Mariana Castro, que assina esse texto, está lançando Empreendedorismo Criativo (Portfolio/Penguin, 199 pgs), onde conta em detalhes o case da Perestroika e mais oito histórias completas sobre novos empreendedores brasileiros e seus empreendimentos criativos. Compre. Leia. Recomende.
Se quando foi criada a Perestroika era uma espécie de nova namorada para os sócios – assumindo o topo da lista de prioridades, roubando toda a atenção e os pensamentos – sete anos depois, a relação passou de caso sério a casamento sem perder o brilho, o frescor e a paixão. Como? Com uma dose de “amor livre” e muita reinvenção. Além de uma escola criativa, em que o processo de aprendizado deve ser divertido, cujo papel do professor é inspirar, na Perestroika o modelo de negócio é baseado na filosofia “ninguém é de ninguém” e lá o que não falta é novidade.
O núcleo de cursos criativos mais que dobrou só neste ano e ganhou novos territórios. A Perestroika lançou o primeiro curso na Califórnia, em San Francisco, o Favela. Com programação de três dias, 23, 25 e 26 de setembro, tem 15 professores, entre eles o publicitário PJ Pereira, fundador da agência Pereira & O’dell e o artista Andres Amador. A vontade de expandir internacionalmente vinha sendo amadurecida há tempos. Desde 2012, quando o co-fundador Tiago Mattos estudou na Singularity University e ouviu a proposta de um investidor.
No Brasil, além de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, onde já havia fincado o pé, só no primeiro semestre de 2014 a Perestroika chegou a mais três cidades brasileiras: Curitiba, Brasília e Belo Horizonte. Em Brasília, acabou de fechar uma parceria com o Picnik – iniciativa que leva arte, cultura, gastronomia e lazer para o espaço público. Também criou mais duas unidades de negócio: Sputnik e Scholé. A primeira cuida de educação corporativa, ou seja, leva os cursos e a metodologia de ensino da Perestroika para dentro de empresas. Entre os clientes estão Facebook, Red Bull, Globo e Coca-Cola.
A segunda, que em grego significa lugar do ócio, procura levar novas formas de educar para escolas, universidades e governo. Também atende a um desejo antigo do outro sócio, Felipe Anghinoni, de contribuir para melhorar a qualidade de ensino do país. Para isso oferece dois produtos: palestras e consultoria. As palestras tratam de tendências da educação contemporânea e fazem uma contextualização do cenário do mundo pós-revolução digital e do impacto que isso tem no processo de aprendizado. No caso da consultoria, a Perestroika trabalha a partir da demanda do cliente, ajuda a diagnosticar um problema e aplica soluções para implementar a transformação no sistema de ensino.
Recentemente, a Perestroika criou um braço tecnológico, Aerolito, liderado por Tiago. É uma empresa de desenvolvimento de software, hacking, internet das coisas e tecnologia para crianças. Há também a Bode, empresa de aplicativos e desenvolvimento, que teve 25% do seu negócio adquirido pela Perestroika. No núcleo tecnológico, a escola tem também dois aplicativos, que funcionam em um esquema meio beta. Um deles é o iscola.cc, ainda sem muita adesão, que serve para fazer uma ponte entre o professor e o aluno que deseja aprender alguma coisa. O outro aplicativo, que só está disponível para quem faz os cursos presenciais, funciona como um complemento das aulas. É uma primeira experiência da Perestroika com ensino online.
Em um outro movimento de expansão, a empresa foi para o bar e entrou como sócia no Complex – Esquina 111. Localizado em Ipanema, no Rio, nem só de quitutes e drinks vive o bar e restaurante. Lá acontecem cursos ministrados pela equipe da Perestroika, exposições e outros eventos culturais. Por fim, a Perestroika agora tem uma marca de cerveja para chamar de sua. A Czarina, encontrada apenas nas unidades onde os cursos acontecem. A venda de cerveja já é mais uma fonte de lucro.
Extrapolar os limites do ambiente escolar tem tudo a ver com a Perestroika, já que a experiência de aprendizado é tão importante para seus idealizadores quanto o conteúdo. Para eles, a aula deve ter cara de encontro entre amigos e por isso o aluno pode tomar cerveja, sentar em pufes e inverter de papel com o professor enquanto aprende.
Extrapolar os limites do ambiente escolar tem tudo a ver com a Perestroika, já que a experiência de aprendizado é tão importante para seus idealizadores quanto o conteúdo. Para eles, a aula deve ter cara de encontro entre amigos e por isso o aluno pode tomar cerveja, sentar em pufes e inverter de papel com o professor enquanto aprende. Para garantir que toda aula gere essa experiência memorável para quem participa dela, os sócios criaram uma metodologia com alguns mandamentos, que deve ser seguida pelos professores.
Um deles é que, apesar da informalidade, dos pufes, da cerveja e dos nomes engraçadinhos dos cursos, como Bitch! ou Chora PPT, uma aula é uma aula e não um bate-papo. Há um compromisso com a entrega de conteúdo e a responsabilidade do aprendizado. Toda aula deve ter “um treco”. Ou seja, alguma coisa especial e diferente, alguma provocação. O sócio Felipe, por exemplo, já deu aula vestido de vaca. Outro mandamento é o fator do dia seguinte. O professor precisa criar uma espécie de tuíte, uma notícia que responda a seguinte pergunta: “o que fica da sua aula?” O rapper Emicida, o músico Marcelo D2 e o escritor Daniel Galera estão entre os que já atuaram como professores.
COMO TUDO COMEÇOU
Os sócios da Perestroika Tiago e Felipe não são professores nem vem da área de educação. São publicitários e se destacaram cedo como jovens talentos trabalhando em agências de Porto Alegre. Como selecionavam estagiários para trabalhar, tinham dificuldade no recrutamento. Detectaram um gap entre a demanda das agência e a inexperiência dos candidatos, que embora fossem estudantes de publicidade, chegavam com alguma teoria e sem nenhuma prática. Eles dividiam a opinião de que a faculdade não estava preparando o aluno para o mercado e alguma coisa podia ser feita.
Sem abandonar os cargos que ocupavam, começaram a testar um novo negócio. Com pé no chão, pouco risco e de forma sustentável financeiramente, passaram a oferecer um primeiro curso livre, o de criação publicitária. Para divulgar a novidade, Tiago publicou um vídeo no You Tube, convocando os interessados, e o mandou por email para vários estudantes de publicidade de Porto Alegre, onde o primeiro módulo foi ministrado. O dinheiro da primeira matrícula pagou o aluguel da sala. Com mais 100 reais dos sócios, conseguiram fazer o site da escola com um amigo, que cobrou preço de custo.
Com experiência no assunto, os próprios sócios atuaram como professores. Assim nascia, em 2007, o primeiro curso livre da Perestroika. Em pouco tempo, as 35 inscrições para o segundo módulo, sobre atendimento publicitário, acabaram. No ano seguinte, a escola precisou mudar de endereço. Com mais espaço, aumentou o número de alunos e o de cursos. Como naquela época todos eram voltados para assuntos ligados à publicidade, a Perestroika começou a ser reconhecida como uma ESPM do Sul. E não era exatamente esse lugar que Tiago e Felipe queriam ocupar.
Foi só quando lançaram um curso completamente diferente de tudo que vinham fazendo até então que a escola pode enveredar pelo caminho que segue até hoje: o de uma escola de criatividade. Em 2009, depois de ir jogar pôquer com os amigos, Tiago colocou no menu da Perestroika o curso PokerStars. Em parceria com o site de mesmo nome, passou a oferecer o primeiro curso de pôquer regular do Brasil. Para o negócio, foi o ponto da virada.
FUTUROS SÓCIOS, SÓCIOS EM FORMAÇÃO E SÓCIOS
Se dentro da sala de aula a Perestroika inova na metodologia de ensino a partir da “experiência da educação”, nas práticas que adota para gerir o negócio também foge de modelos tradicionais. Há alguns princípios que regem o modus operandi da empresa: o modelo de negócio é totalmente distribuído e em rede, em que impera a política do ganha-ganha. O objetivo é transformar todos que trabalham ali em empreendedores. Tanto que há um programa de cinco ciclos, que dura cerca de três anos, para preparar as pessoas para terem seus próprios negócios. Dentro ou fora da Perestroika.
Há alguns princípios que regem o modus operandi da Perestroika: o modelo de negócio é totalmente distribuído e em rede, em que impera a política do ganha-ganha. O objetivo é transformar todos que trabalham ali em empreendedores.
Para Tiago, às vezes a dificuldade de empreender está exatamente em achar o propósito. E, segundo ele, não há nada melhor para encontrar o propósito do que empreender. Hoje, das quinze unidades de negócio que compõe a Perestroika, todas têm entre os sócios pessoas que já trabalhavam na escola de criatividade. Boa parte do novos negócios surgiu, inclusive, de ideias e iniciativas dos colaboradores. Sendo assim, segundo Tiago, a Perestroika não tem funcionários. São futuros sócios, sócios em formação ou sócios.
Todas as empresas têm composições societárias diferentes. Mas em todas elas, os sócios ganham a mesma porcentagem. Cada uma tem o seu gestor, que além da parte na sociedade, ganha também um salário. Definido por ele mesmo. “O sócio gestor é o maior interessado em fazer o negócio dar certo”, diz Tiago.
A mesma filosofia vale para as unidades da Perestroika espalhadas por diferentes cidades. Os fundadores enxergaram aí uma oportunidade de estimular a veia empreendedora de quem já trabalhava na escola e ofereceram a gestão e a sociedade de cada uma para quem já convivia com eles há algum tempo.
APRENDIZADO
O modelo totalmente distribuído foi a forma que os fundadores da Perestroika encontraram para crescer de um jeito saudável, orgânico e sustentável. Mas para isso, eles viveram um momento de crise em que tiveram que tomar a importante decisão de recuar. Em 2013, a Perestroika estava em São Paulo, no Rio e em Porto Alegre. A unidade de Porto Alegre começou a crescer demais. Chegou a ter quase 30 cursos, contra menos de dez das duas outras escolas.
A estrutura inchou e estava ficando insustentável. Sem contar o estresse do qual os fundadores fugiram ao deixar o mercado de publicidade para montar o próprio negócio. Estavam começando a fazer tudo aquilo que antes condenavam. Foi quando resolveram puxar o freio. Depois de muita conversa, uma imersão na análise da empresa, Tiago e Felipe resolveram cortar em 60% a unidade de Porto Alegre. A escola de São Paulo também passou por uma grande reestruturação. Tirou do portfólio boa parte dos cursos que oferecia e mudou de gestor. Quem está à frente da operação na capital paulista é Fernanda Baffa.
Em pouco menos de um ano, a Perestroika se pulverizou. Deixou de ter um negócio principal, com dois menores, e passou a ter vários menores. Embora tenha aumentado muito suas unidades de negócio e suas áreas de atuação – escola, entretenimento, tecnologia… – ao todo o grupo conta com 42 funcionários, mas nenhuma empresa tem mais de seis. Ou seja, mantém a estrutura leve e continua tendo como princípio ser sustentável financeiramente. Em 2014, a previsão de faturamento é em torno de 6 milhões. No ano passado, o número foi de 4,2 milhões.
Em Porto Alegre, mais leve e flexível, a Perestroika acabou de mudar de endereço. Vai ocupar um prédio junto com a produtora de filmes Zeppelin. Da união já saiu mais um novo negócio: o Área 51, espaço de coworking, café, ateliê de arte e estúdio (de onde a escola deve produzir material para ensino a distância). É o jeito Perestroika de crescer: em rede, sem perder o propósito e a diversão. Para manter o caso de amor entre os sócios e o tipo de trabalho que escolheram para si, a ideia é continuar desbravando novos territórios, contribuir para um mundo mais criativo e, sobretudo, habitado por muitos, mas muitos empreendedores.
Mariana Castro é jornalista e autora do livro Empreendedorismo Criativo. Trabalhou no Grupo Estado e na Editora Abril, antes de ir para o jornalismo digital. No portal iG, atuou como editora-chefe do Último Segundo e editora-executiva de Política, Internacional, Cidades e Educação. Atualmente é diretora da F451, que publica o Gizmodo Brasil.
Por despertar emoções tão facilmente, a música é uma ferramenta poderosa na hora de vender uma ideia ou produto. Saiba como a Cabaret Studio põe seu talento a serviço de peças publicitárias veiculadas por grandes marcas.
Allan e Símon Szacher empreendem juntos desde a adolescência. Criadores da Zupi, revista de arte e design, e do festival Pixel Show, os irmãos agora atendem as marcas com curadoria, branding, vídeos e podcasts através do estúdio Zupi Live.
Arte e vinho combinam com escritório e dinâmica de grupo? Marcos dos Santos e Nátaly Sicuro acreditam que sim: o casal comanda a Vinho Tinta, que promove eventos para funcionários e clientes de marcas como Boticário, Uber e Nubank.