O case MIS: como André Sturm inovou para multiplicar por dez o público do museu

Breno Castro Alves - 25 ago 2015Andre Sturm (foto: Letícia Godoy).
O gaúcho Andre Sturm assumiu com a missão de inovar e dar um novo papel social para o MIS (foto: Letícia Godoy).
Breno Castro Alves - 25 ago 2015
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André Sturm assumiu em 2011 a direção do Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo com uma missão clara: torná-lo relevante para o grande público. O museu, um dos mais importantes da cidade, atravessava um período de experimentações de vanguarda e baixo público que desagradava seu mantenedor, o governo estadual. Sturm implementou uma programação permanente diversificada que é complementada por exposições arrasa quarteirão, como Castelo Rá-Tim-Bum, Stanley Kubrick e David Bowie. O público, que em 2010 foi de 61 683 pessoas, alcançou 603 197 em 2014. Só o Castelo levou 410 000 visitantes ao MIS. O salto é resultado de uma estratégia repleta de inovação, ousadia e um pouco de sorte.

O gaúcho de Porto Alegre, hoje com 49 anos, sempre abre um sorriso quando escuta os cobradores dos ônibus que descem a Av. Europa dizendo “próxima estação: MIS”. Sturm, que vai a pé ou de ônibus todo dia para o trabalho, diz que a cena se repete com frequência. “Isso significa que muitas pessoas estão vindo pela primeira vez ao museu. Talvez até alguns cobradores tenham aprendido recentemente o que é o MIS. Ali eu vejo a formação de público e seus impactos aparecendo pela cidade”, diz.

André Sturm é cineasta, trabalha com distribuição de filmes, como programador de cinema e como gestor público. Sempre foi um cinéfilo inveterado. Hoje, além de diretor do MIS, também é proprietário do Cine Belas Artes e da distribuidora Pandora Filmes. Começou a carreira como cineclubista na Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde cursava, desanimado, Administração. No segundo ano, encontrou colado no elevador um improvável convite para participar do cineclube da instituição. A paixão falou mais alto e ele assumiu a sala: foi a primeira vez em que coordenou a programação de um espaço.

Fachada do MIS, em São Paulo (foto: Ding Musa).

Fachada do MIS, em São Paulo (foto: Ding Musa).

Em 1989, na esteira desta experiência, fundou a Pandora, distribuidora interessada em circular filmes que faziam sucesso pelo mundo mas que não chegavam ao mercado brasileiro. Está de pé até hoje. Cineasta, produziu os curtas Domingo no Campo (1994) e Quem você mais deseja (2008), entre outros, e os longas Sonhos Tropicais (2002) e Bodas de Papel (2008). Comandou a programação da Cinemateca Brasileira durante os anos 1989 e 1991 e, no começo dos anos 2000, encarou um desafio de vida: o decadente Belas Artes, cinema de rua na avenida da Consolação, quase esquina com a Paulista, centro de São Paulo, estava fechando por falta de dinheiro. Sturm e seus sócios, incluindo o cineasta Fernando Meirelles (diretor de Cidade de Deus), conseguiram patrocínio do HSBC e reabriram o cinema, que se manteve funcionando por oito anos.

Em 2011, acompanhando a disparada do mercado imobiliário na cidade, o aluguel do prédio subiu demais e o cinema foi obrigado a fechar. Surgiu o Movimento Belas Artes, organização da sociedade civil para defender seu tombamento e, de maneira difusa, o direito ao cinema. Sturm foi um dos personagens marcantes deste capítulo político, que se encerrou em 2014 com um patrocínio de 1,8 milhão de reais da Caixa Econômica Federal para o Belas Artes, renováveis por mais cinco anos. O cinema pagou suas contas e voltou a funcionar.

O convite para o MIS foi feito por Andrea Matarazzo, então Secretário de Cultura do Estado, logo após o fechamento do cinema, em 2011. A secretaria já concordava que a direção do museu precisava mudar, Matarazzo se aproximou de Sturm pedindo suas opiniões e após alguns dias perguntou se poderia indicar seu nome para o conselho do MIS. Toparam.

OS IMPACTOS DE UMA GESTÃO DISRUPTIVA NO MUSEU

O Museu da Imagem e do Som de São Paulo, instituição da Secretaria de Estado da Cultura, foi inaugurado em 1970 para registrar obras e autores em televisão, vídeo e rádio. Viveu altos e baixos ao longos destes anos e hoje conta com mais de 200 mil itens em seu acervo. É gerenciado por uma parceria público-privada entre a secretaria e a Organização Social de Cultura Paço das Artes. Seu orçamento anual é de 10 milhões de reais.

A atual gestão do governo estadual assumiu em 2011 e logo entendeu que o MIS precisava encontrar um novo papel. Sturm propôs a exposição do Kubrick já durante as primeiras conversas e a ideia foi bem recebida. Assumiu a direção com carta branca para implementar seu projeto. Houve resistência, artistas e parte da comunidade ao redor do MIS se indignaram com a interrupção do trabalho que vinha sendo desenvolvido pela diretora anterior, Daniela Bousso, que propunha ao museu um caráter experimental, buscando vanguardas em novas mídias. Abaixo-assinados correram apontando que a vinda de Sturm, empresário da distribuição de filmes, representaria a entrega desse espaço de resistência artística ao mercado. Sobre o período, ele avalia:

“O museu estava apagado, tinha perdido a relevância de atração e repercussão cultural. O trabalho era bom, mas era pouco e não repercutia. O alcance não justificava o orçamento do MIS”

“O museu era muito dividido em áreas que não conversavam”, diz, enquanto desenha no ar, com as mãos, uma série de caixas que não se tocam. Sturm extinguiu os cargos de Coordenador de Programação, de Comunicação, Superintendente do Museu e Assessor Internacional. Centralizou a coordenação das equipes Comunicação, Programação, Operações e Pontos MIS, este último, um programa de difusão audiovisual pelo interior do estado. Os profissionais dessas quatro áreas atuam a partir da orientação direta de Sturm. Não há cargos, apenas responsáveis por tarefas específicas. Ele entende que estes grupos são horizontais, pois não há hierarquia além de sua coordenação.

Sturm fala rápido, constrói frases curtas e diretas. Toca uma operação e um ritmo de trabalho sem muito espaço para a contemplação. Sobre a implementação de seu modelo de gestão, diz: “Não entrei mudando tudo, tirei uma pessoa e botei uma, apenas. Mas é normal quando se propõe uma filosofia nova, quem não se enquadra acaba pedindo para sair. Um museu que recebe 2 000 pessoas por mês é uma coisa, um que recebe 2 000 por dia é outra. A dinâmica do trabalho mudou e algumas pessoas mudaram junto com ela”.

EXPERIÊNCIA SENSORIAL E MEMÓRIA COLETIVA COMO CONCEITO

As grandes exposições foram a ferramenta utilizada para alavancar a mudança de público. Sturm percebeu que a exposição do Castelo Rá-Tim-Bum era coisa séria muito antes das filas que viravam as esquinas, antes de ver os grupos que passaram a madrugada na porta do museu para garantir sua entrada. Assim que a ideia tomou forma, recebeu um email da filha Barbara Sturm, hoje com 26 anos, que lhe enviou 40 linhas discorrendo sobre tudo que não poderia ficar de fora da exposição. “Ela lembrava de capítulos inteiros do Castelo”, diz. “De repende, pessoas do dia a dia estavam me perguntando do MIS, não só meus amigos culturetes. Percebi que estava mexendo com memória coletiva e que devia continuar.”

A exposição Castelo Rá-Tim-Bum é emblemática da nova fase: filas e sucesso inéditos para o MIS (foto: Letícia Godoy).

A exposição Castelo Rá-Tim-Bum é emblemática da nova fase: filas e sucesso inéditos para o MIS (foto: Letícia Godoy).

A programação proposta por Sturm tem a experiência sensorial como conceito fundamental, encara o espaço como narrativa, o museu como suporte de uma imersão que utiliza todas as mídias necessárias para contar sua história. Constrói salas para proporcionar sensações marcantes ao redor dos temas trabalhados. Por exemplo, Stanley Kubrick. Viu a exposição montada em Berlim de uma forma tradicional, vitrines com objetos expostos. “Senti falta do Kubrick, daquela intensidade. Todos seus filmes são tensos, o expectador tentando descobrir se o personagem vai enlouquecer ou não. Nós reconstruímos a exposição aqui, abordando a obra dele a partir desta tensão”, diz.

No processo de definição da programação do museu há a intenção declarada de equilibrar exposições blockbuster, as tais arrasa quarteirão, com programas permanentes que se dispõem a mais profundidade. Sturm, que cuida pessoalmente das escolhas, fala a respeito:

“Definir a programação tem muita coisa de faro, uma subjetividade grande de mexer com o público, entender o que é relevante. Não é exatamente racional”

Os custos subiram junto com a complexidade das novas propostas e o museu foi atrás de parcerias e patrocínio direto de empresas, necessários para bancar os 1,5 milhão de reais gastos na montagem do Kubrick ou os 2,5 milhões que custou recriar o Castelo Rá-Tim-Bum.

A exposição "Truffaut Um Cineasta Apaixonado" fica até 18 de outubro no MIS (foto: Letícia Godoy).

A exposição “Truffaut Um Cineasta Apaixonado” fica até 18 de outubro no MIS (foto: Letícia Godoy).

Hoje, o MIS realiza os seguintes programas mensais: Cinematographo, cinema mudo com música ao vivo; Estéreo MIS, música com bandas e artistas independentes; Maratona infantil; Cine MIS, que estreia filmes inéditos em São Paulo; Dança no MIS; e Notas Contemporâneas, que coleta registros orais de músicos e compositores contemporâneos e realiza exibições abertas ao público. Segue até o dia 18 de outubro com a exposição Truffaut: um cineasta apaixonado.

Em janeiro de 2016 estreia outro blockbuster, sua versão da exposição do Tim Burton feita pelo MoMA, o museu de arte moderna de Nova Iorque (para se ter uma ideia de como o MIS está definitivamente pop, já existe um evento no Facebook com milhares de confirmados para visitar a exposição). Em 2017, será a vez de Renato Russo fazer a fila dobrar o quarteirão da avenida Europa, exposição que, Sturm espera, tocará a memória coletiva do público de forma semelhante a que fez o Castelo Rá-Tim-Bum.

Sua versão da mídia museu faz uso da imersão sensorial e da memória coletiva para atrair, enquanto a simultaneidade de exposições e programas pretende formar o público. Assim, abre espaço para muita gente que nunca havia visitado um museu. Apesar da ampla cobertura que imprensa vem dedicando ao MIS, Sturm entende que repercussão não é só aparecer na mídia. “Comecei a encontrar uma série de agentes que, a princípio, não teriam relação com a obra mas foram impactados por nosso trabalho. Então, sim, fomos bem sucedidos na busca por mais relevância”, afirma. Dá como exemplo a caixa de banco que lhe perguntou sobre o museu e a livraria que acrescentou, logo na porta, uma gôndola de produtos do Kubrick, filmes e livros que não estavam ali antes da exposição.

O museu pretende seguir com uma programação que mobilize e repercuta no limite da imagem e do som. Ao lembrar das viradas noturnas realizadas durante as exposições do Bowie e do Castelo, provoca: “A gente tem pouco espaço, é uma limitação, mas o dia tem 24 horas e não usamos todas elas”. É certo que há essa demanda na cidade notívaga e ávida por cultura que é São Paulo. Se um dia o MIS encarar o desafio, provavelmente as filas começarão ainda de dia para a estreia da madrugada.

 

 

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  • Projeto: MIS
  • O que faz: Registra e expõe obras no campo da imagem e do som
  • Sócio(s): Mantenedores: Governo do Estado de São Paulo e Organização Social de Cultura Paço das Artes
  • Funcionários: 100
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 1970
  • Investimento inicial: NI
  • Faturamento: Orçamento anual: R$ 10 milhões
  • Contato: mis-sp.org.br/faleconosco e (11) 2117-4777
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