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“Para o empreendedorismo, a crise é espetacular”

Filipe Callil - 7 out 2015 Anderson Thees, da Redpoint, numa palestra no CUBO, hub de empreendedorismo recém-lançado em São Paulo.
Anderson Thees, da Redpoint, numa palestra no CUBO, hub de empreendedorismo recém-lançado em São Paulo.
Filipe Callil - 7 out 2015
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Se você tem ou pretende ter uma startup, preste muita atenção nesse nome: Anderson Thees. À frente da Redpoint eventures, desde 2012, ele se tornou um dos principais – e cobiçados – investidores do país. Apesar do cargo executivo, de primeiro escalão, Anderson se define com alma e veia de empreendedor. Aos 44 anos de idade, gosta de por a mão na massa e de se inserir pra valer no “movimento” de empreendedorismo digital.

No dia a dia, dispensa algumas formalidades. Mesmo depois do horário de expediente (se é que dá para fazer essa distinção), adora conversar sobre novas tendências tecnológicas. Com qualquer pessoa. “Sou tipo o jogador de futebol profissional que, no dia de folga, joga uma pelada com os amigos”, diz.

Mas, não se empolgue (ainda). A facilidade para abordá-lo em qualquer lugar é inversamente proporcional à possibilidade de convencê-lo a investir alguns milhões na sua ideia. Antes de analisar profundamente o modelo de negócio de uma startup, Anderson gosta de conhecer as pessoas que estão por de trás dela. E na lista de critérios para avaliar a equipe dá para incluir: coletivismo, competências técnicas, determinação, sensatez, paixão incondicional pelo projeto e por aí vai.

Não é por acaso que o investidor possui alma e veia de empreendedor. Na prática, ele já foi um. Em período integral. Com bacharel em Engenharia da Computação pela Unicamp e dois títulos de MBA nos Estados Unidos (Yale e SEP de Stanford), começou a carreira empreendendo e desenvolvendo softwares no Brasil e na Suíça, onde morou por um tempo.

Os primeiros investimentos aconteceram no início dos anos 2000, quando trabalhou como Diretor de Negócios na Eccelera – um fundo de investimento sediado em São Paulo. Depois, Anderson foi Diretor de Investimentos da Naspers/MIH. Responsável pela criação da unidade de internet na América Latina, ele investiu e atuou como executivo em empresas líderes de mercado. Entre elas, Buscapé e Movile. Por fim, antes de finalmente se dedicar a criação da Redpoint eventures, ele exerceu o papel de CEO do Apontador, plataforma que se tornou referência em geolocalização no país.

A Redpoint eventures é o primeiro fundo brasileiro de capital empreendedor (ou “de risco”) patrocinado por empresas do Vale do Silício, Califórnia. No caso, a Redpoint Ventures e a e.ventures (daí o nome). A empresa, que nasceu em 2012, tem por objetivo trazer ao Brasil as melhores práticas de investimento desenvolvidas, nas últimas décadas, no Vale do Silício. Tudo para fomentar o ecossistema nascente por aqui de empreendedorismo em tecnologia e inovação. No último mês, a Repoint eventures inaugurou, ao lado do Itaú, o CUBO, um centro de empreendedorismo que pretende transformar o ecossistema de startups do Brasil em referência global.

Confira abaixo o papo de Anderson Thees com o Draft.

O que mudou de cinco anos para cá no empreendedorismo brasileiro?
Costumo dizer que a cada cinco anos, mais ou menos, o empreendedorismo brasileiro vive o começo de um novo ciclo. Em 2010, por exemplo, nós estávamos em estado de euforia com o surgimento de uma enorme rampa de crescimento. Graças ao e-commerce, era a primeira vez que víamos um modelo de negócio digital realmente dar certo por aqui. De lá pra cá, o mercado cresceu, se desenvolveu e abriu um leque quase infinito de possibilidades. Agora, cinco anos depois, vivemos um período de racionalização. Estamos começando a entender quais são os modelos de negócio que realmente sobreviverão no futuro.

E o que você acredita que ainda é preciso melhorar?
Poucas coisas. Nós estamos no caminho certo, mas uma coisa é fato: os novos empreendedores ainda sofrem bastante para achar um caminho de sobrevivência. E, com isso, muitas startups acabam perdendo o ‘timing’. Uma ótima solução seria ter um envolvimento maior das grandes corporações nacionais e internacionais nesse ecossistema. Seja como clientes ou parceiras, elas poderiam ajudar as startups a se desenvolverem com mais rapidez. Hoje, uma startup precisa chegar no quinto ano de vida muito bem desenvolvida e pronta para uma possível venda.

As taxas de desemprego aumentaram no país. O empreendedorismo é mesmo a melhor solução para o desenvolvimento econômico e a geração de empregos?
Não sei se dá para dizer que é a melhor, porque a nossa reorganização socioeconômica depende de uma série de fatores. Mas, invariavelmente, é uma ótima solução. Tanto na questão prática, com a geração de mais oportunidades, como também na questão cultural e motivacional. Antigamente, os pais sentiam orgulho do filho que trabalhava em uma grande corporação. Depois, tornou-se do filho que passava em um disputadíssimo concurso público. Agora, a admiração começou a ser do filho que toma a coragem de empreender. Creio que esse incentivo ao espírito empreendedor seja um ponto muito importante para o desenvolvimento de um país.

Como as escolas e as universidades deveriam preparar seus alunos para empreender?
Vejo isso como uma questão secundária. O Brasil já possui ótimos profissionais. Temos bons engenheiros, administradores, economistas… Obviamente, quando comparamos o nosso cenário com o dos Estados Unidos, por exemplo, percebemos que ainda tem muito o que evoluir em termos de metodologias. Lá, a criança aprende desde novinha a fazer “pitchs”. Ou seja, aprende ainda na escola a expor, defender e conceituar ideias. E isso se potencializa mais na universidade. Então, esse é um estímulo que poderia começar desde muito cedo por aqui também. 

O movimento empreendedor no Brasil é relevante globalmente? Como o mundo nos vê?
Com certeza é relevante. E o mundo já nos respeita. Nós temos um ingrediente quase particular chamado “criatividade”.

A nossa criatividade é muito peculiar, diferente da que existe no resto do mundo. Até os nossos programadores são criativos

Porém, ainda temos poucos cases de sucesso, poucas startups que realmente se tornaram referências globais. É isso que ainda está faltando.

A maioria das startups brasileiras se baseia em produtos e modelos de negócios já validados no exterior. Nosso número de patentes registradas continua muito baixo. Nós somos o país do empreendimento entendido como franquias de paletas mexicanas e cupcakes?
Talvez. Mas, sinceramente, nunca vi isso como um problema. Às vezes, nós subestimamos muito a startup que replica, aqui no Brasil, um formato já validado no exterior. Como se isso diminuísse o mérito de empreender. Mesmo que o negócio surja com base em algo já existente lá fora, o empreendedor precisa fazer inúmeras adaptações. E estou falando desde questões culturais até a estratégia para adquirir clientes ou investidores. E isso dá muito trabalho. O único problema é quando o empreendedor não faz essas adaptações. Mas, nesse caso, o negócio dificilmente sobreviverá. 

"Se pudesse ter feito algo diferente, teria tido mais calma", diz Anderson Thees.

“Se eu tivesse caminhado mais devagar, teria aprendido mais”, diz Anderson Thees.

Como construir uma cultura de pioneirismo e de inovação disruptiva entre nossos empreendedores?
Um coisa, com certeza, é tempo. Nós sabemos onde precisamos chegar e já estamos, inclusive, andando nessa direção. Agora, temos que acelerar esse processo. Como eu disse anteriormente, a startup precisa, em cinco anos, passar por todas as etapas de desenvolvimento. Com um ciclo curto, o empreendedor consegue se dedicar a novos projetos depois e ter como base os erros e acertos adquiridos anteriormente.

Por que o capital no Brasil é tão conservador, tão avesso ao risco? Como mudar isso?
Não acho que seja uma questão exclusivamente do Brasil. E nem acho que seja uma questão de risco, apenas de fazer sentido ou não. Muitas vezes, a conta não fecha. Principalmente em países como o nosso onde os juros são inúmeras vezes maiores.

Algumas aceleradoras estão quebrando. Por que isso acontece? Como criar um ecossistema de empreendedorismo sustentável no país?
Volto a dizer que esse também é um problema relacionado ao tempo de maturação. Respeito muito o modelo das aceleradoras e, principalmente, as pessoas que trabalham nelas. Porém, tem sido muito oneroso manter as portas abertas. Atualmente, na velocidade que a maioria das startups se desenvolve, o certo seria a aceleradora esperar pelo menos 10 anos para fazer uma saída que compensasse os investimentos e o tempo desprendido. É muito tempo para ter um retorno.

Pela primeira vez na história do país temos uma geração de pessoas de classe média, e de meia-idade, com poupança suficiente para investir em negócios. Está aí a nossa primeira geração de investidores anjos. Qual a real contribuição que eles têm a dar ao ecossistema?
Ser investidor anjo não é tarefa para qualquer um. Tem que conhecer o mercado, entender de finanças e saber calcular os riscos para investir nas melhores startups. É preferível que essas pessoas comecem empreendendo para, somente depois, se tornarem investidoras.

Quais são as características das startups que têm mais chances de decolar?
A qualidade da equipe é o mais importante. Depois vem a objetividade e clareza do produto para solucionar um problema eminente. Em relação ao mercado de atuação, no momento, as startup de saúde, educação e internet das coisas estão em alta. Mas, isso é muito relativo. Até porque, quando algum mercado está muito na moda, provavelmente, o melhor momento para investir nele já passou. 

E quais são as características daquelas que têm menos chances de dar certo?
Muita gente tem falado por aí que as startups de e-commerce já não são mais rentáveis. Isso também é muito relativo. Nós mesmos, na Redpoint, temos uma empresa de e-commerce no portfólio que cresce absurdamente. Por isso, acredito que a questão principal ainda seja ter ou não ter um bom time. 

A Redpoint está no Brasil desde 2012. Qual é o balanço dos investimentos realizados até o momento?
Até o momento, nós fizemos 12 investimentos em nosso portfólio principal e mais 10 no portfólio “seed” (tickets menores). Ainda é muito cedo para fazer uma análise aprofundada. Porém, estamos extremamente satisfeitos com os resultados de diversas startups. Seria até difícil apontar uma que esteja se destacando mais – algo parecido com dizer qual é o filho mais bonito. Mas, vale citar a ViajaNet, PSafe e Nibo. Elas têm mantido um crescimento muito significativo.

Qual é a sua avaliação do impacto da atual crise econômica no empreendedorismo brasileiro?
Vou falar uma frase polêmica de propósito: para o empreendedorismo a crise é espetacular. Ainda mais para o empreendedorismo digital.

As startups nascem para resolver problemas. E a crise traz uma série de problemas, ou seja, aumenta os espaços nos quais os empreendedores podem atuar

Além disso, sempre que existe crise, a população tende a adotar novas culturas, hábitos e soluções mais eficientes. Então, a crise é um catalisador de novos comportamentos. Isso acontece no mundo inteiro. Como cidadão, tenho um milhão de preocupações. Ainda assim, sou otimista sobre o futuro do Brasil, inclusive, em um cenário mais macro. Se a crise durar 10 anos, daí será algo ruim até mesmo para o empreendedorismo. Mas, nesse caso, o empreendedorismo será o menor dos nossos problemas.

Quanto a Redpoint pretende investir em 2016?
Em relação à Redpoint, nós não criamos metas de investimentos para não cometer erros que lá na frente custarão caro. Inicialmente, nossa ideia era investir em mais ou menos seis startups por ano. Só no primeiro semestre deste ano, nós já investimos em seis. Agora no segundo semestre, em mais uma. E ainda estamos analisando outras propostas. Para 2016, apenas posso dizer que vamos investir em todos os negócios que se mostrarem promissores. E que podemos passar até um ano e meio sem investir em nada caso não apareça algo realmente valioso.

Qual é o papel do CUBO nesse cenário? E qual o papel da Redpoint dentro do CUBO?
O CUBO exerce um papel ambicioso e, ao mesmo tempo, extremamente simples. Basicamente, a ideia é criar densidade no empreendedorismo brasileiro por meio de um HUB que conecta empreendedores, investidores e grandes corporações. Modelos parecidos foram implementados em outros lugares do planeta – como, por exemplo, na China – e deram muito certo. A Redpoint eventures é co-fundadora do CUBO juntamente com o Itaú. E isso é motivo de muito orgulho para nós. Aliás, quero aproveitar para deixar bem claro que essa é uma iniciativa sem fins lucrativos. O projeto não tem por objetivo privilegiar os interesses particulares do Itaú ou da Redpoint eventures. Tanto é que apenas algumas startups do nosso portfólio estão dentro do CUBO. A ideia é fortalecer todo o ecossistema e estabelecer alianças. E outros fundos de investimento e bancos são bem-vindos aqui.

Qual o seu principal desafio hoje na posição que você ocupa?
Vejo a Redpoint como uma grande startup, pois também enfrentamos os desafios de empreender. No final das contas, somos empreendedores investindo em outros empreendedores. E mais do que isso: somos empreendedores que precisam criar uma nova indústria de capital de risco. O meu desafio pessoal é fazer com que a equipe cresça dentro do patamar que estipulamos lá atrás. E posso dizer que tenho muito orgulho dessa equipe. Todos os sócios e funcionários da Redpoint possuem uma histórico muito forte com o empreendedorismo. Somos completamente apaixonados por isso. É o nosso DNA. 

Onde você quer estar em 10 anos?
Quero estar inserido em um mercado de ventures capital bastante evoluído no Brasil. De repente, abrindo o quarto ou quinto fundo de investimento. E, até lá, quero a que a Redpoint eventures se torne o fundo mais cobiçado pelos empreendedores. Ou seja, a primeira opção para quem busca recursos financeiros para evoluir um projeto.

O que você faria diferente se pudesse voltar 10 anos?
Faria as coisas um pouco mais devagar. Tenho muito orgulho do que construí até agora e não me arrependo do modo como lidei com as coisas. Mas, o ritmo foi muito intenso.

Se eu tivesse caminhado mais devagar, poderia ter aprendido mais 

Se você tivesse que fazer outra coisa da vida, o que seria?
Acho que seria veterinário, não sei. Essa era a carreira que eu sonhava em ter durante a infância. A verdade é que eu amo o que faço. Sempre gostei desse universo de inovação tecnológica. Primeiro como desenvolvedor, depois como investidor… Sou realmente feliz fazendo o que faço.

Como imagina que as pessoas vão lembrar de você? Qual é o legado que você está construindo?
Quero deixar uma marca permanente nesse ecossistema empreendedor. Isso é uma oportunidade de ouro.

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