O paulistano Marcio Alfonso tem 58 anos e, há 38, é funcionário da Ford. Hoje, ocupa o cargo de diretor de engenharia veicular e engenharia avançada na América do Sul. Ele entrou na companhia como estagiário, quando faltavam dois anos para se formar na faculdade – cursou Engenharia Mecânica na FEI, em São Bernardo do Campo, município de São Paulo onde fica uma das quatro fábricas brasileiras da Ford. A partir daí, as histórias do profissional e da montadora se confundem.
De estagiário, Marcio virou trainee. De trainee, foi contratado na área de manufatura. Pouco mais de um ano depois, foi transferido para a área de criação de produtos. Participou do primeiro projeto de uma caixa de transmissão de cinco velocidades (câmbio de cinco marchas). Ajudou a criar motores a álcool. Foi engenheiro residente na fábrica de Taubaté (SP). Passou três anos nos Estados Unidos desenvolvendo motores de quatro cilindros – que, na época, eram fabricados no Brasil e exportados para lá – e sistemas de controle de emissões.
Marcio voltou ao Brasil e trabalhou com engenharia avançada em motores e transmissões na Autolatina (joint venture formada entre Ford e Volkswagen nos mercados brasileiro e argentino que durou até meados dos anos 90). Quando as companhias se separaram, tornou-se representante técnico da Ford da América do Sul na Inglaterra. Lá, começou a desenvolver a Courier (picape pequena, lançada em 1997).
Depois disso, participou do projeto Amazon, que incluiu a criação de uma fábrica na cidade de Camaçari, na Bahia. Na nova fábrica, ajudou a criar o Ecosport, o Fiesta e o Fiesta Sedan. “O lançamento da fábrica foi um grande sucesso, foram vários anos de ritmo de produção acelerado. Lá, fui responsável pela criação do centro de engenharia, o primeiro do Nordeste”, conta ele. Mais recentemente, Marcio fez parte do desenvolvimento do Novo Ecosport e do Novo Ka.
Hoje, Marcio mora em Camaçari – realizou o sonho de morar ao lado da praia – e gere uma equipe de mais de 600 pessoas, divididas entre a fábrica da cidade, a de São Bernardo do Campo e a de Tatuí (também em São Paulo). Ao todo, a Ford tem 11 500 funcionários no Brasil.
O tempo é curto, mas ele consegue dar um jeito de fazer o que gosta, pedalar. “Acordo bem cedo para passear de bicicleta. É ótimo acordar cedinho na Bahia porque às cinco horas da manhã já está claro, com sol”, diz. Marcio abriu um espaço na agenda para conversar com o Draft sobre a responsabilidade de inovar na empresa que criou a linha de montagem, sobre o futuro do mercado automotivo e como atender às expectativas dos consumidores.
Falou também sobre o hackathon (maratona de desenvolvimento de aplicativos) organizado pela companhia na última Campus Party e a parceria com a PUC-Rio para desenvolver projetos de design e engenharia voltados à experiência do usuário. As perguntas e respostas estão a seguir.
O que faz o diretor de engenharia veicular e engenharia avançada na Ford?
Na função que tenho agora, sou responsável pela inovação e pela criação de produtos. Também é minha responsabilidade toda a parte veicular, que começa com a definição de que atributos o veículo tem que ter para atender às nossas estratégias e aos nossos objetivos de competitividade e de satisfação do consumidor. Depois de definirmos os atributos, fazemos o desenvolvimento analítico e experimental, a prototipagem, os testes e a verificação do projeto. Isso envolve os laboratórios e o campo de provas, que também estão comigo. Em resumo, eu faço conceito, faço definição de atributos – meu time que faz, na verdade – e depois fazemos testes experimentais, tanto no campo analítico quanto no prático.
Como é ser o responsável pela inovação na América do Sul na empresa que criou a linha de montagem?
É a coisa mais fascinante, porque estou sempre diante de uma situação nova. Depois de mais de 30 anos trabalhando na área de criação de produtos, continuo me alimentando de coisas novas. Termino um projeto e já estou com a cabeça no próximo. É muito legal.
O processo de inovação tem uma parte bastante criativa, mas também tem uma estrutura. Na Ford a inovação envolve a aplicação de técnicas. É preciso definir conceitos, testá-los e implementá-los
O ciclo é bem pragmático: você seleciona tecnologias, escolhe alternativas ou hipóteses, testa as hipóteses e vai para a execução. Mas isso requer muita criatividade, porque você tem que fazer as escolhas certas. Você tem que eleger a melhor tecnologia, combinar as tecnologias para chegar no melhor resultado… O desafio é fazer isso de forma eficiente todas as vezes. Achar solução, todo engenheiro acha. O desafio é achar uma solução ótima, que as pessoas consigam pagar.
Então parte do processo de criação é adequar o produto ao valor que as pessoas podem pagar?
Na verdade, o processo começa exatamente daí. É preciso entender quanto as pessoas estariam dispostas a oferecer num produto que tivesse tais atributos e aí desenvolver esse produto – e não o contrário. O produto precisa corresponder às expectativas das pessoas. O desafio é sempre fazer mais e melhor. Se você perguntar para um cliente em potencial quanto ele está disposto a dar a mais por um produto mais sofisticado, provavelmente a resposta dele seja que muito pouco ou nada. É assim, a nossa natureza é essa mesmo.
Como a Ford tem gerido a inovação no Brasil e nos outros países da América do Sul?
Na América do Sul, estamos totalmente integrados, temos vários centros de engenharia. No Brasil, somos responsáveis pela criação dos carros compactos. Nos últimos anos, desenvolvemos o Novo Ecosport para o Brasil e para outras regiões. Hoje, ele é vendido na Índia, China, Tailândia e Europa, serve mais de 100 países. É um produto que nasceu aqui e ganhou escala global. O Novo Ka está seguindo o mesmo caminho. Nasceu aqui e agora também está sendo lançado na Índia. O que é mais desafiador no Brasil e nos outros países da América do Sul é justamente o que falei há pouco: a capacidade de compra do consumidor. O sonho é o mesmo, todo mundo sonha em ter o melhor possível – conectividade, conforto, tudo. Mas a capacidade de compra é diferente. O desafio é justamente conseguir criar algo que esteja ao alcance das pessoas. Nossa missão é popularizar as tecnologias para que elas cheguem para mais pessoas. O Novo Ka, por exemplo, tem ar-condicionado digital, direção com assistência elétrica, freio ABS – tecnologias que, há alguns anos, se restringiam a carros de classe muito maior.
Como a equipe de inovação é organizada?
A equipe é bastante qualificada, são mais de 600 pessoas. Tenho um engenheiro-chefe que desenvolve o que chamamos de conceito básico do produto. O trabalho dele vai desde a arquitetura – proporções do produto, motor, transmissão etc – até a ergonomia. Ele faz estudos de espaço interno e de espaço para instalação dos sistemas mecânicos. Isso porque as pessoas querem mais espaço dentro do carro, mas não querem um carro enorme. Então o carro tem que ser compacto por fora e inteligente por dentro. Tenho um segundo engenheiro-chefe, que cuida dos atributos do carro, se vai ser mais econômico, mais veloz, mais silencioso… Ele faz um mapa de tudo e o grande desafio é achar um equilíbrio. O produto precisa ser bom em vários aspectos, ter coerência. Não adianta ser muito veloz e ao mesmo tempo muito barulhento, por exemplo. Esse profissional tem um talão de cheques nas mãos e tem que saber como gastar para entregar tudo isso. Há também outro engenheiro-chefe, o que cria protótipos, testa e aprova os veículos. Ele tem que testar 7 000, 12 000 atributos e dizer se está tudo verificado, aprovado e pode ser implementado.
A Ford firmou recentemente um acordo com a PUC-Rio para o desenvolvimento de pesquisas na área de experiência do usuário. Pode falar um pouco sobre isso?
Queremos colocar o usuário no centro da discussão. Fazemos o produto pensando em quanto o usuário está disposto a oferecer. Só que, agora, a inovação requer um conhecimento cada vez mais profundo das pessoas.
Para desenvolver um produto que traga uma experiência realmente positiva para as pessoas, é preciso conhecê-las. Buscamos na universidade pessoas que consigam estudar pessoas.
Assim, podemos definir coisas que nossos usuários precisam e às vezes não conseguimos captar no processo de criação de produto, porque pegamos as informações por amostragem. Eu nem falo “consumidores”, falo “usuários”. Nossa intenção é entender essa pessoa, suas reações, o que gera satisfação para ela. Quando entendemos, conseguimos desenvolver melhor e chegar mais perto do que o usuário gostaria.
O que deve mudar no mercado automotivo nos próximos anos?
Primeiro, esse foco cada vez maior no usuário. Mas isso vem acompanhado de uma mudança muito rápida na evolução tecnológica. Nunca, nesses anos todos que eu trabalho nesse mercado, surgiram tantas tecnologias em materiais e softwares, processos avançados com robótica… Enfim, tantas soluções que nos dão a oportunidade de criar mais conceitos, conceitos mais inovadores, mais refinados. Quanto mais ferramentas temos para fazer o trabalho de criação de produtos, melhor esse trabalho se torna. Por exemplo, hoje as pessoas são conectadas, muita gente tem smartphones, tablets. Isso está promovendo uma grande transformação na forma como fazemos o produto. O automóvel está começando a se conectar com as coisas de fora. Por exemplo, temos carro da Ford que, no caso de um acidente, quando é necessária assistência médica, ele se conecta com o Samu. Então, desde que o celular do usuário esteja emparelhado com o Sync, ele automaticamente disca para o Samu e diz que um carro Ford sofreu um acidente nas coordenadas tais. Da mesma forma, é possível acessar com comandos de voz aplicativos como o serviço de música por streaming Spotify. Isso tudo sem distração, sem que seja necessário tirar as mãos do volante, porque o que buscamos acima de tudo é a segurança das pessoas que estão no carro.
Na última edição da Campus Party, a Ford fez um hackathon (maratona de desenvolvimento de aplicativos). Como foi isso?
Essa é outra fronteira que estamos explorando. Há um grande universo de pessoas talentosas que desenvolvem soluções. Antigamente ou há bem pouco tempo – talvez eu deveria dizer –, nós buscávamos conhecimento em outras grandes companhias. Hoje, temos muitas pessoas talentosas desenvolvendo soluções, aplicativos, coisas que têm um impacto enorme na vida das pessoas. O hackathon é uma abertura para que esses desenvolvedores tragam essas respostas para nós, para diversas questões que envolvem mobilidade, conforto, condição do veículo… A essência é de cooperação.
Buscamos atrair e colaborar com esses desenvolvedores, porque, nessa parceria, vemos a oportunidade de inovar mais e mais rápido.
Cerca de 50 desenvolvedores participaram do Hackathon Ford com 30 projetos (era possível se inscrever individualmente ou em duplas). O aplicativo vencedor chama-se Bom Motorista, que ajuda seguradoras a definir perfis de motoristas ao gerar relatórios a partir de informações como velocidade média e distância percorrida pelo veículo e pressão feita pelo motorista nos pedais do acelerador e do freio. O criador do aplicativo, Daniel Scocco, ganhou um Novo Ka.
CIO e diretora de serviços digitais da Mondelēz Brasil, dona das marcas Lacta, Bis, Oreo e Trident, Leila Zimmermann conta como a empresa vem explorando o uso de IA em várias frentes, inclusive na precificação inteligente de seus produtos.
Criminosos põem diariamente à prova as defesas cibernéticas do sistema financeiro. Cintia Barcelos, do Bradesco, fala sobre a estratégia para mitigar riscos à segurança – e como a computação quântica vai exigir novos métodos de criptografia.
O mercado de materiais de construção e decoração sempre foi muito pulverizado. Rodrigo Murta, CTO da Leroy Merlin, conta como a varejista vem testando soluções e refinando sua oferta digital para entregar mais valor a seus clientes.