Os bastidores da Gamific, startup que usa jogos para motivar times de vendas e nasceu quase no susto

Giovanna Riato - 15 maio 2017Leonardo Rubens, da Gamefic, contam como foi o sufoco de começar vendendo um produto que não existia.
Leonardo e Rubens, da Gamefic, contam como foi o sufoco de começar vendendo um produto que não existia.
Giovanna Riato - 15 maio 2017
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Não é a primeira vez que apresentamos startups que focam em gamificação. Apesar de todas explorarem o aspecto lúdico e ao mesmo tempo competitivo dos games, cada uma tem uma abordagem. A característica da mineira Gamific é oferecer soluções de gamificação para áreas de vendas, focando também na gestão desses dados em tempo real. Seu principal produto é um jogo para computador e celular, que evolui de acordo com os indicadores de vendas da empresa: número de pedidos, faturamento, clientes novos e margem de lucro. A plataforma exibe uma pontuação para cada funcionário, visível a todos. Além de estimular a equipe de vendas, o desempenho gera dados que ficam à disposição dos gerentes, para que possam intervir durante o processo e não apenas ao final de cada etapa.

A Gamific começou a operar em meados de 2016, mas teve um bom período de gestação antes disso. O gestor financeiro Leonardo Guilherme, 29, sócio e co-fundador, sempre trabalhou na área de vendas com boa performance nas empresas por onde passou (ganhou carro e uma série de viagens como prêmio pelos resultados ao longo dos anos, conta). Ele integrava o time de uma escola de inglês quando, em 2014, foi apresentado pelo concunhado a Rubens Melo, 33, formado em Administração e dono de uma empresa de software. Rubens tinha acabado de voltar de um período no Vale do Silício com a ideia clara de que a gamificação era uma tendência.

Simulação de tela do jogo. Os sócios dizem que em média as vendas melhoram 20% com o uso da ferramenta.

Simulação de jogo na plataforma da Gamific. Os sócios dizem que,  em média, as vendas melhoram 20% com o uso da ferramenta.

Os dois já tinham o desejo de empreender e começaram a conversar, trocar experiências e ideias de negócios. A bagagem de Leonardo foi essencial. Para ele estava claro que a área de vendas das empresas oferecia uma série de desafios que precisavam ser resolvidos. “Trabalhando com isso, via que as pessoas não conseguiam se manter focadas. Há uma lacuna na gestão de campanha de vendas nas empresas, que investem no começo e não conseguem o retorno depois. A equipe fica desestimulada e os resultados são bem questionáveis. O time não sabe quem está na frente e, portanto, não vai atrás de melhorar”, diz.

Juntos eles decidiram, então, desenvolver uma plataforma de games focada em resolver isso, mantendo o time orientado por metas e com visão clara dos resultados para os gestores. A solução unia a experiência de Rubens em software e tecnologia ao histórico profissional de Leonardo. A dupla começou a lapidar o projeto e chegaram ao plano de fazer um jogo simples, de corrida de carro (um clássico), em que o desempenho de cada carrinho seria atualizado de acordo com os resultados de vendas. O modelo de negócios também é simples: para usar a plataforma, as empresas pagam cerca de 50 reais por usuário (valor que pode mudar de acordo com o porte e demandas do cliente). Leonardo acredita que há concorrência no Brasil para a solução.

“Há iniciativas de gamificação relacionadas à área de vendas, mas nenhuma é tão focada em dar ao gestor a visão do negócio”, diz. O modelo de negócios é vender a assinatura do serviço. A Gamific adapta a plataforma às necessidades de cada empresa e recebe uma mensalidade de cada cliente.

COMO VENDER UMA IDEIA EM QUE NINGUÉM ACREDITA?

Enquanto desenvolviam o projeto, os sócios viram que precisam de 500 mil reais para colocar a plataforma de pé e contratar desenvolvedor e profissionais para fazer o 3D do jogo. Com essa estimativa, em 2015 começaram a “camelar” atrás de investidor. Leonardo tinha a lábia de vendedor e Rubens, bons contatos acumulados em anos de experiência na área de software. Eles pensavam que isso, aliado com a boa ideia do negócio, bastaria para atrair um aporte financeiro. A realidade foi bem mais cruel. Passaram seis meses atrás de alguém que apostasse no empreendimento. Bateram em centenas de portas, que foram gentilmente fechadas na cara deles. Leonardo fala:

“Ninguém acreditava na plataforma. Diziam que a gamificação não era algo que estava pegando no Brasil”

Não era fácil seguir apostando em um negócio que o mercado desacreditava, ele diz, mas a teimosia foi uma vantagem aí: “Ficávamos inconformados. A gente não queria desistir antes de começar. Tínhamos que tentar e, se fosse o caso, mudar de ideia só depois.”

E assim foi. Naquela altura, os dois seguiam trabalhando no que já faziam (Leonardo na escola de inglês e Rubens com seu outro negócio), mas coordenavam com os telefonemas e reuniões para concretizar a Gamific. De tanto insistir a história rolou. Encontraram um investidor-anjo interessado em aplicar capital no negócio. Enfim a primeira vitória — e foi das grandes. No lugar dos 500 mil reais essenciais para tirar o negócio do papel, eles captaram 1,5 milhão de reais, que serão aplicados em cinco anos. O projeto também ficou mais ambicioso. “Este valor foi pensado para a gente colocar o negócio de pé, começar aqui no Brasil e chegar ao mercado dos Estados Unidos em dois anos”, diz, confirmando que a meta é internacionalizar a empresa entre 2018 e 2019.

PODE SER PRA HOJE?

Com dinheiro na mão para começar, mas ainda inseguros sobre o retorno que o negócio poderia dar, contrataram só um desenvolvedor e um estagiário inicialmente. Daí o ritmo das coisas voltou a ficar lento. “Nem eu nem o Rubens sabemos programar e vimos que estávamos gastando com estrutura, com plataforma e servidor, mas as coisas estavam evoluindo muito devagar. Eu precisava de algo pronto para atrair o primeiro cliente”, lembra Leonardo. Já no começo de 2016 decidiram, então, reforçar a equipe e chegaram ao formato atual com nove pessoas incluindo os sócios. Naquela altura a plataforma começou a ganhar forma e a pressão por encontrar clientes aumentou. O fundador conta:

“Não era só ansiedade nossa. O investidor nos cobrava muito para terminar o produto e monetizar”

A primeira parte não estava pronta, mas diante do risco de perder o investimento, Leonardo decidiu encarar o desafio de vender uma solução que sequer existia. Ele e Rubens começaram a marcar reuniões para falar da plataforma e, como esperado, a maior parte das empresas tinha receio de fechar contrato sem qualquer referência e, principalmente, sem ver como funcionava a solução. Por indicação de um amigo, chegaram a uma agência especializada na venda de mídia digital que se interessou e assinou em junho do ano passado um contrato de três meses com eles.

Uma nova versão do aplicativo Gamefic traz notificações em tempo real, para o time e também para o gestor da área.

O Gamific roda em iOS e Android e traz notificações em tempo real, para o time e para o gestor da área.

Tudo lindo até aí. A questão é que a plataforma não estava pronta, lembra? “Precisávamos de quatro meses para terminar, mas prometemos entregar em um mês. A gente saiu correndo e trabalhou loucamente. Não tinha como se queimar já no primeiro cliente. Isso arruinaria todo o resto”, conta Leonardo. Com o time focado de segunda a segunda, cumpriram a promessa e, aos trancos e barrancos, entregaram. “Deixamos pronto para rodar, mas não estava redondo”, admite. Neste ponto eles abraçaram o negócio de vez: Leonardo pediu demissão do trabalho e Rubens começou a estudar a venda de sua empresa de software.

Com a plataforma finalmente rodando, a equipe foi resolvendo os bugs, aprendendo a melhorar a solução e trazendo uma experiência para os próprios sócios. “É impressionante como, com tecnologia, as coisas evoluem rápido. Avançamos mais nestes meses de operação do que nos dois anos anteriores”, conta Leonardo. Ainda que a solução tivesse alguns defeitos, os resultados já eram positivos. “A agência de mídia digital chegou a aumentar 76% os resultados da equipe de vendas, melhorando a distribuição dos negócios por plataformas e mantendo o time unido por mais tempo”, diz, admitindo que o resultado é excepcional, pois normalmente a melhora média é de 20% nos resultados. Com estes incrementos, a Gamific conseguiu renovar os primeiros contratos e atrair mais interessados.

“Nossa meta era fechar com dois clientes por mês, mas conseguimos cerca de oito contratos mensais”, conta Leonardo. Atualmente eles estão com são 57 clientes, que geraram em 2016 um faturamento de 500 mil reais. Nada mal para uma startup em seus primeiros meses. O empreendedor comenta a mudança de fase:

“No começo ninguém queria ouvir a gente, mas de repente passamos a colher frutos bacanas”

No entender de Leonardo, a retração na economia, que derrubou as vendas de muitos negócios, era um argumento a favor da sua empresa. Segundo ele, naquele momento era essencial investir em soluções para melhorar resultados de vendas, justamente a promessa da Gamific. Ele conta que hoje as coisas se acalmaram um pouco com a plataforma mais robusta e receitas garantidas, mas o processo até agora não foi nada fácil. “Foi um estresse extremo e muito desgastante. A gente tinha que se multiplicar para dar conta”, diz, lembrando que em agosto do ano passado nasceu o seu segundo filho, bem no meio da correria. “Eu ficava o tempo todo pendurado no telefone. Saia da maternidade e ia trabalhar.”

EM PENSAR QUE O JOGO MAL COMEÇOU

Ainda que a correria continue, agora os sócios conseguem encontrar algum espaço para se planejar. A meta é mais do que dobrar o faturamento este ano e chegar a 1,3 milhão de reais, atingindo o break even. Além de manter clientes já conquistados, Leonardo pretende atrair novos e chegar a 100 empresas atendidas. A ambição é ainda maior para o ano que vem: superar a marca de 1,8 milhão em receitas e alcançar 200 clientes. “Daí então podemos internacionalizar, investindo no mercado dos Estados Unidos”, afirma.

Segundo ele, conseguir clientes lá fora é uma forma de aumentar as receitas com faturamento em dólar sem precisar de grande estrutura. A entrada no novo mercado também traria visibilidade à empresa para, quem sabe, receber novos investimentos ou ser comprada no futuro. “Em três a cinco anos queremos atrair o aporte de uma grande companhia”, diz Leonardo.

O empreendedor admite, no entanto, que um sucesso desse tamanho não vai acontecer sem que a Gamific supere mais alguns desafios. O primeiro é melhorar a qualidade do jogo oferecido hoje, com gráficos mais realistas e novos recursos, além de aprimorar a plataforma em geral. O segundo e mais difícil é desenvolver novos games e soluções para os clientes, levar novidade mesmo. “Precisamos ter argumentos para que as empresas se mantenham conosco. Hoje nosso game é uma corrida de carro, mas a ideia é ter novos formatos”, conta.

A plataforma também estuda entregar outros dados dos funcionários às empresas. Além dos resultados de vendas, a ideia é reunir estatísticas de comportamento das pessoas, fazer um mapeamento do perfil dos colaboradores. Outra meta para 2017 é oferecer soluções de gamificação para outras áreas, como a administrativa e a financeira. Com tantos planos, os sócios da Gamific parecem ter se acostumado com o ritmo do jogo e querem ganhar a corrida que eles mesmos inventaram.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Gamific
  • O que faz: Usa gameficação para estimular equipes de vendas
  • Sócio(s): Leonardo Guilherme e Rubens Melo
  • Sede: Uberlândia (MG)
  • Início das atividades: junho de 2016
  • Investimento inicial: R$ 1,5 milhão
  • Faturamento: R$ 500.000 (em 2016)
  • Contato: [email protected]
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