientes. Se não tem isso, não tem alma, não tem futuro. Um dos maiores desafios que temos lá na Fábrica é resguardar a nossa autenticidade. O mundo dos negócios leva você ao desempenho de inúmeros papéis. Mas não é com comportamentos pré-fabricados que a evolução acontece, e sim com o ir fundo no autêntico, naquilo que só você tem enquanto empresa.

Sempre acreditei que o sucesso no trabalho é muito mais ligado à qualidade do envolvimento no desafio em questão, do que simplesmente pensar na melhor solução. Mesmo porque soluções inovadoras, consistentes, só acontecem em ambientes de compromisso genuíno com o propósito do que se está fazendo.

Não compartilho da visão de que temos de ser profissionais no trabalho. Nossa atuação deve ser uma extensão das nossas entranhas

Só assim o trabalho fica único, original. Quando você veste a capa do profissional, fica igual a todos e a disruptura não vem. O máximo que podemos atingir no trabalho é sermos 100% de nós mesmos, até daquilo que não imaginávamos em nós. Aí sim há o voltar pra casa feliz, o ser feliz no trabalho, a realização.

Nunca imaginei ser dono de agência. Aconteceu. Acredito nas sincronicidades. De que adianta planejar se a vida é um mistério? Se eu planejo demais, corto todas as possibilidades de o mistério acontecer. Acredito no mistério, nas forças invisíveis.

O desafio mais difícil no trabalho é entrar nas situações totalmente “não-planejado”, totalmente aberto ao momento presente. Porque só no momento presente, sem as amarras da mente, é que pode haver a criatividade. Tudo que vem da mente é conhecimento acumulado, é algo que você já sabia, portanto não pode ser algo original. Mas isso dá muito medo.

Em encontros de trabalho, valorizo muito as pessoas que estão quietas ouvindo. A tendência é todo mundo querer falar, mas alguém tem que escutar. E só a partir da escuta verdadeira que o novo pode surgir. Você não precisa se esforçar para acessar uma boa ideia, basta ouvir, se conectar, trazer sua presença, e as coisas acontecem, pois as ideias já estão lá, basta acessá-las. Se você se integra nessa atmosfera colaborativa, o fio da meada aparece e tudo fica simples.

Cada etapa do trabalho é um momento único, e quanto mais você estiver totalmente entregue ao seu desafio, mais esse momento será rico em construções, mais as ideias se revelarão

Nesses anos todos que trabalho na área, não vi nada mais motivador para um profissional que as suas opiniões serem ouvidas, sua presença no grupo valorizada, seu trabalho respeitado e o ambiente que ele trabalha ser reconhecido por sua excelência. O que vai fazer com que você durma feliz cada dia? Para mim, é o quão olhado e valorizado você foi, e o quanto produziu e está inserido num contexto de alto padrão.

Já passou por mim o desejo de ganhar prêmio. Hoje ficou para trás. Para mim o grande prêmio da boa comunicação é o sorriso na cara das pessoas e o caixa da empresa tilintando. Mesmo porque os prêmios do setor são absolutamente autorreferenciados. Só ganha o que publicitário gosta. E publicitário não é a voz do consumidor.

Meu desafio é vir trabalhar numa agência nova todo dia, quebrar padrão, pois, na minha opinião, a quebra de padrão é o melhor lubrificante para o cérebro ficar mais criativo.

Acredito que o futuro nos levará a um estado em que a materialidade, a razão, perderá espaço para a intuição. Não consigo me comportar como um robô condicionado, montado em conhecimentos adquiridos. Aposto tudo na evolução da consciência. A única maneira de tomar pé de todos os lados que coabitam dentro da gente e, assim, nos libertar.

 

Luiz Buono, 59, é formado em administração e profissional de comunicação das áreas de Atendimento e Planejamento. Atuou em agências como JWT, Y&R, DPZ, Leo Burnett, Salles e DM9. Desde 1987 é sócio da Fábrica, agência especializada em CRM, performance, data e digital.

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