Tem gente que só de imaginar o mínimo contato com insetos já entra em pânico. Bichinhos cheio de patinhas, que rastejam ou voam provocando zumbido no ar são sinônimos de pavor. Mas nada disso amedronta o biólogo paulistano Heraldo Negri, de 48 anos. Muito pelo contrário. Para ele, os insetos vão causar uma revolução na agricultura e ajudar a melhorar o mundo. Ele é sócio fundador da Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba (SP), empresa de biotecnologia especializada em desenvolver vespas que combatem pragas agrícolas e que podem ser usadas como alternativa aos inseticidas nas lavouras. Em 2012, a Bug foi eleita a 33ª empresa mais inovadora do mundo (e a mais inovadora do Brasil) pela Fast Company.
“Os agentes biológicos podem aumentar a produtividade das lavouras. O foco é usar a tecnologia em prol do desenvolvimento do campo”, conta Heraldo. Como isso funciona? Em duas etapas. Na prática, a Bug desenvolve em laboratório as traças (ou ovos) de pragas de cana, soja, milho, algodão e frutas. Paralelamente, cria as vespas, que são parasitas naturais dos insetos que destróem as plantações, e insere os ovos dessas vespas dentro dos ovos das pragas. Então, a larva da vespa torna-se hospedeira e vai crescer e se alimentar dentro do ovo da praga, matando-o. O produto final da Bug são cartelas de papelão cheias desses ovinhos. “Conseguimos reproduzir em laboratório o que acontece naturalmente na vida selvagem”, diz o biólogo, fundador da empresa, que atua no chamado controle biológico de pragas, uma alternativa ao uso de químicos.
Essas cartelas da Bug são, então, distribuídas na lavoura pelo agricultor. Em poucos dias, as vespas nascem e começam a varrer o campo em busca de ovos que podem hospedar sua prole. Heraldo explica a mágica da natureza: “A vespa é muito eficiente nessa busca. Ela age da mesma forma que um leão caçando gnus na savana africana. Para a vespa, encontrar hospedeiros para seus ovos é uma questão de sobrevivência da espécie”.
Durante épocas de safra, a Bug produz cerca de 10 quilos de ovos por dia. Os clientes daBug são agricultores de variados portes, de todo o Brasil. Para tratar um hectare de plantação de cana, por exemplo são necessários cerca de 150 mil ovinhos de vespa, divididos em três aplicações – o custo total sai por 54 reais. Para lavouras de soja, são usados 300 mil parasitas por hectare, que custam 90 reais.
“O produto é precificado de acordo com o valor dos agroquímicos, que seriam a alternativa de combate às pragas. Pois os agricultores não vão querer pagar caro pelos nossos produtos apenas por causa do meio ambiente. Temos que ser competitivos”, diz Heraldo. Este ano, a empresa espera faturar 12 milhões de reais, quase o dobro do ano passado.
Competir com a indústria dos agrotóxicos não é fácil. De acordo com um relatório do Instituto Nacional de Câncer (INCA), ligado ao Ministério da Saúde, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo – posição que ocupa desde 2009. Em 2011, este mercado movimentou 8,5 bilhões de dólares, quase quatro vezes mais do que em 2001.
Heraldo avalia que os defensivos químicos sejam usados em mais de 95% dos estimados 65 milhões de hectares destinados à agricultura no Brasil. “O problema quanto o uso de químicos é não respeitar a carência, a dosagem e o momento oportuno de fazer a aplicação”, diz. Ele também pontua que, por mais que esteja crescendo, o controle biológico ainda tem carências e seu uso é restrito a algumas pragas – uma das dificuldades, por exemplo, é combater as pragas de solo.
O CONTROLE NATURAL DE PRAGAS TAMBÉM PRECISA DE INOVAÇÃO
Para desenvolver novas soluções para o campo, a empresa investe em pesquisa e desenvolvimento. A Bug tem parcerias com a Embrapa e universidades, como a UNESP de Jabotical e a ESALQ de Piracicaba para fornecer traças de pragas e ovos de vespas gratuitamente. “Dessa forma, os pesquisadores focam o estudo em aplicações científicas e não precisam se preocupar e nem ter custo com a criação de insetos e larvas. Por outro lado, recebemos os resultados das pesquisas em primeira mão”, conta Heraldo.
Outra fonte de conhecimento importante está dentro da própria empresa: trata-se do sócio Alexandre de Sene Pinto, doutor em entomologia, a ciência que estuda os insetos. “Ele é um dos maiores especialistas da área no Brasil”, diz Heraldo. Ele conta que, no momento, a Bug está desenvolvendo um novo parasita para uma diferente praga de soja. “Já tratamos dez mil hectares num projeto piloto e tivemos resultados relevantes. Em breve, o produto chegará ao mercado.”
A pesquisa acadêmica marcou a Bug desde a fundação, em 2000. Heraldo conheceu Diogo Carvalho, também sócio-fundador da empresa, na ESALQ. Diogo cursava mestrado em Entomologia. Heraldo era o técnico responsável pelo laboratório da universidade. “Conhecíamos muito bem a técnica de criação de pragas e insetos em laboratório. Mas o desafio era produzir em larga escala”, lembra Heraldo. O empurrãozinho para a empresa sair do papel aconteceu por meio de um incentivo de 1,2 milhão de reais da Finep. Na mesma época, a empresa passou dois anos na incubadora da Esalq. “Lá, formatamos o modelo de negócios e poupamos recursos ao usar a estrutura da universidade.”
Mas os desafios ainda estavam longe de acabar. Pelo fato de o mercado brasileiro ter uma cultura muito forte de agroquímicos, de início a tecnologia da Bug não era bem recebida pelos potenciais clientes, como lembra Heraldo:
“Era difícil convencer os produtores rurais de que podíamos controlar pragas usando apenas insetos feitos em laboratórios”
Para vencer a resistência do mercado, a Bug entrou em contato com usinas açucareiras do interior de São Paulo e ofereceu seus produtos quase de graça, para que fossem usados nas lavouras de cana. A estratégia foi dando certo e, aos poucos, eles ganharam a confiança do mercado. As receitas, porém, só começaram a chegar em 2006.
Dois anos mais tarde, a inovação despertou o interesse do fundo Criatec, que usa recursos do BNDES e é gerido pela Inseed Investimentos e Antera Gestora de Recursos. Na mesma época, aconteceu outro aporte da empresa de participações e consultoria Trigger. “Os gestores do fundo nos auxiliam com o planejamento estratégico”, conta Heraldo. Toda quinta-feira, os sócios se reúnem por três horas para as reuniões de diretoria. Num desses encontros, eles chegaram ao consenso que precisavam de um diretor financeiro. Heraldo fala sobre o formato de decisão compartilhada:
“Depois de 15 anos de empresa, uma das evoluções pessoais é aprender a trabalhar em grupo. No início você reluta em certas decisões. Mas depois, passa a entender os benefícios de alinhar diferentes pontos de vista”
Heraldo o Diogo são técnicos. Entendem muito de produto e laboratório, mas não tinham o conhecimento em administração. Agora, consideram-se finalmente preparando a empresa para faturar 100 milhões de reais. “Se eu pudesse voltar no tempo, teria tido mais cuidado com a gestão, que ficou um pouco de lado nos primeiros anos da Bug”, diz o fundador.
Nos últimos anos, a Bug recebeu vários reconhecimentos internacionais. Em 2012, no mesmo ano em que sua inovação foi reconhecida pela Fast Company, a Bug foi premiada na área de sustentabilidade com o World Technology Award, organizado por empresas de comunicação dos Estados Unidos, como CNN, Time e Fortune.
Ano passado, no entanto, é que viria o maior reconhecimento da Bug até o momento: ela recebeu o prêmio Technology Pioneers de 2014, do Fórum Econômico Mundial. “A partir da premiação, passamos a participar de reuniões do fórum que discute temas sobre crescimento sustentável”, diz Heraldo. É a mesma honraria já concedida a empresas como Google (2002), Mozila (2007) e DropBox (2012).
“A maior vantagem das premiações é trazer o holofote para a nossa área de atuação – colocar o tema de agentes biológicos na pauta de debates da sociedade. Após a criação da Bug, o tema ganhou maior relevância. É disso que tenho orgulho. Quero ajudar a dar um futuro mais saudável e sustentável para meus filhos, netos e todos que nascerem e viverem aqui após a minha partida”, diz Heraldo. E segue plantando o futuro que pretende colher.
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