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PicniK mostra a força da economia criativa de Brasília

Pedro Burgos - 9 set 2014 Pedro Burgos - 9 set 2014
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Há décadas, pessoas das indústrias criativas nascidas ou criadas em Brasília migram para São Paulo e Rio depois de formados. As justificativas mais comuns são de que elas querem outra coisa além de concursos públicos (e não há espaço na iniciativa privada) ou que não há muito o que fazer na cidade. Quem ficava, consumia as criações do eixo, e não do Eixão de Brasília. Honestamente, eu mesmo fazia isso, e foi com essas motivações que me mudei para São Paulo em 2006.

Mas quando falo com a publicitária Julia Hormann, me sinto quase envergonhado da escolha. A co-criadora do PicniK diz, com entusiasmo, que as coisas estão mudando muito, e muito rapidamente. O festival-feira que ela produz agora reúne 10 mil pessoas, que consomem design, moda, música e gastronomia produzidos por lá. Os brasilienses, ela diz, desenvolveram um renovado orgulho pelos frutos da economia criativa local. Não dá mais para dizer que vale sair da cidade por causa do tédio. “Eu sou um traidor, então?”, eu brinco, durante nossa entrevista. “De certa forma é”, ela diz, quase séria, pra depois rir.

O PicniK – criação de Julia com Miguel Galvão e Carol Monteiro – virou o símbolo desse movimento de valorização da autoestima da cidade e seus habitantes, de mostrar tudo que a cidade tem de bom, e é algo difícil de ser categorizado como empreendimento. Nas 14 edições que aconteceram até agora, houve espaço para minifestivais de música com bandas, feiras gastronômicas, artesanato, moda, design, workshops de dança, espaço para meditação, prática de esportes aquáticos, brinquedos para crianças e o que mais pintar na cabeça dos organizadores. Costuma durar um dia inteiro, no fim de semana, em um lugar aprazível e perto da natureza.

UMA FESTA, À LUZ DO DIA

Expositores na última edição do Picnik

Expositores na última edição do PicniK

O espírito empreendedor de Miguel Galvão, vulgo The Miguelitos, era aparente na faculdade de Economia, em Brasília. Quando era presidente do centro acadêmico e tinha que organizar o tradicional churrasco para os calouros, desenvolveu um modelo inovador para melhorar as festas e atrair mais gente: cotas para os alunos investirem no evento. Com um capital maior para começar a organização e o interesse do público razoavelmente garantido, a faculdade trouxe grupos como Nação Zumbi para animar a festa, e deu retorno para mais gente. Isso muitos anos antes do Queremos.

Miguel seguiu a carreira de economista e paralelamente aos seus trabalhos passou a produzir festas famosas, de até 3 ou 4 mil pessoas. Uma hora cansou. “Eu não conseguia mais identificar o público, reconhecer os amigos. E quem paga ingresso começa a se comportar demais como consumidor — não fica aberto a coisas experimentais, artísticas.” Ele queria fazer algo “onde o álcool não fosse o protagonista”. Ele chamou Carol, que produzia um encontro de Brechós de Brasília, o Ao Desapego, para criar um “mix de mercado descolado e sunset party”, como ela definiu.

O primeiro PicniK, no aniversário de Brasília, 21 de abril de 2012, foi uma tentativa de criar “uma coisa diurna, com pessoas sóbrias”, segundo Miguel. Um evento onde os amigos pudessem levar a família, e tudo pudesse acabar antes de incomodar a vizinhança. Eles escolheram um lugar legal e pouco utilizado, um calçadão próximo ao Lago Paranoá, e convidaram 20 expositores que pudessem vender ou trocar roupas usadas. O modelo era ganhar um pouco com o aluguel do espaço para quem vendesse e mais alguma coisa com o bar. Por definição, a entrada seria gratuita. O pensamento: “se o fluxo de gente fosse grande, haveria um comércio”. Foram 2 mil pessoas.

“As vendas não foram boas, mas as pessoas se sentiram fazendo parte de algo”, conta Miguel. A recepção do público foi positiva. O segundo evento, dois meses depois, já tinha mais estrutura, com 30 expositores. As vendas novamente não foram incríveis, mas estava claro na cabeça de Miguel, Julia e Carol que aquilo fazia sentido. “Há uma dificuldade de as pessoas se encontrarem na rua em Brasília, e o PicniK uniu o útil ao agradável. A pessoa vem de bicicleta, chega cedo, apoia o compra de quem faz. Isso cria uma teia”, diz Miguel.

O PicniK realmente explodiu na terceira edição, quando o evento começou a focar no “selo Made in BSB”, e não apenas nas coisas usadas. Carol começou a se dedicar mais na curadoria e descobrir os talentos locais. “Precisávamos de dar um gás não só para o pessoal que está nas feiras, mas achar no quintal da avó o cara que faz algo especial”, descreve Julia. E, catando talentos, foram achando pessoas que faziam sapatos, quadros, roupas.

O processo da curadoria, a cargo de Carol, é uma das chaves para o PicniK atrair tanta gente. “Percebíamos que a maioria das pessoas que buscavam o novo no PicniK estavam cansadas de ver o que vinha de fora, essa influencia massiva Rio/SP e queriam enxergar no evento, um retrato da efervescência criativa, genuína da cidade”, conta Carol.

Ela diz que “anda onde o público anda”, observa como veste, caminha pela cidade, observa artistas de rua, estudantes de moda e design, para tentar encontrar o talento autoral. “Diante dessa análise de comportamento, percebíamos de onde brotavam as criações que representavam o brasiliense”, explica Carol.

 

Sapatos produzidos em Brasília vendidos no Picnik.

Sapatos produzidos em Brasília vendidos no PicniK.

“Vender no PicniK faz bem para a auto-estima do cara. Ele tá lá sem prestar um concurso, a mãe reclama, a avó acha o que ele faz esquisito, a namorada não entende. Aí ele vai lá e 100 pessoas passam na frente do estande dele. 50 acham legal, 20 compram. Ele começa a ver valor, melhora a auto-estima”, diz Miguel. A ideia de “fortalecer a auto-estima” não só dos artistas, mas dos brasilienses em geral, está na fala dos três, sempre, e é claramente uma missão do PicniK. “Não é só escolher as coisas legais”, salienta Carol. “É também um encorajamento, um fortalecimento a auto estima ao empreendedorismo do jovem brasiliense.”

Apesar do sucesso de público, o desafio sempre foi conciliar a missão de descobrir novos talentos com a parte comercial. “A gente tinha consciência que pra trazer mais gente não ia poder cobrar um valor muito elevado por estande. Queríamos gente que estivesse começando, sem capital”, diz Miguel.

Como a principal fonte de renda eram os aluguéis dos estandes, os sócios fizeram contas. Se aumentar demais o espaço, haverá menos gente vendendo em volume, na média. Cobrar muito caro estava fora de cogitação. O PicniK então procurou receitas alternativas: chamaram expositores para dar workshops, controlaram o bar e investiram na comida. Mas só foram ficar no azul mesmo depois de mais de um ano, quando conseguiram o patrocínio do Cartão BRB, o banco local.

A empresa se organizou melhor e em breve terão novas cotas de patrocínio. “A cidade gosta demais dos projetos, e as marcas começam a ver isso. Não queremos colocar só um banner. Queremos fazer ativações de uma maneira inteligente, que a marca interaja. A gente tem um público crítico. Se eu colocar várias marcas no evento, além de incomodar as pessoas eu vou matar as marcas”, avalia a publicitária Julia.

A parte gastronômica cresceu tanto que deu origem a outro evento bimestral, o Quitutes, que tem 100 expositores, entre chefs consagrados e iniciantes, vendendo todo tipo de comida. O festival gastronômico já está na terceira edição só neste semestre, e já chegou a atrair 15 mil pessoas. Um terceiro evento, o Zoo, visa tirar os pets de casa e socializarem. A equipe do PicniK monta a estrutura normalmente em um parque, usando brinquedos de agility, e vendem produtos para humanos e animais. Sempre com a mesma ideia: eventos diurnos, gratuitos, para toda a família.

Com toda essa demanda, Julia largou o seu emprego em uma agência de publicidade grande há pouco mais de dois meses, para se dedicar a todas essas empreitadas. Para acrescentar à lista, ela também organiza o Tutti-Frutti, uma festa já tradicional em sua casa (que dá um bom lucro) e agora está trazendo a ideia do PicniK para São Paulo, fazendo a curadoria de um festival no primeiro PicniK externo.

O próprio PicniK também cresceu o suficiente para mudar de endereço, algumas vezes. Da Orla do Lago passou pelo Jardim Botânico, Centro Cultural Banco do Brasil e Ermida Dom Bosco. Sempre com um impacto positivo em cada lugar. Julia conta que o movimento no Jardim Botânico – um lugar infelizmente pouco explorado pela população local – aumentou consideravelmente depois que as pessoas armaram as cangas e fizeram o PicniK lá.

Artistas vendem suas criações na edição de aniversário de dois anos do Picnik, em abril.

Artistas vendem suas criações na edição de aniversário de dois anos do PicniK, em abril.

 

FORTALECENDO O LOCAL

Depois de 14 edições do PicniK, há vários casos de expositores que se destacaram para além da feirinha. Há o Quiches da Guida, que participa do PicniK que começou a fazer sucesso desde a segunda edição, investiram em equipamento e hoje atendem pedidos da cidade inteira. Ou Gabi Palazzo Brand, estilista local que usou o PicniK como plataforma para lançar duas coleções e já começa a vender a marca em São Paulo. Tem a Doux Brigaderia, de duas irmãs que vendiam brigadeiro e começaram a fornecer para restaurantes importantes, com os contatos que fizeram no Quitutes. Miguel me manda uma enorme lista de cases de talentos locais impulsionados pela sua iniciativa.

E para continuar fazendo essas histórias possíveis, o PicniK fez uma parceria com o Sebrae para capacitar os expositores. Consultores ensinam como fazer a mídia do seu trabalho, por que é legal ter um CNPJ, como tirar foto do produto dele, montar a estratégia de redes sociais, etc. Miguel diz que vender coisas no Picnik agora é motivo de orgulho, “o cara até pode impressionar as gatas”, brinca.

Os sócios acham que o PicniK, agora com dois anos e meio, está só no começo. “Somos uma grande plataforma que valoriza o autoral, o caminho oposto do corporativismo excessivo. Tentamos proporcionar uma experiência oposta ao shopping center. E pensamos em como fazer isso e embutir o consumo consciente, de coisas locais”, diz Miguel. Com esse mote ainda cabem vários outros projetos. O incomparável céu de Brasília é o limite.

 

draft card picnik 2

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