O sucesso da festa Selvagem é daqueles casos em que o plano B, de repente, se torna plano A

Mel Meira - 1 maio 2015Augusto e Milos, parceiros nas pick-ups e nos negócios da Selvagem (foto: HickDuarte).
Augusto e Milos, parceiros nas pick-ups e nos negócios da Selvagem (foto: HickDuarte).
Mel Meira - 1 maio 2015
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Augusto Olivani, 33, e Millos Kaiser, 28, são — ou eram — jornalistas. Discretos e acostumados a ficar nos bastidores, tiveram de inverter essa lógica de comportamento conforme o projeto paralelo que criaram, a Selvagem, deixava de ser uma balada entre amigos para se tornar um fenômeno de público e crítica. A festa é também um símbolo da reocupação do centro da capital paulista por festas e eventos cada vez mais atraem gente de outros bairros para curtir, conhecer e consumir nesta região da cidade, e já foi eleita a melhor festa da cidade pelo Guia da Folha, no ano passado.

Augusto e Millos se revezam nas pick-ups para tocar o melhor do disco, funk, house, batuques e todos os tipos de brasilidades. Eles nomearam o projeto assim para transmitir a maneira como pretendiam usar a paixão pela música nessa jornada: algo sem controle, que segue apenas os instintos mais primitivos. A “selvageria” dos DJs dá certo e faz a pista ficar cheia do começo ao fim nas festas. Mas a transformação dos jornalistas em DJs foi gradual.

Augusto trabalhou em redação por quinze anos e teve seu primeiro emprego em uma revista de cultura, na qual tinha a oportunidade de escrever sobre tecnologia, universo pop e, claro, música. Em 2005, começou produzir festas, mas isso era tido como um hobby, já que ele tinha como foco o emprego no portal UOL.

Augusto e Millos, da Selvagem (foto: Eudes de Santana)

Augusto e Millos, da Selvagem: amizade e sociedade que nasceu da música (foto: Eudes de Santana)

Já Millos veio de Niterói para São Paulo em 2009, no terceiro ano da faculdade de jornalismo para estagiar na Trip. Ele tinha 22 anos e ficou na revista por três anos, período no qual foi de repórter a editor. Após esse período, Millos foi trabalhar no jornal Folha de S.Paulo, onde permaneceu por apenas dois meses. Não gostou da experiência e decidiu pensar em outras alternativas de trabalho, quem sabe ligadas à sua paixão pela música?

No Rio de Janeiro, ele já participava de um coletivo, o Os Ritmos Digitais, que promovia festas nas noites cariocas, nas quais ele estava acostumado a atuar como DJ. Quando se mudou para a capital paulista, Millos continuou tocando, mas não encontrava muitos lugares que considerasse tão legais, ou que tivessem o tipo de público que ele esperava. Até que um amigo em comum o apresentou a Augusto. O papo foi direto para a música, para a vontade que ambos tinham de fazer algo de que gostassem — e que não se parecia com nada que viam na cidade — e pronto, eles formaram uma dupla. Caminho natural desses encontros, começaram tocar em festas de casas de amigos, para ver se dava liga, se o que sentiram se comprovaria na prática, com as caixas de som ligadas. Millos fala desse encontro: “A música é uma coisa muito louca, queima algumas etapas quando você conhece alguém. Só de rolar essa afinidade musical no começo já foi um pontapé na nossa amizade”.

Em outubro de 2012 a sintonia entre os dois estava afinada, eles tinham o mesmo gosto musical, tocavam as mesmas músicas e tudo aconteceu de maneira relativamente rápida. Em dezembro do mesmo ano, Millos e Augusto realizaram a primeira edição da Selvagem no Paribar, por uma recomendação de outro amigo em comum, o alemão Thomas Haferlach, que já costumava fazer a sua festa, a Voodoohop, no espaço recém-renovado — e que se tornaria, muito por causa desses eventos nas tardes de domingo, também um pilar da reocupação do centro da capital paulista. (Em tempo: se você está lendo essa reportagem na sexta-feira, 1 de maio, saiba que o Paribar está comemorando 10 anos esta tarde.)

E, DE REPENTE, O PLANO B VIRA PLANO A

Depois da primeira festa, durante os próximos dois anos, ambos viveram uma “vida dupla”, entre o ritmo intenso de redação e a correria de produção das festas eventos e pesquisas musicais. A Selvagem foi crescendo de tamanho e ganhando cada vez mais relevância na vida de ambos. Nas primeiras edições da festa, o público era de cerca de 200 pessoas. Hoje, ultrapassam fácil o quórum de 2 000 pessoas.

Com o sucesso das edições de domingo no Paribar, que aconteciam a cada 40 dias, também apareciam muitos convites para que os dois DJs tocarem em outras festas. No início era ótimo, mas aos poucos eles perceberam que não seria viável. Além de ser cansativo, a dupla acabava tocando o final de semana inteiro e o retorno financeiro não era lá grandes coisas. Neste momento eles tomaram a decisão que se mostraria correta mais adiantes. Apesar das ofertas, não se tornariam DJs “avulsos”. Escolheram investir somente na Selvagem, tocando quase que exclusivamente nela e sem a participação de outros DJs.

O ano de 2013 seria definitivo na trajetória da Selvagem. Isso porque a estratégia dos dois DJs-empreendedores-de-primeira-viagem de focarem mais na carreira musical ganhou um “empurrãozinho”, quando o plano A (a carreira de ambos como jornalistas) se viu fragilizada. Clima tenso nas redações, os orçamentos diminuindo e quase nenhuma perspectiva de melhora do mercado. Mesmo inseguros quanto ao futuro, Augusto e Millos se demitiram dos seus empregos e, no meio daquele ano, o plano B passou a ser o plano A. O jornalismo ficara para trás. “Eu amava a carreira de jornalismo. Não sei dizer se, no final, foi a música que virou uma paixão muito grande ou se o jornalismo é que foi minguando em mim”, conta Millos.

A dupla já levou a festa para o Rio de Janeiro e Nova York (foto),

Millos e Augusto já levaram a Selvagem para o Rio de Janeiro e Nova York (foto). Agora, partem para uma turnê na Europa.

Como empresários de si mesmos, os dois estabeleceram os rumos do negócio. Os custos para se fazer uma edição da Selvagem são divididos meio a meio entre a dupla e a casa que os recebe. Quando as festas acontecem no Paribar (portanto, gratuita para o público que se espalha em frente à pracinha do espaço) o lucro dos sócios corresponde a 15% do total arrecadado pelo bar. Quando fazem suas festas no Rio de Janeiro, a porcentagem do lucro é proporcional ao que é arrecadado somando-se bilheteria e bar. Augusto compara a nova vida com a de um jornalista freelancer:

“O freela precisa ir atrás, cobrar para receber pelo trabalho. É diferente de quando você tem carteira assinada e recebe todo mês no dia certo. Como empreendedores, o dinheiro não está mais lá nos esperando. É preciso ir buscar todos os dias”  

Com o crescimento da festa, foi ficando difícil manter uma boa estrutura para receber o público no Paribar. Foi quando Millos e Augusto sentiram a necessidade de ter um patrocinador, uma espécie de investidor anjo, para ajudar nos custos e manter o nível da festa.

AS PARCERIAS CERTAS FIZERAM O NEGÓCIO ESTABILIZAR

De forma relativamente natural, já que publicitários, profissionais de marketing e empreendedores costumam frequentar a Selvagem, eles conseguiram o primeiro apoiador: a Aperol. A dupla acredita que a marca de bebida tem a personalidade da festa e que com a parceria — o apoio inclui uma verba e lotes da bebida para serem vendidos no bar — os dois lados saem ganhando.

Em terras cariocas o QG da Selvagem é no Comuna, um misto de bar, restaurante, loja e balada. Os responsáveis pelo espaço cultural são amigos de infância de Millos, o que facilitou o acordo. Ter bons contatos é o primeiro passo para fechar as parcerias certas, que podem fazer a diferença na hora que um novo negócio precisa se estabilizar. Outra vertente importante no modelo de negócios da Selvagem veio de contatos com marcas que também têm o “espírito” da Selvagem. A dupla costuma tocar em eventos corporativos de empresas como Vivo, Heineken, Nike e Converse. Esses são os jobs que pagam melhor e, também, que ajudam a fortalecer o nome da Selvagem no mercado.

Ter uma agenda de festas sempre lotada e a sensação de serem requisitados por muitos ainda é um novidade para os dois sócios. A rotina dos dois mudou bastante e os novos horários, por exemplo, são algo que interfere também na vida pessoal. Augusto fala da mudança:

“Minha mulher reclama. Ela diz que não casou com DJ, que casou com jornalista. A gente não esperava isso, nunca achei que ia viver de música”

Mesmo com a nova carreira chamando forte, ele ainda costuma fazer alguns freelas como repórter para revistas como a GQ, mas somente quando o assunto é algo que ele goste e tenha afinidade. Millos também não largou totalmente a escrita. Atua como freelancer, assinando reportagens geralmente a cada três meses, mas hoje em dia 95% da sua renda vem dos trabalhos relacionados à Selvagem.

Os dois afirmam que é um constante desafio, mas que ao mesmo tempo é muito libertador, já que a todo momento eles estão moldando seu próprio modelo de negócios. Entre as metas deste ano há uma série de iniciativas para fazer a Selvagem crescer ainda mais: eles querem trazer mais DJs internacionais para o país, fazer mais edições no Rio de Janeiro, ter mais tempo para produzirem suas próprias músicas e fazer mais eventos com parceiros. Para esta fase, estão trazendo para a empreitada um outro amigo, para trabalhar no relacionamento com parceiros e na captação de verba.

Depois de fazerem edições da Selvagem em Nova York, agora a dupla está embarcando para a Europa, onde irão percorrer uma pequena turnê, entre maio e julho, para mostrar aos europeus o que é ser Selvagem à brasileira.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Selvagem
  • O que faz: DJs, festas e produção musical
  • Sócio(s): Augusto Olivani e Millos Kaiser
  • Funcionários: somente os dois sócios
  • Sede: São Paulo
  • Investimento inicial: não houve
  • Faturamento: NI
  • Contato: emailselvagem@gmail.com
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