Sergio Lopes, 61, é publicitário, formado pela ESPM, e atuou como diretor de Arte em agências como CBB&A, FCB e Y&R. Em 1992, montou a agência QG, com a Y&R, e depois de quatro anos se associou à Talent. “Crescemos muito, tivemos escritórios em São Paulo, Rio e Porto Alegre, e chegamos ao posto de 25ª maior agência do país”, diz.
A partir de 2005, Sergio começou a pesquisar o uso de conteúdo editorial na comunicação das marcas, o brand content, assunto que começava a ser discutido em Cannes, o maior festival de publicidade do mundo. “A propaganda intrusiva já dava sinais de que começaria a perder a atenção e a admiração da audiência”, diz Sergio.
No final de 2007, Sergio vendeu sua participação na QG para montar a Conteúdos Diversos, uma produtora de conteúdo multiplataforma com o objetivo de alinhar entretenimento, mídia, marcas, produtos e serviços.
“Abri mão de ‘uma vida ganha’ para iniciar do zero um novo negócio, que, apesar de lidar com os mesmos players (criação, produção, mídia e marcas), tem uma dinâmica totalmente diferente, com muito menos dinheiro envolvido”, diz Sergio.
Sergio se associou à produtora Cinema Animadores, de Sílvia Prado, uma butique de produção com foco em animação e soluções criativas para live action. Produziram juntos uma série infantil multiplataforma, “O Sapo Xulé”, com seis episódios, para a RedeTV!. A série rendeu licenciamento com a Estrela, ringtones com a Tim, DVDs com a editora Callis e suplemento infantil no Jornal Destak.
Eu diria que o storytelling transmídia está aprendendo a caminhar na mesa dos clientes – mas ainda engatinha (e suja muito a fralda) na mesa das agências de propaganda que têm como foco vender mídia
A Conteúdos Diversos também é responsável pelo projeto “Mulheres de Peito – falando abertamente sobre o câncer de mama”, que começou como um documentário brand content do GBECAM (Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama) e foi adquirido pelo canal a cabo GNT/Globosat e pela TV Cultura. O projeto se desdobrou em “pílulas de conscientização” para serem assistidas em salas de espera de consultórios, SMSs para mulheres em tratamento, eventos de conscientização em shopping centers e uma peça de teatro.
Sergio também está por trás da série transmídia “Zica e os Camaleões” que estreou na TV Brasil e na Nickelodeon em setembro deste ano, já em fase de dublagem para exibição em toda a América Latina. A série, que também estreará na TV Cultura em dezembro, está gerando um CD com músicas, um DVD com clipes, páginas em redes sociais, o livro de contos “O Quadrado”, pela editora Devir, e uma banda cover que ancora o “Zica Experience” – shows ao vivo, workshops de stencil e live painting.
O piloto de “Zica e os Camaleões” foi um dos vencedores do 1º AnimaTV, em 2009, foi eleito a “Melhor Animação” pelo Júri Oficial da 9ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, em 2010, teve sessão especial no festival Anima Mundi de 2011, e foi selecionado no 1º LabTransmídia do festival RioContentMarket. Além disso, foi um dos três vencedores do 12º FICI – Festival Internacional de Cinema Infantil, em 2014, na categoria Teen.
“Agora estamos desenvolvendo dois games, um videoblog, um musical para o teatro, uma “Rádio Zica” para a web e estamos captando para um longa metragem já aprovado na Ancine”, diz Sergio.
Ufa. Então transmídia é isso – explorar uma história, uma narrativa e seus personagens em tantas plataformas quanto possível? O Draft conversou com Sergio a respeito disso tudo.
DRAFT – Afinal de contas, o que é transmídia? Um hype que passou?
Sergio – A transmídia está diretamente ligada ao storytelling. Acho que podemos ficar com as definições de quatro grandes pensadores que estudam o tema para virar esta página conceitual:
Henry Jenkins, considerado ‘um dos pesquisadores de mídia mais influentes da atualidade’: “o storytelling transmídia representa um processo em que elementos integrantes de uma ficção se dispersam sistematicamente através de múltiplos canais, com a proposta de criar uma experiência única e coordenada, e no qual cada meio faz uma contribuição única para a história”.
Jeff Gomez, considerado ‘o maior especialista em expansão de propriedades de entretenimento, marcas e temas sócio-políticos por meio de narrativas transmídia’: “a narrativa transmídia acontece em várias plataformas, de modo coordenado. Cada plataforma comunica algo que se acrescenta à narrativa da plataforma principal, que é chamada de nave-mãe”.
Nuno Bernardo, criador, escritor e produtor de projetos transmídia: “O foco de um projeto de narrativa transmídia é colocar a audiência dentro do programa e do conteúdo por meio de diferentes pontos de entrada, criando uma experiência única”.
Robert Pratten, teórico do tema, fundador da Transmedia Storyteller – serviço online para entretenimento multiplataforma: “Há o processo de lean back (recepção passiva, em que o consumidor é entretido) e o de lean foward (recepção ativa, em que o consumidor interage). Juntos, eles geram a experiência do storytelling em mídias sociais, portáteis, e mídias tradicionais, em que os usuários se sentem parte do projeto e preenchem as lacunas, seguindo a narrativa de modo lúdico e sequencial.
A audiência quer cada vez mais ser entretida com conteúdo de boa qualidade. Quando ela percebe que essa conversa está sendo proposta e proporcionada a ela por uma marca, ao invés de um comercial ou de um malho de vendas, ela tende a ficar muito agradecida e a se tornar fã
Meu trabalho é colocar marcas, produtos e serviços nesta conversa. A relação entre o consumidor hiperconectado e as novas plataformas de distribuição de mídia está cada vez mais direta e nos leva muito além do brand content.
A comunicação de marca por meio de conteúdo evolui ao entender que é preciso investir em segmentação com base no que as pessoas são e no que estão fazendo no momento.
Ironicamente, a tecnologia começa a nos permitir aprofundar as relações e a torná-las mais pessoais e imediatas. É aí que a transmídia chega para ficar.
O storytelling transmídia permite que as pessoas escolham a plataforma e o momento pelos quais vão se engajar à história. E qual aspecto daquela narrativa lhes interessa conhecer mais profundamente e eventualmente compartilhar com sua rede.
É assim que o storytelling deixa de ser um tema da moda e passa a conectar de verdade marcas, produtos ou serviços a consumidores nessa era pós-publicidade interruptiva. A contação de histórias é inerente à experiência humana. É por meio dela que compartilhamos nossas crenças, valores e visões de mundo. Eis por que as marcas precisam ter boas histórias para contar no centro de suas manifestações.
DRAFT – Que cases concretos, de sucesso, em transmídia, aconteceram no Brasil e no mundo?
Sergio – Na linha do entretenimento, um dos primeiros foi Matrix (1999), que começou como filme e hoje (ainda) está presente em vídeo, animatrix, games, livros, HQ e fanfilmes. A Coca-Cola foi uma marca que trabalhou bem o entretenimento com o comercial Happiness Factory, em 2006 que gerou o “Happiness Factory: The Movie” em 2007 e expandiu para redes sociais. Hoje a Coca deixou de ser uma “beverages factory” e passou a ser uma “story factory”. Mais recentemente, a Intel/Toshiba, com o case The Beauty Inside, impactou com uma websérie que permitia engajamento total da audiência lançada no Facebook em oito línguas e 13 países.
No Brasil, o filme “Latitudes”, de 2013, fez um bom trabalho unindo TV, Web e Cinema com engajamento de marcas na produção (brand content).
DRAFT – Tudo virou transmídia? O conceito original se liquefez?
Sergio – Nem tudo virou transmídia. Existe uma grande confusão entre transmídia, crossmedia e projetos multiplataforma. E muita deturpação na produção de determinadas peças, como alguns comerciais de 3 minutos para serem veiculados na web, que são chamados pelas agências de webséries e na verdade é o que antigamente chamávamos de comunicação 360º, peças destinadas a ocupar os espaços existentes na propaganda e no ponto de venda.
As marcas, assim como nós, os produtores de conteúdo, editorial ou publicitário, precisam reinventar as antigas formas de conexão com o consumidor e com suas audiências. O marketing ainda está tentando reprogramar o seu mindset, deixando de lado o pensamento convencional orientado apenas para à mídia e para a quantidade de impactos, em um mundo em que o consumidor não é mais passivo e sim coautor de uma conversa com a marca que não pode mais ser linear.
DRAFT – Transmídia funciona? Por quê?
Sergio – Tenho visto no caso da produção de conteúdo de entretenimento que a conta não fecha se você usar o conceito tradicional de captação para produzir uma série de TV, por exemplo. O ciclo de desenvolvimento do projeto, captação, produção e exibição – para só depois licenciar produtos – é muito longo e com retorno incerto. Tenho visto planos de negócios de séries que são mais ficcionais do que a própria série.
O modo de produção transmídia, apesar de mais complexo, permite que outras plataformas remunerem o projeto, por meio de outros investimentos e receitas. No caso da Zica e os Camaleões, por exemplo, o programa de licenciamento ainda engatinha mas já estamos programando uma série de shows da banda que lidera o Zica Experience. Além do Vlog, que terá brand content.
DRAFT – Os clientes e as agências estão comprando o conceito de transmídia?
Sergio – Considerando que você não mencionou o público final (consumidores), eu diria que este assunto está aprendendo a caminhar na mesa dos clientes – mas ainda engatinha (e suja muito a fralda) na mesa das agências de propaganda que têm como foco vender mídia.
Tenho ouvido, nas minhas visitas a clientes e agências, que dá muito mais trabalho e é difícil de mensurar (clientes) e que remunera muito pouco (agências). Então as marcas ainda têm alguma dificuldade para entrar neste jogo quando o formato foge muito daquilo que a propaganda tradicional oferece.
Participo de um grupo na ABA – Associação Brasileira de Anunciantes – que discute a comunicação por conteúdo e vejo a dificuldade dos clientes inovadores (pessoas físicas) em levar esta disciplina para dentro de suas empresas.
A terceira ponta desta conversa (consumidores), que clicam no botão “Pular o Anúncio” do YouTube e que adoram séries como House of Cards (Netflix), que estão repletas de produtos e empresas integrados à personalidade e ao estilo de vida dos personagens, já compraram esta ideia e cada vez mais vão cobrar essa entrega das marcas com que se relacionam.
Nas agências de live marketing ou de promoção & eventos esta conversa tem fluído melhor, pois elas pensam essas questões de modo mais amplo e natural. Quem trabalha ativação no ponto de venda, e promoções e eventos presenciais que mobilizam multidões, costuma ter um DNA naturalmente mais “social”.
DRAFT – Que críticas a disciplina de transmídia tem sofrido e como ela contraargumenta?
Sergio – Uma das críticas mais comuns é o tempo e o trabalho necessários para desenvolver uma narrativa para várias plataformas. O job acaba envolvendo outros players, como roteiristas, desenvolvedores de aplicativos, editores ou produtores teatrais, por exemplo. Isso não está no DNA da agência e muitas vezes é um território novo para o próprio marketing do cliente. E é um trabalho de construção que leva tempo para ser bem realizado. Na urgência de resultados isso não funciona. O storytelling transmídia deve ser planejado como ação de longo prazo.
O que deve ser avaliado é o alcance do projeto, a duração e a profundidade desejadas. Outro ponto, é que muitas destas atividades podem buscar recursos em outras fontes como leis de incentivo, receitas de bilheteria ou licenciamento – nem tudo precisa vir exclusivamente do patrocínio da marca. Esse também é um modelo muito novo para o mercado.
Por fim, outro argumento a favor do storytelling transmídia é que a audiência quer cada vez mais ser entretida com conteúdo de boa qualidade. Quando ela percebe que essa é a conversa que a marca está propondo e proporcionando a ela, ao invés de um comercial ou de um malho de vendas, ela tende a ficar muito agradecida e a se tornar fã.
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